Novo partido de Bolsonaro cometeu crime antes de ser criado
Foto: UESLEI MARCELINO / REUTERS
A Polícia Federal investiga a ocorrência de crimes financeiros, como de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal, por parte da cúpula do Aliança pelo Brasil, partido que está sendo formado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
A investigação se dá dentro do inquérito dos atos antidemocráticos, que foi instaurado a pedido da Procuradoria-Geral da República e tem como relator o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes em razão das manifestações em favor de Bolsonaro ocorridas no primeiro semestre deste ano. A CNN teve acesso a novos depoimentos do inquérito, realizados após a quebra de sigilo bancário e telemático dos investigados.
Em um deles (veja a íntegra abaixo), o de Luis Felipe de Belmonte, vice-presidente do Aliança pelo Brasil, realizado no dia 20 de outubro, a PF questiona quem paga as despesas de comunicação do partido em formação e menciona transferências financeiras feitas por Belmonte à empresa Inclutech, de Sergio Lima, publicitário do partido.
“Indagado sobre quem paga as despesas pelos serviços de comunicação prestados ao Partido Aliança pelo Brasil, respondeu QUE o serviço de comunicação é prestado de forma voluntária pelo SERGIO LIMA, não tendo relação com o declarante; Indagado sobre o motivo de ter realizados transferências no montante de R$ 480.000,00 por meio do escritório LUIS FELIPE BELMONTE & ADVOGADOS ASSOCIADOS para a empresa HH COMESTICO E PERFUMES (atual INCLUTECH TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO), respondeu QUE o valor se refere a contratação de SERGIO LIMA, citada anteriormente, para criação de site e administração das redes sociais do declarante; Indagado sobre o motivo de ter transferido o montante de R$ 220.000,00 (em 3 transferências), por meio de sua conta bancária pessoal, para a empresa HH COMESTICO E PERFUMES (atual INCLUTECH TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO), respondeu QUE o valor se refere ao mesmo fato, qual seja, a contratação de SERGIO LIMA para criação de site e administração das redes sociais do declarante; QUE esclarece que não tinha conhecimento de que a empresa HH COMESTICO E PERFUMES se transformou em INCLUTECH TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO, tomando conhecimento nesse momento; Indagado sobre o motivo de ter transferido o montante de R$ 105.000 ,00 (em 3 transferências), por meio de sua conta bancária pessoal, para a empresa S8 SAMPA AGENCIA DE PROPAGANDA, respondeu QUE o valor se refere ao mesmo fato, qual seja, a contratação de SERGIO LIMA para criação de site e administração das redes sociais do declarante.”
A Inclutech fechou contratos com deputados federais ligados ao Aliança. Esses contratos, assim como os parlamentares, também são investigados no mesmo inquérito. Uma das linhas de investigação é que os parlamentares utilizaram cotas dos seus gabinetes –portanto, dinheiro público— para impulsionar suas redes e teriam recebido recursos por esse impulsionamento, movimento chamado de monetização.
A PF também questiona sobre outra transação financeira ocorrida entre Belmonte, Sérgio Lima, e o empresário Walter Scigliano. acerca de um contrato entre Belmonte e Lima no primeiro semestre de 2019 –antes, protanto, da criação do Aliança—- no valor de R$ 500 mil para para que Lima organizasse as redes sociais de Belmonte. Depois, os investigadores questionam sobre uma transferência de R$ 1,5 milhão de sua conta para a Lima. Belmonte diz que se tratou de um empréstimo para ajudar Lima em uma de suas agências de publicidade, a S8 SAMPA. O empréstimo não foi pago ainda.
Procurado, Belmonte disse que “essas operações foram feitas em maio de 2019, tratando de assuntos comerciais privados, sem nenhuma relação com Bolsonaro, movimentos ou com o Aliança. Nem conhecia Bolsonaro pessoalmente e nem se cogitava, naquele tempo, criação de Partido ou movimento de apoio ao Presidente”.
“Indagado se foi convidado por SERGIO FERREIRA DE LIMA JUNIOR para integrar o quadro societário da empresa S8 SAMPA, respondeu QUE sim; QUE SERGIO LIMA, no inicio de 2019, precisava de recursos para instalar a empresa S8 SAMPA no Distrito Federal; QUE SÉRGIO fez uma proposta para que o declarante firmasse um contrato de mútuo para viabilizar a instalação da empresa; QUE o referido contrato estabeleceu a possibilidade de conversão do empréstimo em participação na empresa; QUE o contrato foi formalizado; QUE o declarante não exerceu qualquer participação na gestão da empresa e optou por não exercer a cláusula de conversão para integrar o quadro societário da S8 SAMPA; QUE o mutuo foi no valor de R$ 1.500.000,00; QUE não se recorda a forma de transferência dos valores; QUE acredita que os valores foram transferidos para contas bancárias das empresas de SÉRGIO LIMA; QUE os valores ainda não foram devolvidos”. Segundo o depoimento, a S8 Sampa foi posteriormente adquirida pela Nova SB, que detém contratos com o governo federal por meio do BNDES e da Apex. O montante de R$ 1,5 milhão foi pago em duas vias. Uma, de R$ 1,050 milhão. para Lima, e o restante, R$ 450 mil, para o sócio de Lima, Walter Scigliano.
Depois, o delegado da Polícia Federal que conduziu o interrogatório de Belmonte pergunta sobre um áudio obtido a partir de uma quebra de sigilo telemático de seu celular. Trata-se de uma conversa entre ele e sua esposa, a deputada federal Paula Belmonte, em agosto de 2019. Nela, Belmonte sugeriu a criação de uma empresa de eventos para justificar os gastos de R$ 2 milhões que estariam sendo investigados pela Polícia Civil e pelo Coaf por suspeita de caixa 2.
