Empreiteira desconhecida bomba no governo Bolsonaro
Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Após arrebatar projetos para recuperação de trechos da rodovia Transamazônica e da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, consideradas as principais vitrines do governo na Região Norte, uma construtora pouco conhecida do Sudeste do Pará se tornou a campeã de contratos para obras na gestão do presidente Jair Bolsonaro.
A Construtora Meirelles Mascarenhas, fundada na década de 1990, figurava discretamente no ranking de contratações da União desde o governo Lula (PT), mas um salto recente — impulsionado por empreendimentos licitados num cenário indefinido de licenciamento ambiental — levou a empreiteira ao topo das contratadas: são R$ 298,5 milhões acertados com a União, dos quais R$ 185,4 milhões em contratos firmados neste ano. Em segundo lugar, aparece a Neovia Infraestrutura Rodoviária, com R$ 292,1 milhões, seguida pela LCM Construção e Comércio, com R$ 274,3 milhões. Os valores levam em conta os contratos assinados em 2019 e 2020 para a execução de obras.
Segundo o portal da transparência do governo federal, a Meirelles Mascarenhas atua em obras de rodovias federais na Região Norte desde 2007, quando venceu uma concorrência para manutenção na BR-174 (Amazonas) por R$ 2,1 milhões. Em valores iniciais de contrato, desconsiderando aditivos — alguns deles acertados na atual gestão —, o maior destaque da construtora em governos anteriores havia acontecido em 2015, no segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), quando fechou um total de R$ 89,1 milhões em contratos.
O valor, porém, não alçava a empresa a patamar de construtoras como Odebrecht, OAS e Andrade Gutierrez, donas dos principais contratos do governo federal nas últimas décadas. Só a sede da Odebrecht, sem incluir subsidiárias, recebeu mais de R$ 3 bilhões dos governos Lula e Dilma, segundo o portal da transparência. Todas perderam espaço após serem alvo da Operação Lava-Jato, que investigou desvios de verba pública e pagamento de propina nas gestões petistas. O acordo de leniência da Odebrecht, assinado em 2018, previa a devolução de R$ 2,7 bilhões aos cofres públicos, sendo R$ 1,3 bilhão referentes ao lucro de contratos nos quais foram encontrados indícios de corrupção.
O primeiro contrato da Meirelles Mascarenhas assinado no governo Bolsonaro, em abril de 2019, foi para “conservação e recuperação” de cerca de 60 quilômetros da BR-319. Em outubro, a empreiteira venceu a licitação para manutenção de mais 70 quilômetros. Nas duas obras, embora o termo de referência inclua “recomposição do revestimento primário com adição de cimento”, os editais consideraram que não se tratam de projetos de “repavimentação”, o que exigiria um licenciamento ambiental, alvo de disputa entre o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e o Ibama.
A discussão, que se arrasta há mais de uma década, diz respeito principalmente ao chamado “trecho do meio” da BR-319, que compreende cerca de 50% dos mais de 800 quilômetros. Nesse trecho, que faz limite com diversas unidades de conservação no Amazonas, o Ibama exige, desde 2007, um estudo de impacto ambiental que só foi apresentado pelo Dnit no último mês. O licenciamento, no entanto, depende ainda da entrega e aprovação de um Estudo de Componente Indígena (ECI) junto à Funai.
Em julho, o Ministério Público Federal chegou a pedir, sem sucesso, a impugnação de um edital para pavimentação num trecho próximo a Manaus pela falta de estudo de impacto ambiental.
O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, prometeu ano passado que iniciaria a pavimentação da BR-319 e disse a governadores que não via “obstáculo nenhum” às obras.
A Meirelles Mascarenhas tem como sócios os empresários Ainesten Espírito Santo Mascarenhas e Mauro Meirelles Jordão, e fica em Redenção (PA), perto da fronteira com o Tocantins, a 900 quilômetros de Belém, e mantém escritório em Brasília. Na capital federal, Ainesten e Mauro também dirigem uma locadora de veículos, a Fast Automotive, que tem contratos com o governo. Os mais recentes, incluindo aluguéis de carros blindados ao Ministério da Cidadania, somam R$ 6,1 milhões. Os sócios não retornaram os contatos do GLOBO.
Ainesten, de 63 anos, costuma compartilhar em suas redes sociais vídeos alinhados às pautas defendidas por Bolsonaro. Os compartilhamentos incluem críticas a ações do Supremo Tribunal Federal (STF) no inquérito das fake news e à cobertura da imprensa sobre a pandemia da Covid-19.
Contratada por cerca de R$ 66 milhões para a recuperação de parte do “trecho do meio” da BR-319, a construtora firmou dois aditivos com o Dnit, em maio, que elevaram o valor total dos dois contratos para R$ 148 milhões.
Neste ano, a construtora também venceu três pregões para intervenções na BR-230, a Transamazônica. As obras incluem praticamente toda a extensão da rodovia no Amazonas, incluindo o ponto em que ela cruza com a BR-319. Somados, os contratos beiram os R$ 130 milhões.
O Dnit disse que a contratação seguiu o “rito legal” e que os aditivos foram firmados dentro dos “parâmetros legais estabelecidos”. O departamento garantiu ainda que as ações de manutenção do “trecho do meio” atenderam aos acordos com os órgãos ambientais. Por fim, o Dnit afirmou que cumpre o “papel de propiciar infraestrutura adequada à população do país”.