Surgem “apoiadores de Bolsonaro” no Nordeste
Fotos: Divulgação/TSE; Montagem: Estadão
Única região onde o presidente Jair Bolsonaro saiu derrotado no 2º turno das eleições de 2018, o Nordeste presencia uma multiplicação de candidaturas bolsonaristas no pleito de 2020. Utilizando fotos, jargões e mesmo citando o presidente em peças publicitárias, candidatos a prefeito na maioria das capitais tentam aproximar suas imagens à de Bolsonaro para conquistar parte do eleitorado.
Antes da campanha começar, o presidente declarou que não participaria ativamente do primeiro turno. Bolsonaro, no entanto, mudou de ideia e, como mostrou reportagem do Estadão, interferiu diretamente na formação da chapa de Celso Russomanno, fazendo a ponte entre o candidato do Republicanos e o PTB, que aceitou a vaga de vice em São Paulo.
Sem a declaração formal de apoio do presidente, os candidatos se anteciparam e fizeram o movimento inverso, dizendo-se apoiadores de Bolsonaro. Catorze candidatos em oito capitais nordestinas fazem campanha usando referências ao chefe do Executivo federal, como mostra levantamento feito pelo Estadão.
O levantamento levou em consideração publicações feitas nas redes sociais das campanhas e peças publicitárias exibidas durante o horário eleitoral gratuito. Também foram considerados os candidatos lançados pelo PRTB, partido do vice-presidente, Hamilton Mourão. Se fossem consideradas declarações públicas simpáticas ao presidente, como em debates e entrevistas, o número seria ainda maior.
“Exatamente pelo fato de Bolsonaro ter perdido as eleições no Nordeste, setores ligados a ele, ou que querem se ligar a ele, tentam criar uma alternativa que não existia até então. É uma iniciativa política que quer criar uma nova realidade e se apoia no prestígio do presidente para penetrar em uma área em que ele ainda está enfraquecido”, avalia o cientista político José Álvaro Moisés, professor da Universidade de São Paulo (USP).
Ainda de acordo com o professor, essa tendência identificada nos Estados nordestinos neste ano é um fenômeno que se repete na política brasileira. “Quando você tem um político, uma força política ou mesmo um movimento político que tem uma capacidade de implantação muito grande, por ter vencido eleições, ou que está em uma crescente de popularidade, quem está tentando chegar ao poder tenta ‘colar’ nessas figuras para crescer, principalmente candidatos novatos”, diz.
Enquanto alguns candidatos optaram por menções explícitas, publicando materiais de campanha ao lado do presidente e criando slogans no estilo “BolsoDoria” – como o candidato do Avante em Aracaju, Lucio Flavio, que publicou uma arte com os slogans “LucioNaro” e “BolsoFlávio” -, outros preferiram uma abordagem indireta.
Candidatos pelo PSL, ex-partido de Bolsonaro, em Natal e Recife, delegado Leocádio e Carlos 17 tentam captar o eleitorado bolsonarista recorrendo a associação com o número da sigla. A propaganda eleitoral de ambos menciona que “quem votou 17 para presidente em 2018 vai votar 17 para prefeito em 2020”.
Apesar da tentativa de associar seus nomes ao do presidente, a estratégia dos candidatos varia de acordo com o município em questão. Em Maceió, João Pessoa e Natal, por exemplo, Bolsonaro obteve maioria nas eleições de 2018. Nesses casos, como explica o cientista político, a luta dos candidatos é tentar herdar o legado eleitoral construído pelo presidente no pleito anterior.
Nas três capitais citadas, cinco candidatos “se declararam” bolsonaristas. Ampliando o recorte, se contabilizarmos declarações públicas em que outros candidatos manifestaram simpatia ou proximidade ao presidente, o número sobe para pelo menos oito.
O fenômeno não se restringe apenas às cidades em que Bolsonaro foi maioria. Em Recife, Salvador, Aracaju, Teresina e São Luís, nove candidatos fazem campanhas apoiadas, de algum modo, no presidente. Em nenhuma dessas cidades Bolsonaro conquistou mais de 48% dos votos em 2018.
