Especialistas veem subnotificação de violência contra crianças
Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
As denúncias de violência contra crianças e adolescentes caíram 12% em 2020, em comparação com o ano passado. De acordo com dados do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MDH), foram registrados 26.416 casos entre março e junho, meses de maior incidência do coronavírus no Brasil. Em 2019, os quatro meses somaram 29.965 registros. Para especialistas, a queda significa subnotificação, uma vez que o isolamento social dificulta o processo de denúncia.
O número registrado neste ano é o menor da série histórica dos últimos nove anos, exceto em 2018, quando o Disque 100 recebeu 24.188 no mesmo período. O ano de 2013 foi o que teve mais casos de violência do tipo, com 47.448 registros nos meses de março, abril, maio e junho. O Ministério ainda não contabilizou os dados referentes a julho e agosto deste ano.
Em 2019, último dado disponível por estado pelo MDH, São Paulo liderou os registros: 20.355 casos. Em segundo lugar, ficou Minas Gerais, com 10.611 casos. Em terceiro, o Rio de Janeiro, com 9.028 casos. O estado com o menor número de denúncias no ano passado foi Roraima, com 202 casos.
Para Ariel de Castro Alves, especialista em Direito da Infância e da Juventude, e membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe), o dado registrado deveria ser maior por causa do confinamento causado pela pandemia de Covid-19.
— Já é um dado subnotificado, agora com a pandemia é mais ainda. É difícil quebrar a barreira da violência doméstica, principalmente quando envolve criança e adolescente. Muitas vezes eles não conseguem dizer o que está acontecendo, e ficam totalmente reféns e subordinados ao agressor.
Nesse sentido, explica o especialista, as escolas tornam-se grandes aliadas na hora de denunciar, o que foi dificultado diante da pandemia:
— Muitas vezes, as denúncias vêm dos educadores. São eles que notam a mudança de comportamento, a indisciplina, o medo de adultos, o baixo rendimento, e até mesmo as lesões corporais. A escola tem um papel muito importante — alerta Alves.
A ausência do contato nas escolas também é vista como um impulsionador da subnotificação por Conselhos Tutelares. Segundo Daniel Moura, conselheiro em Jardim Bonifácio, Zona Leste de São Paulo, a escola é o local que mais identifica os casos de violência contra criança e adolescente.
—A criança fala para o amigo, para a professora, mas o problema é que ela não está frequentando esse local. Pior, o violador está dentro de casa. É enorme a possibilidade de a criança estar sofrendo violência sem saber como lidar, ou como pedir ajuda.
Apesar da queda nos registros, diz Moura, a busca por resolução de conflitos familiares cresceu durante a pandemia, porque as pessoas passaram a ficar mais tempo juntas dentro de casa. O fato, explica, traz certa confusão em relação ao teor das denúncias.
— Muita coisa veio parar no Conselho Tutelar como se fosse violência, mas é conflito familiar. A cada dez casos que atendemos de violência, três ou quatro são conflitos, principalmente com adolescentes. Imagina um ringue, pois ninguém pode sair de casa. Antes o adolescente brigava e saía batendo a porta. Nesses meses, ninguém pode sair, colaborando para os desgastes.
De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos, os registros de violência contra crianças e adolescentes têm andado na contramão das demais denúncias do Disque 100 durante a pandemia. Houve aumento de 37% nos registros de violência contra a mulher e de 47% contra demais grupos vulneráveis.
Diante do cenário, a pasta disse que pretende lançar um aplicativo – chamado “Direitos Humanos Kids e Teens” – para facilitar as denúncias de violações e direitos em relação às crianças. A ideia, segundo o ministério, é que o app seja uma ferramenta lúdica e interativa. A data de lançamento não foi informada.