Presidente da Palmares está desmontando a instituição
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A Fundação Palmares, em Brasília, está indo para um depósito. Presidida por Sérgio Camargo, que já definiu o movimento negro como “escória maldita”, a fundação vai mudar nos próximos dias para um antigo prédio da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que hoje funciona como uma espécie de almoxarifado, tomado por infiltrações e avarias. A Palmares admite a necessidade de reforma, mas, com a crise, não há dinheiro previsto para essa finalidade.
Mesmo assim, a mudança vai ocorrer em meados deste mês, antes dos reparos, que não se sabe quando e se vão mesmo começar. A estratégia adotada deixa dúvidas sobre a capacidade da autarquia de proteger o acervo histórico e cultural que mantém e até mesmo de prestar serviços.
Às vésperas do Dia da Consciência Negra, que é celebrado em 20 de novembro, boa parte da mobília e dos demais objetos já está encaixotada. O presidente da Palmares já disse, em mais de uma ocasião, que não apoia a agenda de consciência negra. Para Camargo, a esquerda se apropriou da data com o objetivo de “propagar vitimismo e ressentimento racial”.
A ordem de transferir a Palmares para um prédio que ainda vai passar por obras provocou reações tanto por parte de servidores, que têm ressalvas à gestão de Camargo, quanto por funcionários envolvidos nos processos de contratações. Na atual sede há obras de arte, fotografias e documentos históricos como cartas de alforria de escravos.
Trabalhos de artistas como Rubem Valentim e Mestre Didi integram a coleção. Uma parte desse acervo precisa ser conservada em condições especiais, em salas climatizadas e com manutenção permanente. A Palmares não informou o tratamento que dispensará ao material após a mudança.
“Não se trata apenas de uma mudança de sede. Está imbuído um processo de desmonte da instituição, que foi conseguida a partir do esforço da comunidade negra e de todo o seu trabalho. E o prédio para onde estão querendo levar é inapropriado para garantir a segurança do acervo da instituição”, disse o ogan Luiz Alves, coordenador do Foafro/DF e administrador do Projeto Onibodê.
Atualmente, o anexo do antigo imóvel da EBC funciona como depósito da empresa e continuará com esse fim. É o prédio principal que será transformado na nova sede da Palmares e, segundo Camargo, receberá o nome de André Rebouças, um abolicionista classificado por ele como “monarquista”, “brilhante engenheiro” e “orgulho do Brasil”.
O edifício, porém, não é utilizado desde 2016, quando setores do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriram mão do espaço após pouco mais de um ano. As duas construções deverão ser reformadas pela fundação. Hoje, prédio e anexo têm infiltrações, escadas demandando reparos e teto com tubulações expostas.
A principal motivação para a troca de endereço, de acordo com Camargo, é financeira. Com a mudança, a Palmares deixará de pagar cerca de R$ 2,3 milhões de aluguel por ano, mais R$ 700 mil referentes a despesas com condomínio. A autarquia afirma que os R$ 3 milhões a menos representarão economia de 30% no orçamento e, com isso, o dinheiro poderá ser realocado para outras atividades.
Desde o início de junho, Camargo comenta nas redes sociais a mudança e destaca que, com a transferência, a Palmares deixará de dividir o prédio com a sede do PT. No final daquele mês, no entanto, a entidade ainda não sabia quanto gastaria com a reforma, nem quando ela poderia ser feita.
“As despesas com a adaptação e manutenção do imóvel estão sendo avaliadas e serão contratadas, oportunamente, mediante a realização de procedimentos licitatórios”, destacou a fundação, à época.
Em julho, porém, a Palmares estimou em R$ 140 mil o montante de “gastos com manutenção e conservação”. O valor seria diluído ao longo de dez anos (R$ 14 mil anuais). A autarquia não detalhou quais reformas estarão contempladas por essa quantia.
Procurada pelo Estadão na terça-feira, 29, a Palmares não informou quais serão as estratégias para acomodar o acervo histórico no prédio que ainda precisa de reparos, não disse quando as reformas serão iniciadas e tampouco deu previsão para o início da retomada das atividades na nova sede.
Ofensas de Sérgio Camargo a integrantes do movimento negro vieram a público no início de junho, quando o Estadão revelou conversas nas quais ele classificou o segmento de “escória maldita”, que abriga “vagabundos”, criticou o Dia da Consciência Negra e chamou uma mãe de santo de “macumbeira”.
Na mesma ocasião, Camargo criticou Zumbi dos Palmares, líder negro que dá nome à fundação. “Não tenho que admirar Zumbi dos Palmares, que para mim era um filho da puta que escravizava pretos. Não tenho que apoiar Dia da Consciência Negra. Aqui não vai ter, zero… Aqui vai ser zero para (Dia da) Consciência Negra”.
Mãe Baiana de Oyá, que foi chamada de “macumbeira” por Camargo, também manifestou preocupação com o destino do acervo da Palmares. “Temos um acervo muito grande que não podemos perder. O movimento negro está triste. A fundação não foi conseguida assim, do nada. É uma vergonha para o Brasil o que está acontecendo, uma pessoa que não tem responsabilidade nem com a sua própria cor dirigir uma instituição com esse peso”, disse Mãe Baiana.
Enquanto a Palmares não vai para o depósito, a atual sede mantém ritmo lento de atividades. No último dia 8, por exemplo, um princípio de incêndio destruiu armários em que estavam computadores. Os aparelhos precisaram ser desligados, deixando fora do ar e-mails e telefones institucionais temporariamente. O Corpo de Bombeiros do Distrito Federal precisou ser acionado para conter os estragos.