Governo desperdiça R$ 140 mi em compra de passagens
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O governo federal poderia economizar até R$ 140 milhões por ano, só na compra de passagens aéreas, se mudasse o modelo atual e as regras de antecedência para a aquisição dos bilhetes. A cifra consta em um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) divulgado nesta semana.
Segundo os auditores da CGU, o atual formato não é vantajoso porque o governo “deixa de obter descontos e benefícios, por não possuir acordos corporativos celebrados com as companhias aéreas”.
Além disso, a União “adquire passagens com pouca antecedência e por preços superiores aos praticados no mercado” e “o fluxo administrativo do processo de aquisição de passagens é ineficiente”.
Os auditores usaram um software desenvolvido na própria CGU para obter, em seis meses, mais de 15 milhões de cotações. Os valores de mercado foram, então, comparados aos desembolsos do governo federal para comprar passagens.
As combinações, diz a CGU, levaram em conta os destinos mais frequentes nas viagens governamentais e as cotações que coincidiram com viagens efetivamente realizadas. A conclusão foi de que o governo paga, em média, entre R$ 190,08 e R$ 193,24 a mais, por bilhete, que o preço de mercado.
O relatório aponta três medidas que poderiam ajudar a reduzir esse gasto:
maior antecedência na compra dos bilhetes e na negociação com as companhias;
alteração nas regras de cancelamento dos bilhetes, e
revisão no controle de compras.
Em 2018 e 2019, foram adquiridas quase 970 mil passagens, a maioria para viagens nacionais. Os gastos somaram R$ 821,9 milhões – mais que o orçamento anual de ministérios como o da Mulher, Famílias e Direitos Humanos, e pouco abaixo dos recursos disponíveis para a própria CGU em 2020.
Ainda de acordo com a auditoria, as viagens computadas nesses dois anos geraram mais de 1 bilhão em milhas aéreas – que, em vez de abater custos do governo, foram destinadas aos servidores que viajaram
O Ministério da Economia foi ouvido na própria auditoria, e afirmou que está fazendo mudanças para priorizar a compra direta das passagens, sem agências de viagens. A pasta, no entanto, questionou dados da CGU sobre a comparação com preços de mercado.
Após a resposta, a controladoria ajustou os números, mas manteve os resultados apontados inicialmente.
O ministério também argumentou que um decreto de 2019 aumentou, para 15 dias, a antecedência mínima para aquisição das passagens. Os auditores discordaram da afirmação e apontaram que o prazo da lei vale para todo o processo de compra, e não só para a reserva da passagem, que seria o ideal.
Sobre as milhas aéreas, o Ministério da Economia respondeu que uma eventual substituição por descontos na compra das passagens “não está prevista em normativo” e, por isso, não pode ocorrer.
No relatório, a CGU rebate o argumento e diz que a criação dessa regra cabe, justamente, ao ministério. “Não há restrição na legislação para a negociação de condições mais vantajosas para a Administração em instrumentos contratuais específicos”, diz a controladoria.
Na auditoria, os técnicos da CGU apontam dois motivos principais para os valores altos: o modelo de compras de passagens, em geral mediadas por agências, e a baixa antecedência para a aquisição dos tíquetes.
Entre 2018 e 2019, o governo fez quase 600 contratos com agências de viagem por licitação. A CGU diz que isso encarece as compras, que passam a depender de processos internos de cada órgão e acabam sendo concluídas muito perto da viagem.
A prestação de contas também não é automática e, segundo os auditores, peca pela falta de transparência. Os contratos “geram ganhos às agências que, na prática, não são repassados aos órgãos e entidades contratantes para fins de redução do preço final da passagem aérea comprada”.
Estes ganhos, diz o documento, explicariam o fato de que há agências que venceram licitações, no período, apontando preços irrisórios pelo serviço – algumas sequer cobram o agendamento.
Em 2014, ainda de acordo com os auditores, a União chegou a eliminar a intermediação das agências de viagem. A continuidade do modelo, entretanto, dependia de mudanças na legislação que nunca aconteceram.
De lá para cá, três medidas provisórias foram editadas nesse sentido, com dispensa na retenção de impostos, mas nenhuma foi convertida em lei. Por isso, as compras diretas só foram feitas nos períodos de 120 dias antes de as MPs caducarem.
Apenas essa mudança, da compra intermediada para a compra direta, poderia gerar uma economia média anual de R$ 21,8 milhões aos cofres federais.
Outro fator relevante para a economia é a antecedência com que os bilhetes são adquiridos. A CGU identificou que o preço da passagem adquirida na véspera da viagem é quase R$ 600 mais caro do que o valor cobrado no mercado.
Com 15 dias de antecedência, esta diferença já cai para pouco mais de R$ 200.
Em 2015, o governo determinou que a reserva deveria ser feita com, no mínimo, 10 dias de antecipação. Apesar disso, entre 2018 e 2019, mais de um terço das compras desrespeitou esse prazo.
O documento ressalva que, em alguns casos, é justificada a compra com urgência. Mas aponta que mesmo viagens programadas, para eventos de capacitação, participação em reuniões periódicas ou realização de auditorias, as compras acabam sendo feitas em cima da hora.
“Infere-se, portanto, que há oportunidades de melhorias no planejamento realizado pela Administração para o deslocamento dos seus colaboradores”, diz o documento. Para os auditores, uma possibilidade é a aquisição de passagens logo após a confirmação do evento que justifica a viagem.
Com uma análise estatística, os auditores concluíram que o melhor custo-benefício para compra de passagens está entre 21 e 28 dias antes da viagem.
Levando em conta que 70% dos deslocamentos possam ser programados com esta antecedência, a economia com essa mudança poderia variar de R$ 87 milhões a R$ 120 bilhões.
Neste caso, a diferença seria de quase um terço do gasto anual do governo com passagens.
Durante a auditoria, os técnicos da CGU calcularam também a economia que poderia ser gerada por uma medida comum entre os passageiros brasileiros: o uso de milhas e programas de fidelidade em acordos feitos pelo próprio governo.
Hoje, o servidor que viaja por conta do governo acumula milhas na conta pessoal, e pode usá-las em proveito próprio. Segundo a CGU, em dois anos, as viagens de governo geraram 1,059 bilhão de milhas aéreas.
Essas milhas, se convertidas em dinheiro pela cotação usual, poderiam ser usadas para comprar R$ 30,9 milhões em passagens. O governo não pode se beneficiar dos mesmos programas de fidelidade corporativa de pequenas e médias empresas, mas a CGU aponta que estatais como a Caixa e a Petrobras têm acordos que poderiam servir de inspiração.
“Embora os pontos/milhas dos programas de fidelidade sejam oferecidos no contexto da relação entre companhias aéreas e passageiros, seria vantajoso para a Administração negociar no âmbito dos acordos corporativos a substituição desse benefício por um desconto adicional no preço dos bilhetes adquiridos, uma vez que os recursos utilizados para a compra das passagens são públicos”, diz o texto.
Mesmo o processo administrativo para a compra das passagens tem um custo. A CGU calculou o tempo necessário para que cada servidor envolvido faça os procedimentos burocráticos, incluindo cadastros, reserva, aprovação e prestação de contas. Em seguida, comparou com o salário/hora médio destas pessoas.
Resultado: a burocracia interna para emissão de passagens custa pelo menos R$ 40 milhões ao poder público. A cifra corresponde a cerca de 10% do valor das passagens, embora não esteja embutida na verba desembolsada. Esse gasto de tempo acontece mesmo com passagens compradas via agência.