“Indagado sobre uma conversa estabelecida com sua esposa, a Sra. PAULA MORENO BELMONTE, no dia 12 de agosto de 2019, por meio do aplicativo de mensagem WhatsApp, em que o declarante cita a criação de uma empresa de eventos para justificar os gastos com Ivan, em um montante de R$ 2.000.000,00, que estariam sendo investigados pela Polícia civil e pelo COAF por suspeita de Caixa 2 e por isso a pessoa de GUILHERME sugeriu começar a fazer eventos para justificar o investimento, respondeu QUE inicialmente entende que a medida cautelar de busca e apreensão realizada em sua residência é ilegal, portando nula, sendo objeto de agravo perante o Supremo Tribunal FEDERAL; QUE não praticou qualquer ato de lavagem de dinheiro; QUE nunca foi investigado pelo COAF ou pela Polícia Civil do DF; QUE em razão de uma discussão que o declarante e sua esposa tiveram o Governador IBANES ROCHA, tomou conhecimento que o Governador iria perseguir o declarante com investigações por meio da Polícia Civil; QUE tinha o objetivo de comprar a empresa de eventos de propriedade de IVAN, que era arrendatária de uma espaço no clube do Congresso; QUE tinha o objetivo de promover eventos artísticos, culturais e esportivo em Brasília.” Guilherme, segundo o próprio Belmonte, é “o administrador operacional de suas empresas”. Já Ivan era o proprietário de uma empresa que arrenda um espaço de eventos no Clube do Congresso, em Brasília.
A PF o questiona porque ele cita caixa 2 no áudio, ao que ele responde que “citou o termo “caixa 2” pelo fato de acreditar que como a empresa de eventos não estava tendo tanto atividade, poderia ser interpretada ou forjada como uma causa de eventual “caixa 2”; QUE nunca realizou “caixa 2”; QUE conversas em tom coloquial são normais em aplicativos de mensagens, principalmente quando se relaciona com sua esposa”.
Procurado, Belmonte afirma que “não foi criada empresa nenhuma (a não ser uma de eventos esportivos, com recursos próprios) e sim feito o arrendamento de espaço, para cerca de 4.000 pessoas, para realização de eventos. Na verdade foram feitos contratos e na sequência transferido pelo Ivan, a nós, os direitos de arrendamento do espaço. Os eventos foram realizados, em 2019, tanto artísticos como esportivo (vinda de jogos do Flamengo para Brasília, pelo campeonato brasileiro)”. Ele repete que “nunca houve investigação de COAF ou Polícia Civil, nunca houve Caixa 2 (os recursos usados foram suficientes, dentro dos limites legais, todos devidamente declarados, para todas as campanhas) e os eventos foram todos realizados em 2019, conforme comprovado por documentos e contratos entregues às autoridades”.
No depoimento de Sergio Lima, realizado no dia 29 de setembro, a PF pergunta sobre um áudio que ele enviou para Belmonte pedindo a ele que contatasse o senador Sergio Petecão para que esse ligasse ao prefeito de Limeira (SP) para resolver uma questão envolvendo um pedido de suborno.
“Indagado sobre o motivo de ter enviado um áudio em 12/07/2019 para LUIS FELIPE BELMONTE solicitando que contatasse o “Petecão” afim de ele, o “Petecão”, ligasse para o Prefeito de Limeira, respondeu QUE se recorda do referido áudio; Indagado sobre quem é “petecão”, respondeu QUE seria um Senador da República; QUE a pessoa que pediu sua ajuda disse que o Senador PETEÇÃO poderia ajudar; QUE a pessoa que solicitou sua ajuda foi EDISON GUILHERMON CORTEZ FILHO; Indagado sobre o motivo da ajuda, respondeu QUE segundo EDSON, o prefeito da cidade de LIMEIRA pediu suborno para liberar uma obra de propriedade de EDISON; QUE EDISON disse ao declarante que não queria cometeria a ilicitude de pagar suborno; QUE diante disse pediu ajuda a LUIS FELIPE para ajudar a resolver essa questão, ou seja, evitar que EDISON CORTES fosse obrigado a pagar uma vantagem indevida; QUE LUIS FELIPE conhecia o Senador “Petecão”; Indagado sobre o desfecho do fato, respondeu QUE LUIS FELIPE disse que não conseguiu ajudar a resolver o fato solicitado pelo declarante.”
Sobre o mesmo episódio, Belmonte disse o seguinte em seu depoimento: “Indagado sobre o motivo de ter recebido um áudio em 12/07/2019 de SERGIO FERREIRA DE LIMA JUNIOR solicitando que contatasse o “Petecão” afim de ele, o “Petecão”, ligasse para o Prefeito de Limeira, respondeu QUE se recorda do fato; QUE PETECÃO é um Senador; Indagado sobre o motivo da solicitação de ajuda, respondeu QUE era para resolver uma pendência relacionada a uma pessoa que seria do mesmo partido do Senador PETECÃO; QUE não se recorda especificamente do assunto; Indagado sobre o desfecho do fato, respondeu QUE não deu seguimento e também não foi mais demandado pelo Sr. SERGIO LIMA.”
Procurado, Sergio Lima enviou a seguinte nota: “Os valores citados no relatório não têm nenhuma ligação com a investigação dos fatos que são objeto do chamado “inquérito dos atos anti democráticos”. As transações citadas são operações legais e estão documentadas, tendo como finalidade a execução de serviços na área de publicidade”. Belmonte, o senador Sergio Petecão e o prefeito de Limeira não se manifestaram.
Já Belmonte afirmou que o assunto é “totalmente estranho ao objeto da investigação, relacionado a conversa de ordem puramente política”.
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