Para Boulos, seu desafio é ser reconhecido na periferia

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Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

O candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo e líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, afirma que prover moradia popular em São Paulo é prioridade, caso seja eleito. Em entrevista ao GLOBO, Boulos admite que tem o desafio de ser mais conhecido nas perferias — pesquisas mostram que o candidato tem mais aprovação na classe média — e que aumentar IPTU de ‘mansões’ é só proposta ‘simbólica’ e promete tarifa zero no transporte, mas não sabe quanto o benefício custaria.

Em 2018, o senhor teve 76.900 votos na cidade de São Paulo. Hoje, pesquisas o colocam na faixa dos 10%, o que daria quase um milhão de votos. O que mudou de uma campanha para a outra?
Uma eleição que elegeu Jair Bolsonaro não é parâmetro. A eleição de 2018 foi totalmente atípica. Uma eleição marcada pelo ódio, pelo medo. E evidentemente nossa candidatura ficou espremida e prejudicada por isso, além do voto útil na reta final. Agora, nossa candidatura se coloca em todas as pesquisas como a mais competitiva do campo da esquerda e aquela que tem melhores condições de evitar uma tragédia do Bolsodoria do segundo turno em São Paulo.

O senhor coloca o bolsonarismo e o Doria no mesmo patamar?
Na política, não tem balança. Temos que dizer qual é cada um desses projetos. O projeto do Bolsonaro é um projeto violento, de ódio, que ameaça a democracia no Brasil. O projeto do Doria governa de costas para a periferia, juntou elitismo com roubalheira. São Paulo é a maior cidade da América Latina e não merece ter uma prefeitura que seja puxadinho do Palácio do Planalto ou puxadinho do Palácio dos Bandeirantes.

Como seria a sua relação com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e com os movimentos de moradia em geral se eleito?
Como prefeito, vou dialogar amplamente com todos movimentos sociais de São Paulo, inclusive o movimento por moradia, o MTST, que é de onde eu venho, com muito orgulho.

Se houvesse a ocupação de um prédio da prefeitura na sua gestão, o que faria?
Ninguém ocupa porque quer. Ocupa por falta de alternativa, por falta de política pública. Vou tratar como uma das minhas prioridades o problema da moradia na cidade. Isso significa retomar os mutirões do governo da Luiza Erundina, fazer o estatuto da cidade ser cumprido em relação aos imóveis que estão abandonados, em situação ilegal, devendo imposto e reformá-los para que virem moradia digna.

O movimento que atuava no prédio do Largo Paissandu, que desabou, cobrava taxa dos moradores para manutenção e negligenciava essa manutenção. Como a prefeitura deveria agir em casos como esse?
A enorme maioria, mais de 90% dos movimentos sociais de luta por moradia, é séria. Vão ter o meu respeito como prefeito de São Paulo e um canal de diálogo totalmente aberto. Agora, se alguém se aproveita da luta das pessoas, eu não vou ser conivente com isso, como nunca fui.

O seu programa de governo fala em aumentar o IPTU das mansões, mas não deixa claro o que caracteriza uma mansão, quantas residências seriam atingidas por esse aumento. Do jeito que está colocado, não soa um tanto demagógica?
Isso é uma proposta simbólica. Quando fui candidato a presidente propus cobrar IPVA de iate, jatinho, helicóptero, que não é previsto em lei. Quanto arrecadaria? Arrecadaria R$ 1,5 bilhão, R$ 2 bilhões, que para o orçamento da União é muito pouco. Mas é pedagógico. Não vai ter uma função arrecadatória relevante. Não pretendo fazer aumento de imposto na cidade, ainda mais no meio de uma crise.

Uma outra proposta na questão tributária prevê aumento de ISS para instituições financeiras. Isso teria que passar pela Câmara. O PSOL tem dois vereadores. Como você pretende montar sua base parlamentar?
A Luiza Erundina governou quatro anos sem ter um dia de maioria na Câmara e fez a melhor gestão da história desta cidade.

Mas qual a fórmula?
Tem coisas que não precisam necessariamente de mudança legal, mas vou dialogar. Eu não sou o Bolsonaro. O que não topo fazer é balcão de negócios. Minha proposta é aumentar a participação popular. Vou fazer orçamento participativo, uma descentralização real de poder nas subprefeituras.

