Exército pediu ao governo censura a portaria sobre armas
Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil
Troca de emails entre o Comando do Exército e a Controladoria Geral da União (CGU) revelam que os militares pediram para manter em sigilo documentos relacionados à elaboração de portarias que tratavam de regras sobre controle da produção de armas e munições, alegando que a divulgação dos estudos poderia provocar uma crise “institucional e midiática”. As portarias foram revogadas em abril deste ano por determinação do presidente Jair Bolsonaro. Em mensagem, o Exército diz ainda que o tema das portarias contém “viés político e ideológico muito exacerbado”.
Obtidas com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), as mensagens trocadas entre CGU e o gabinete do comandante do Exército expõem a preocupação da Força militar de não tornar público um tema que desagradou Bolsonaro. Até então, a justificativa oficial do Exército era que os estudos continham erros e precisavam ser revistos para edição de uma nova portaria. Os emails fazem parte do processo aberto pela CGU para analisar seis pedidos de informação sobre o tema, um deles de autoria de jornalista do GLOBO. O Exército havia negado acesso a todos os pedidos e o caso foi parar na CGU, instância de recurso prevista na LAI quando um órgão federal se nega a fornecer a informação.
O GLOBO revelou em agosto que o sigilo dos estudos que embasaram a edição das portarias foi mantido pela CGU, apesar de parecer interno determinando a liberação dos documentos. Novos registros mostram detalhes de como a Controladoria tomou a decisão a favor do Exército. A legislação prevê que, para decidir se um recurso de pedido negado, a CGU pode pedir esclarecimentos ao órgão.
No dia 3 de agosto, assessor do gabinete do comandante do Exército, identificado na mensagem como coronel Albuquerque, a pedido da CGU, enviou email com as justificativas da Força para não liberar os papéis. Na mensagem, o oficial sustenta que a divulgação dos estudos técnicos produzidos para editar as portarias revogadas poderia “”comprometer o bom andamento do trabalho” de produção de nova portaria sobre o controle de armas.
Ele indica que caso os dados viessem a público poderiam antecipar informações privilegiadas a empresas do setor. E acrescenta: “o assunto possui um viés político e ideológico muito exacerbado, devido a atual conjuntura social do país, com potencial de gerar crises institucionais e midiáticas que causarão pressões desnecessárias sobre as equipes de estudo, contaminando suas percepções”. “A contaminação sofrida pela disputa ideológica em curso, comprometerá a necessária neutralidade do ato normativo colimado pelo Comando do Exército”, reforçou o oficial na mensagem à CGU.
— A sociedade civil tem advogado que o tema seja tratado com lastro técnico nas decisões sobre o controle de armas para minar justamente o debate ideológico que parece vir mais da parte do governo — disse a diretora-executiva da Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo.
Segundo ela, desde que as portarias foram revogadas o governo tem dado sinais de tentar encontrar uma justificativa técnica para uma decisão que foi política do presidente Jair Bolsonaro.
Os argumentos do Exército não convenceram a auditora da CGU que analisava o caso e ela emitiu parecer determinando a liberação de todos os estudos. Seus superiores, no entanto, discordaram e o sigilo foi mantido, como revelou o GLOBO em agosto. Na decisão da CGU que manteve os documentos restritos, os argumentos sobre “viés político e ideológico” do assunto, citados pelo Exército não foram citados. Apenas o que se referia à antecipação de informações privilegiadas foi mencionado.
A CGU considerou que o sigilo deve durar até que o Exército aprove novas regras para o controle de armas e munições. O Exército informou que deve editar nova portaria em novembro. As portarias revogadas criavam o Sistema Nacional de Rastreamento de Produtos Controlados pelo Exército (SisNaR) e tratavam do rastreamento dos produtos controlados pelo Exército, como armas e munições.
No dia 17 de abril, em sua conta no Twiter, Bolsonaro avisou: “Atiradores e colecionadores, determinei a revogação das portarias Colog (Comando Logístico) 46, 60 e 61 de março de 2020 que tratam do rastreamento, identificação e marcação de armas, munições de demais produtos controlados por não se adequarem às minhas diretrizes definidas em decretos”.
O pedido para ter acesso aos estudos que embasaram a edição das portarias que Bolsonaro mandou revogar foi apresentado ainda em abril. O Exército indeferiu os pedidos e o caso foi parar na CGU, como um recurso previsto na LAI.
No dia 23 de junho, a auditora da CGU responsável pelo caso enviou o primeiro pedido de esclarecimento ao Exército. A auditora fez oito perguntas. O Exército só respondeu uma. A auditora insistiu uma segunda vez. E ainda ficou sem respostas para a maioria dos seus esclarecimentos. Um mês depois, a auditora repassou a seus superiores na Ouvidoria-Geral da CGU as pendências sobre o caso e o ouvidor-geral adjunto Fábio do Valle Valgas da Silva se encarregou de fazer contato direto com o Exército para tentar obter esclarecimentos sobre o caso.
No dia 28 de julho, Fabio do Valle remeteu email ao gabinete do Comando do Exército solicitando esclarecimentos adicionais. E explicou em letras maiúsculas que o Exército precisava deixar claro qual o risco para a divulgação das informações para que a CGU também rejeitasse os pedidos de acesso. “Deve ser um texto que explicite (sic) QUAL É O RISCO EXISTENTE e COMO ELE SE MATERIALIZARIA (quais consequências para o processo decisório e/ou para a segurança jurídica e confiança dos administrados). Essa demonstração é fundamental para que possamos ter segurança no que diz respeito ao pleito de negativa apresentada por vocês”, escreveu o ouvidor adjunto. Ele ainda recomendou ao Exército que marcasse uma data para a edição da nova portaria, encerrando o email com uma saudação ao oficial destinatário de mensagem: “Fraterno abraço, Brasil!”
Recebida a resposta do Exército nos moldes do que fora solicitado, a auditora da CGU ainda não viu elementos para manter os documentos em sigilo. Mas seus superiores preferiram atender o pleito dos militares mantendo a restrição aos estudos até que uma nova portaria seja editada.
Procurado, o Comando do Exército não se manifestou.