Forma-se frente contra guerra de Bolsonaro a vacinas
Foto: Eric Gaillard/Reuters
Às vésperas das eleições municipais, os movimentos erráticos de Jair Bolsonaro têm sido classificados por partidos e personalidades do centro como mais um sinal de que, passadas as disputas de novembro, será necessário construir, mesmo com dois anos de antecedência, uma frente política com musculatura para enfrentar o presidente em 2022. O cancelamento do acordo para a compra de 46 milhões de doses de uma vacina contra o coronavírus, na semana passada, foi visto como mais um sinal de que é preciso uma estratégia unificada de ação.
Enquanto Bolsonaro está em campanha pelo segundo mandato, porém, os protagonistas do chamado “centro democrático” ainda batem cabeça. Interesses partidários de curto prazo são até agora obstáculos às articulações. Em busca de adesões, há inclusive tentativas de negociar uma frente eclética. As conversas incluem PSDB, DEM, MDB, PSD, Podemos, Cidadania, PCdoB, PV, Rede Sustentabilidade, PDT e PSB. Os quatro últimos já formam um vetor de oposição no Congresso que até pouco tempo atrás cobrava o impeachment de Bolsonaro.
Nada, porém, foi adiante. “O fortalecimento da democracia para permitir uma composição futura mais ampla de campos democráticos vai exigir capacidade de diálogo, de discernimento e humildade. Temos de administrar o contraditório, com menos radicalismo e mais entendimento”, disse ao Estadão o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
O tucano se tornou o principal adversário político de Bolsonaro. Na última quarta-feira, 21, um dia depois do anúncio de que o governo federal compraria a vacina produzida pela farmacêutica chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan, em São Paulo, Bolsonaro desautorizou o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
Sob pressão de seus seguidores nas redes sociais, o presidente disse que “a vacina chinesa do Doria” não seria comprada. “Deixe a eleição de 2022 para outro momento, presidente”, provocou o governador. “Não vamos misturar ciência com política, saúde com ideologia”.
Até o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, admitiu que a última palavra sobre o assunto deverá ser dada pela Corte, em julgamentos previstos para os próximos meses. O Estadão apurou que a maioria dos magistrados do Supremo avalia ser possível tornar a vacinação obrigatória. “Não pode um juiz decidir se você vai ou não tomar vacina. Isso não existe”, afirmou Bolsonaro, nesta segunda-feira, 26, em conversa com apoiadores, no Palácio da Alvorada.
Apesar das idas e vindas do presidente e do estilo conflituoso adotado por ele na relação com outros Poderes, uma pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT) com o Instituto MDA – divulgada nesta segunda-feira – mostrou que a atuação do governo na pandemia de covid-19 é aprovada por 57% da população. Na prática, a concessão do auxílio emergencial, que era de R$ 600 e passou para R$ 300, alavancou a popularidade de Bolsonaro. O auxílio termina em dezembro e, na tentativa de garantir a continuidade dos repasses, o presidente busca uma forma de tirar do papel o programa Renda Cidadã.
Com um perfil que se aproxima cada vez mais do “pobre conservador”, o apresentador de TV Luciano Huck se articula no espaço político que vem sendo batizado como “novo centro”. Sem filiação partidária, Huck defende uma plataforma econômica que agrada de liberais a setores da centro-esquerda. No mês passado, ao ser questionado se tinha coragem de concorrer à Presidência, ele respondeu de imediato: “Estou aqui”.
A frase, dita em evento promovido pelo Conselho Político e Social da Associação Comercial de São Paulo, foi vista como primeiro passo para a candidatura. Entusiasta de movimentos como o RenovaBR e o Agora!, Huck tem sido cortejado por vários partidos, principalmente pelo Cidadania.
Para o ex-ministro da Cultura Roberto Freire, presidente do Cidadania, o “antibolsonarismo” deve ser mais forte na próxima disputa ao Planalto do que na eleição passada. “Um candidato de oposição que consiga ter amplitude pode atrair setores da esquerda para os quais a ideia de derrotar Bolsonaro é maior do que estar vinculado à esquerda pura ou radical”, afirmou Freire. Na sua avaliação, mesmo com divergências muitos partidos devem se aglutinar contra Bolsonaro, o que levará a menos candidatos do que os 13 nomes apresentados em 2018.