A eleição de São Paulo parece ter virado uma disputa sobre quem oferece o melhor programa de transferência de renda para população. No que a sua proposta nessa área se diferencia das demais?
Eu fiquei impressionado. O Celso Russomanno não tem programa de transferência no plano de governo dele. Ele votou contra a prorrogação do auxílio emergencial de R$ 600 como deputado federal e agora tem a cara de pau de falar que vai fazer um programa de auxílio de renda. O nosso programa foi elaborado muito antes. Sentei com economistas, com presidente do Tribunal de Contas do Município, com auditores, com procuradores do município para entender o orçamento da cidade. A partir disso, formulei um programa que para em pé. Vamos atender um milhão de famílias com uma renda variando de R$ 200 a R$ 400 a depender da situação de vulnerabilidade.

Durante a campanha de 2018, Bolsonaro dizia que se não tivesse corrupção haveria dinheiro. Ao dizer que vai implantar projetos com recursos oriundo do fim dos esquemas, seu discurso não fica muito parecido com o da direita?
Eu nunca disse, nesses termos, que acabar com a corrupção é suficiente para ter dinheiro para fazer tudo. Isso é demagogia bolsonarista. Eu coloquei o combate aos esquemas como uma das formas de inverter prioridades e garantir dinheiro para área social. Isso é real. Eu sei onde estão esses esquemas na prefeitura. Vou mexer nesse vespeiro.

Na campanha a presidente, você dizia que “prometer governar para todos é mentir para alguém”. Essa máxima continua valendo agora?
Certamente. Eu não vou governar para a máfia dos transportes. Não vou governar para a especulação imobiliária.

E como enfrentar a especulação imobiliária?
Existem experiências muito exitosas que estão acontecendo no mundo todo e vou olhar para elas. Berlim, por exemplo, colocou uma lei para limitar o valor dos aluguéis. Não foi Caracas ou Havana que colocou, foi Berlim. Paris estabeleceu uma lei de regulação do metro quadrado bastante avançada. São Paulo não pode ser quintal dos fundos imobiliários.

Essa ideia de tabelar o preço dos aluguéis está em discussão na sua campanha?
Não é tabela porque isso não depende apenas do município. Tem a lei do inquilinato que é federal. O que eu posso fazer enquanto prefeito é debater com a Câmara Municipal, no Plano Diretor da cidade, formas de regulação do uso e ocupação do solo, que podem passar por formas de controle da especulação imobiliária.

O seu projeto do passe livre para gestantes, desempregados e estudantes custaria quanto?
A gente não tem um cálculo completo do custo desse passe livre porque parte das informações para fazer essa conta não são públicas. Teria que estar na gestão para poder ter os números absolutos. Mas isso, para nós, é uma questão de princípio. Vamos fazer. Vamos tirar recurso do orçamento se for preciso.

E a tarifa zero?
Quero ampliar gratuidades logo de início e fazer redução da tarifa ano a ano até chegar na tarifa zero.

As pesquisas mostram que a sua candidatura vai bem na classe média e não tem entrada na periferia. Por que essa dificuldade se o discurso do senhor é colocar a periferia no centro?
Pelas pesquisas, eu não tenho nenhuma rejeição dos setores populares. O problema é a taxa de conhecimento. Ninguém pode votar em quem não conhece. O desafio que eu tenho na campanha é justamente ampliar esse conhecimento nas periferias das cidades.

Em um eventual segundo turno, contaria com Lula no seu palanque? Colocaria Lula pedindo voto para você no horário eleitoral?
Certamente. Com ele e com quem mais possa me apoiar para ganhar.

Mas ele estaria no horário eleitoral ao seu lado?
Isso depende dele.

E qual é sua vontade?
Certamente, o Lula é uma liderança extremamente importante da cidade, do país. Hoje, no primeiro turno, o partido dele tem um candidato que é o Jilmar Tatto, por quem tenho respeito.

Antes de ingressar no PSOL, o senhor foi convidado para entrar no PT e recusou. No que o projeto do PSOL se diferencia do PT?
É um projeto de uma esquerda que valoriza como centro o combate da desigualdade social. Hoje, depois que Bolsonaro virou presidente, não acho que o foco está nas diferenças entre os partidos de esquerda. O foco é derrotar esse atraso do bolsonarismo. Eu tenho essa ideia. Tanto que, sendo do PSOL, tenho uma excelente relação com o Lula, com muita gente de dentro do PT, do PCdoB, com muita gente de dentro de um conjunto de partidos progressistas.

O Globo