Candidatos paulistanos têm mais de 500 processos criminais
Foto: Agência Brasil
Candidatos que concorrem aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador em diversos municípios do estado de São Paulo são réus em 509 processos criminais na primeira instância do Tribunal de Justiça de SP. É o que aponta um levantamento feito pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) a pedido do G1.
A maioria dos processos é registrada pelos candidatos a vereador (401), seguidos pelos postulantes a prefeito (88) e vice-prefeito (20). São, no total, 422 candidatos com processos criminais.
Estes 422 candidatos ainda respondem ao processo e, portanto, ainda não foram condenados ou absolvidos – o que significa que não há qualquer impedimento na disputa. Não é possível saber se algum dos candidatos responde a um processo sigiloso. O estudo verificou a existência ou não de ocorrências para os 92.200 candidatos aptos a concorrer em SP.
Um levantamento mais abrangente, com consultas sobre todos os candidatos do Brasil, não foi possível porque cada tribunal tem um sistema, o que dificulta a extração dos dados. O secretário-geral da ABJ, Julio Trecenti, doutorando em estatística no IME-USP, diz que outro problema é a falta de padronização nas informações inseridas no sistema atual e em dados originários de sistemas antigos.
Para o levantamento, a associação criou um robô que coleta informações de processos criminais após consulta no site considerando o CPF dos candidatos (dado disponível no repositório de dados do TSE).
“Nos tribunais, pelo menos até o momento, os dados não são abertos, então não dá para baixar uma base de dados completa. É preciso criar um robozinho, um raspador de dados para conseguir fazer o download dos dados. Para cada tribunal, é preciso criar um robozinho e repetir a tarefa. O CNJ está trabalhando para melhorar isso, tem trabalhado para fazer uma padronização. No entanto, isso ainda não é uma realidade”, diz Trecenti.
Se uma pessoa precisasse consultar cada um dos mais de 92 mil CPFs no site do TJ-SP, sendo que cada pesquisa dura cerca de cinco segundos, o tempo total desse trabalho manual, de forma ininterrupta, ia chegar a 128 horas (mais do que cinco dias).
A lista de crimes dos candidatos de SP inclui tortura, homicídio qualificado, homicídio simples, violência doméstica, tráfico de drogas, entre outros. Os processos mais frequentes, porém, tratam do crime da Lei de Licitações, estelionato, crimes de trânsito, peculato, calúnia, crimes contra a ordem tributária e falsidade ideológica.
Essa informação também consta das certidões criminais, documento que todo candidato precisa entregar e que fica disponível na página de cada candidato no site DivulgaCand, atualizado pelo TSE. As certidões, porém, só são disponibilizadas de forma individual e ainda em formato PDF – o que prejudica a análise dos dados e a verificação de informações nacionais. Além disso, parte dos candidatos não entrega todos os documentos e fica com pendências na candidatura.
“Os dados dos processos devem ser fornecidos por meio de uma API. É uma ferramenta que permite que máquinas acessem outras máquinas – no caso, uma base de dados. O CNJ deveria fornecer uma API em que você colocaria o CPF do candidato e acessaria todos os processos. Esse é o ideal. Uma ferramenta como o DivulgaCand, por exemplo, poderia apenas se conectar via API e já disponibilizar as informações. Se for processo público, ainda que os processos não tenham sido decididos e estejam em andamento, a população tem que saber”, afirma Trecenti.
Para o secretário-geral da ABJ, o ideal é que o Judiciário também tivesse um portal como o dados.gov.br, que reúne bases de dados da administração pública. Apesar disso, ele aponta avanços nos últimos anos, como a criação do evento CNJ Inova, com atividades para analisar e melhorar dados dos tribunais, e da resolução 331 do CNJ, que trata do DataJud, base de dados do Sistema de Estatística do Poder Judiciário.
Em nota, o TSE afirma que a resolução 23.609 de 2019 determina que as certidões criminais sejam apresentadas obrigatoriamente no ato de registro de pedido de candidatura. Os documentos devem ser fornecidos, considerando o domicílio eleitoral do candidato, pela Justiça Federal de 1º e 2º graus, pela Justiça Estadual de 1º e 2º graus e pelos tribunais competentes, quando os candidatos tiverem foro por prerrogativa de função.
Caso a certidão seja positiva, o candidato ainda deve apresentar as respectivas certidões de objeto e pé atualizadas (que informam as partes, o objeto e a situação atual do processo) de cada um dos processos indicados, bem como das certidões de execuções criminais, quando for o caso. Além de ficarem disponíveis no DivulgaCand, o TSE diz que as certidões criminais também “são enviadas aos cartórios eleitorais onde são analisadas pelo juízes eleitorais que julgam cada pedido de candidatura”.
O G1 localizou os candidatos com mais processos para cada cargo. O candidato a prefeito Fabrício Marcolino (Podemos), que disputa a Prefeitura de Nhandeara, registra quatro processos criminais na primeira instância do TJ-SP. Três processos tratam de crimes da Lei de Licitações e outro, de crimes de responsabilidade. O candidato não quis se manifestar.
Já o candidato a vice-prefeito de Sertãozinho Toninho Tonielo (PP) também tem quatro processos criminais. Três processos se referem a crimes contra a ordem tributária e um trata de crimes contra as relações de consumo.
A assessoria de Tonielo diz que “os processos em questão ocorrem apenas no âmbito investigatório, pois estão em andamento e ainda não foram julgados” e que “logo, não existindo ação condenatória, também não há impedimento com relação à candidatura do Sr. Antonio Eduardo Tonielo ao pleito eleitoral deste ano”.
Por fim, o vereador Daniel Palmeira (Solidariedade), que busca a reeleição em Catanduva, também registra o maior número de processos criminais entre os aspirantes para a Câmara Municipal. No total, são 15 processos relacionados a crimes da Lei de Licitações. Ele não respondeu aos telefonemas e aos e-mails do G1.
“O indivíduo que é réu em processo criminal pode se candidatar e pode assumir o cargo caso seja eleito. Ele não tem condenação definitiva. Ele ainda está respondendo ao processo. Ao fim do processo, ele pode ser absolvido ou considerado não culpado. Do ponto de vista da Justiça Eleitoral, não faz sentido impedir uma pessoa que ainda não tem uma culpa formada de disputar o processo eleitoral”, afirma o professor da FGV Direito Rio Michael Mohallem.
O G1 ouviu seis candidatos que são réus por homicídio qualificado, violência doméstica, tráfico de drogas e até tortura. Três candidatos dizem que agiram em legítima defesa. Um afirma que foi vítima de uma escuta telefônica “distorcida”. Outros dois réus afirmam que foram envolvidos no processo, mas não cometeram os crimes.
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