Nenhuma das conversas para a formação dessa frente de centro inclui o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Ex-juiz da Lava Jato, Moro é apontado como possível candidato em 2022. Na visão de políticos que procuram pôr de pé o plano de ação contra o presidente, porém, o ex-ministro não é confiável, quer “criminalizar” a política e faz um voo solo. Moro deixou o governo em abril, acusando Bolsonaro de interferir na Polícia Federal. No cenário de hoje, apenas integrantes do Podemos defendem abertamente o lançamento da candidatura dele ao Planalto.
Na oposição, o PT corre o risco de se isolar. Liderado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o maior partido do País perdeu a liderança no Congresso após o impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em 2016, e a situação se agravou com a prisão de Lula, dois anos depois. Desde então, a sigla não consegue se firmar como contraponto ao governo.
“O PT não tem condição de liderar aliança ampla. Não sai da bolha”, avaliou o presidente do PSB, Carlos Siqueira. “Isso é a cara do PT, do exclusivismo deles e da falta de compreensão do momento político e da ameaça à democracia. Entre o Brasil e o PT, o PT escolhe sempre a si mesmo e vai continuar assim”, disse Siqueira, numa referência à recusa de Lula de integrar uma frente com outros partidos, meses atrás. Para ele, as “forças progressistas” não obtêm unidade por causa da interferência de Lula.
O ex-presidente determinou que o PT tivesse o máximo de concorrentes nas eleições municipais de novembro – em 2016 foram 971, mas agora são 1.234 – e indicou que o partido deve apresentar novamente candidato próprio em 2022. Se a eleição fosse hoje, Lula não poderia concorrer, pois está com os direitos políticos suspensos. De qualquer forma, ele sempre foi contrário à participação do PT em uma frente contra Bolsonaro. O partido ainda não definiu quem será o desafiante do presidente em 2022, mas a segunda aposta, depois de Lula, é novamente o ex-prefeito Fernando Haddad.
Nas alianças para as disputas municipais, Doria e o ex-ministro da Integração Ciro Gomes (PDT), outro pré-candidato à cadeira de Bolsonaro, tentaram amarrar apoios para embates futuros. Não sem motivo: prefeitos eleitos neste ano são potenciais cabos eleitorais para a disputa presidencial. Em São Paulo, Bolsonaro avaliza a candidatura do deputado Celso Russomanno (Republicanos).
“Precisamos construir um projeto alternativo a essa quadra de desmantelo, entreguismo, destruição das nossas riquezas. Tudo isso exige que os homens públicos deixem um pouco as suas diferenças de lado”, afirmou Ciro, candidato derrotado na disputa de 2018 ao Planalto e nome já anunciado para 2022. Para o ex-ministro, o acerto é “semente de uma construção que não é fácil, mas absolutamente necessária para o Brasil”. Há dois anos, porém, ele se recusou a avalizar a candidatura de Haddad no segundo turno do confronto com Bolsonaro.
Em um acordo que envolve contrapartidas e alianças preferenciais no mercado futuro da política, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), candidato à reeleição, tem como aliados o MDB e o DEM. Nessa costura ficou alinhavado que o MDB terá apoio do DEM e dos tucanos para o deputado Baleia Rossi (SP) disputar a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) no comando da Câmara, em fevereiro de 2021. Rossi é presidente do MDB. O arranjo, até agora, também prevê que todos apoiem Doria como candidato ao Planalto, em 2022. Nesse cenário, o vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (DEM), receberia ajuda para concorrer ao Palácio dos Bandeirantes.
O PDT de Ciro, por sua vez, fechou apoio na capital paulista ao PSB de Márcio França, o ex-governador que chegou a acenar a Bolsonaro, por motivos também pragmáticos. O casamento é fruto de um acordo nacional do partido em oito capitais, ao custo de embates internos.
Um deles foi descartar o deputado trabalhista Túlio Gadelha na briga pela prefeitura do Recife. A direção do PDT ordenou a aliança com João Campos, do PSB, filho do ex-governador Eduardo Campos e bisneto do ex-governador Miguel Arraes.
“O horizonte político conflui para a construção de um projeto nacional de união das forças progressistas contra um projeto que representa, neste momento, o maior atraso já vivido pela democracia”, justificou o presidente do PDT, Carlos Lupi.
Em Salvador (BA), os rumos são outros. A chapa articulada pelo prefeito ACM Neto, presidente do DEM, é liderada por seu vice Bruno Reis (DEM) em dobradinha com Ana Paula Matos, do PDT. Com isso, Neto conseguiu atrair para o polo carlista uma legenda que sempre foi aliada histórica do PT. “É um recado para o Brasil”, resumiu o prefeito.