Macron se consolida como principal liderança da União Europeia
Foto: TF1/AFP
O francês Emmanuel Macron desembarcou nesta segunda-feira 31 em Beirute para entregar um plano de reformas que promete ajudar o Líbano a sair de sua atual crise econômica e política. A visita é encarada com esperança por muitos cidadãos e fortalece ainda mais a relação entre os dois países, que conservam fortes laços desde o fim do mandato francês na região. Para Macron, porém, a viagem é mais uma oportunidade de se consolidar como comandante de fato da União Europeia (UE) e importante liderança mundial.
Com a saída de Angela Merkel do governo alemão prevista para o final do ano, o presidente francês se encaminha para preencher o vácuo de poder deixado pela chanceler. Desde a retirada do Reino Unido do bloco, nenhum outro país despontou como liderança regional, especialmente com a crise do coronavírus, que abateu principalmente Espanha e Itália.
“Macron será essencial na determinação das direções a serem seguidas pela UE a partir de agora, seja na finalização do acordo com o Reino Unido ou no combate ao coronavírus”, afirma Paul Smith, especialista em política francesa da Universidade de Nottingham. “Angela Merkel ainda é importante, mas com sua saída em breve Macron já assume algumas responsabilidades”.
A substituição de Merkel, porém, não significa a total perda de poder da Alemanha no bloco, já que o país ainda conserva o status de maior economia europeia. Também não se sabe ao certo quem será escolhido como seu sucessor. “Para haver progresso em medidas significativas na União Europeia, a concordância entre a França e a Alemanha é uma condição mínima necessária”, diz Guntram Wolff, diretor do think tank Bruegel.
Parte das incumbências do bloco nos próximos meses é a finalização de um acordo comercial pós-Brexit com o Reino Unido, que deveria entrar em vigor no dia 1 de janeiro de 2021. Atualmente as negociações estão paralisadas e a França vem acusando os britânicos de serem “intransigentes e insistirem em uma abordagem irreal”.
Segundo a imprensa britânica, porém, cada vez mais parece que Emmanuel Macron tem a chave para determinar se o pacto será selado. Autoridades de ambos os lados das negociações veem o presidente francês como o curinga que pode arruinar um acordo no último minuto se achar que há mais a ganhar ao recusar um compromisso.
É neste contexto que Macron viajou nesta segunda ao Líbano e foi recebido pelas autoridades locais. Acompanhado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros Jean-Yves Le Drian e pelo Ministro da Saúde, Olivier Véran, o chefe de Estado foi recebido logo após o pouso de seu avião pelo presidente libanês, Michel Aoun.
Visto por parte da população como a grande esperança para sair da crise, o plano de recuperação apresentado ao governo libanês inclui prepostas de auditoria às finanças do Estado e uma reestruturação no setor da energia. Segundo fontes libaneses ouvidas pela imprensa local, a mediação francesa ainda foi de importância vital para a escolha de um novo primeiro-ministro nesta segunda. Após a renúncia do antigo líder, o Parlamento libanês nomeou oficialmente o diplomata Mustapha Adib como premiê.
“Tenho visto que nas últimas horas começou um processo que permitiu o surgimento de uma figura como primeiro-ministro”, disse Macron, acrescentando que espera que um governo seja formado “o mais rápido possível para implementar as reformas”.
Macron já havia visitado Beirute logo após a explosão no porto da cidade, em 4 de agosto, que provocou pelo menos 188 mortes e aprofundou ainda mais a crise no país. Na ocasião, o presidente francês prometeu ajuda, mas exigiu uma reforma política na nação engolida pela corrupção e por um sistema que privilegia a elite. Macron disse que não se trata de “uma solução francesa”, mas de uma “nova ordem política” para o país.
“Socorrer o Líbano ajuda a imagem de Macron no exterior”, diz Paul Smith. “Mas suas viagens ao país e esforços para recuperar a economia local derivam mais dos fortes laços entre as duas nações do que de qualquer tentativa de impressionar”.
Os laços da França com o Líbano são fortes e antigos. Com o fim do Império Otomano, depois da Primeira Guerra Mundial, o país recebeu um mandato da Liga das Nações, a antecessora da ONU, para a administração e construção do Líbano. A relação se manteve mesmo depois da independência do país do Oriente Médio, em 1943.
Ao mesmo tempo em que busca expandir sua influência internacional, Macron já pavimenta seu caminho para as eleições presidenciais de 2022, quando deve concorrer à reeleição. Seu primeiro grande investimento foi a remodelação de seu governo, em meados de julho.
Para se reposicionar no tabuleiro político francês, o presidente liderou uma reforma ministerial e trocou importantes peças de seu gabinete por políticos de carreira mais conservadores. A mudança mais importante foi a substituição do primeiro-ministro, Edouard Phllippe, eleito prefeito da cidade de Le Havre, por Jean Castex, membro da direita conhecido por seu bom relacionamento com os sindicatos trabalhistas.
Com escolhas mais conservadoras, Macron se assumiu oficialmente como candidato da centro-direita nas próximas eleições. Assustado com o fraco desempenho de seu partido centrista e liberal La République En Marche (LREM) nas eleições municipais de 2020, o presidente decidiu caçar um novo eleitorado.
Enquanto sua imagem ganha destaque na Europa e outras partes do mundo, o chefe de Estado sofre para conservar o apoio em casa. Segundo as pesquisas mais recentes, o presidente tem atualmente apenas 34% de aprovação popular. As principais queixas da população são em relação ao seu comando da resposta à pandemia de coronavírus e à sua proposta de reforma da Previdência.
O projeto foi um dos principais combustíveis para a eclosão dos enormes protestos no ano passado, apelidados de Revolta dos Coletes Amarelos. A reforma foi paralisada em março e só será retomada após o fim da pandemia, mas ainda repercute negativamente para o Palácio do Eliseu.
“Mesmo impopular neste momento, Macron tem muito espaço para promover sua agenda, porque, como a França é regida em um sistema presidencialista, ele foi eleito para o seu cargo”, afirma Guntram Wolff, diretor do think tank Bruegel. “É diferente do que ocorre em sistemas parlamentaristas, como na Alemanha”.
O primeiro desafio de Castex será liderar a tramitação do projeto no Parlamento. Aprová-lo, porém, não será uma tarefa fácil. O novo time de Macron também tem por objetivo correr atrás do prestígio perdido, em um quadro desolador pós pandemia. O governo prevê que a taxa de desemprego supere os 10% da força de trabalho (contra 8,1% em 2019) e que a economia contraia em 11% até o fim do ano. É à pior recessão do país desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
“Macron percebeu que perdeu o apoio da centro-esquerda que tinha quando se elegeu, por isso está tentando conquistar um novo público, mais conservador, já pensando nas eleições”, diz Paul Smith. “Castex foi uma escolhada bem pensada também, pois pode negociar a aprovação das reformas que o governo tanto quer com os sindicalistas”.