Dois aspectos gerais são apontados por Moisés como possíveis fatores a justificar a escolha dos candidatos: o sucesso do auxílio emergencial de R$ 600 – que coincide com a crescente popularidade do presidente em pesquisas na região – e a própria pandemia da covid-19, que acabou por acirrar a disputa entre o governo federal e governos estaduais e municipais, fazendo com que grupos políticos tentem se aproveitar da situação de conflito.
De acordo com uma pesquisa Ibope, divulgada em setembro, a avaliação positiva do presidente cresceu de 21% para 33% em nove meses. Mesmo assim, o Nordeste continua sendo a região do País onde o governo é pior avaliado.
Apesar do apelo do presidente como figura política nacional, o caráter local das eleições municipais acaba por sofrer com a influência direta de lideranças estaduais e inseridas dentro do contexto de cada cidade. Segundo Moisés, não é possível analisar qual fator terá mais influência na disputa de 2020 sem um aprofundamento no cenário de cada município.
Um exemplo claro da influência regional nos candidatos, contudo, pode ser visto em São Luís. A cidade tem um único candidato bolsonarista declarado, Sílvio Antônio (PRTB), enquanto pelo menos quatro candidatos apoiam suas campanhas na figura do governador do Estado, Flávio Dino (PCdoB), que conta com boa avaliação entre os maranhenses.
Nas propagandas exibidas no horário eleitoral obrigatório de 9 de outubro, os candidatos Bira do Pindaré (PSB), Duarte Júnior (Republicanos), Neto Evangelista (DEM) e Rubens Júnior (PCdoB) citaram suas relações com Dino.
Mesmo em cidades com a forte presença de líderes locais exercendo influência no eleitorado, um outro fator deve ser analisado, segundo Moisés. A polarização provocada pelo anti-bolsonarismo.
De acordo com o cientista político, candidatos bolsonaristas, principalmente os mais desconhecidos, costumam se sair melhor quando o cenário está polarizado. “Em certo sentido, temos constatado que o bolsonarismo incentiva a polarização – onde ela ainda não ocorreu – e é mais consistente onde tem o polo oposto. A emergência da polarização ajuda a candidatura de nomes ligados ao bolsonarismo”, afirma.
Em diversas capitais nordestinas, candidaturas lançadas por partidos de esquerda, como PSOL, PSTU e PT vêm mencionando a resistência ao governo Bolsonaro como um argumento eleitoral, a fim de captar o eleitorado.
Fortaleza é a única capital nordestina sem uma candidatura abertamente bolsonarista até o momento. No caso da capital cearense, dois candidatos foram apontados por adversários como aliados do presidente: Heitor Freire (PSL) e Coronel Wagner (PROS). Nenhum deles, contudo, declarou-se como o candidato de Bolsonaro para o pleito até aqui.
Durante uma live no dia 8 de outubro, Bolsonaro chegou a afirmar que estaria apoiando um “capitão” nas eleições da capital cearense. No entanto, o candidato do PROS não repercutiu a declaração ou utilizou o presidente como cabo eleitoral até a publicação desta matéria.
O caso do deputado federal Heitor Freire é diferente. Presidente estadual do PSL, Freire se elegeu deputado em 2018 apontado como “o federal de Bolsonaro”, mas entrou em atrito com o presidente no ano passado. Em outubro, Bolsonaro culpou o parlamentar cearense pelo vazamento de áudios em que ele articulava a saída de Delegado Waldir (PSL-GO) da articulação do governo na Câmara. Freire negou ter vazado o áudio, mas a relação com os Bolsonaro ficou estremecida.
Apesar de não estar utilizando imagens do presidente em sua campanha, Heitor foi citado por Bolsonaro em um live, realizada no dia 8 de outubro. Nela, o presidente reclama que o deputado cearense aparece ao seu lado em um material de campanha do candidato a prefeito do PSL em Pacatuba, cidade do interior do Ceará.
“A gente lamenta, por exemplo, pessoas que estavam comigo, racharam, viraram inimigas, e agora indicam candidato a prefeito com a minha fotografia do lado”, disse o presidente. E completou: “É muita cara de pau desse deputado federal aqui, Heitor Freire, fazer um santinho para o seu candidato usando a minha fotografia no momento em que está rompido comigo.”