Prejuízo de Bolsonaro nas eleições começa a se materializar
Foto: Dida Sampaio/Estadão
Dificuldades enfrentadas por candidatos bolsonaristas em capitais e exemplos externos como a derrota do presidente republicano Donald Trump nos Estados Unidos sinalizam que os grandes centros urbanos podem se converter num obstáculo à reeleição do presidente Jair Bolsonaro, em 2022. A conjunção de fatores inclui ainda piora na avaliação do governo em capitais populosas, que reúnem os maiores eleitorados, e a expansão de representantes de pautas identitárias nas Câmaras Municipais das capitais para fazer frente à onda conservadora que Bolsonaro carreou há dois anos em todo o País.
Se confirmada, essa tendência de resistência ao conservadorismo de direita que Bolsonaro representa em zonas urbanas seria uma inversão do resultado de 2018. Na eleição nacional passada, ele obteve margem de vantagem ampla nas capitais, principalmente nas regiões Sudeste, Norte, Sul e Centro-Oeste, onde foi líder de votos em todas no primeiro turno. Além disso, venceu em cinco capitais nordestinas – Maceió (AL), João Pessoa (PB), Recife (PE), Natal (RN) e Aracaju (SE) – rompendo o favoritismo da esquerda e o domínio petista na região. Ao todo o presidente levou 23 capitais na primeira rodada, e 21 na segunda, contra Fernando Haddad (PT) – o petista recuperou Recife e Aracaju.
Nos Estados Unidos, as regiões metropolitanas, mais populosas, se converteram numa barreira à reeleição de Donald Trump. Um olhar para o mapa eleitoral norte-americano mostra uma clara divisão pró-Joe Biden, o democrata eleito presidente, puxado pelo votos dos centros urbanos. E foi justamente neles que se deu a virada contra Trump na apuração de dias.
A diferença é que lá, ao contrário daqui, o voto “territorial” praticamente não se altera ao longo dos anos. Seja quem forem os candidatos, é praticamente garantido que o interior sempre será terreno de vantagem dos republicanos, mais conservadores, enquanto as cidades costumam ser dos democratas, partido que abriga parcela cada vez mais empoderada da esquerda. Isso ocorre mesmo nos Estados “pêndulos”, aqueles sem predileção histórica dos eleitores por um dos partidos. O cenário é favorecido pelo bipartidarismo “de fato” da política nos EUA – embora haja outros partidos e candidatos, só Democratas e Republicanos têm estrutura para disputar a Casa Branca há cerca de 160 anos.
No Brasil, diferentemente, costuma haver uma variação das capitais de acordo com os candidatos e partidos. A principal divisão se dá entre Nordeste e as demais regiões. Se em 2018 Bolsonaro venceu Haddad em quatro dos cinco maiores colégios eleitorais entre as capitais – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza, exceção feita a Salvador -, quatro anos antes a ex-presidente Dilma Rousseff perderia para Aécio Neves em São Paulo e BH e venceria em Salvador, Rio e Fortaleza.
Atualmente, Bolsonaro enfrenta alguns dos piores índices de avaliação nos maiores colégios eleitorais do País. Nos cinco primeiros, o índice de eleitores que consideram o governo Bolsonaro ruim ou péssimo é sempre maior do que os que o avaliam como ótimo ou bom, segundo dados das últimas pesquisas do Ibope. Em quatro deles, 40% ou mais dos eleitores consideram a gestão ruim ou péssima: São Paulo (48%), Salvador (65%), Belo Horizonte (40%) e Fortaleza (49%). A única exceção é o Rio de Janeiro (37%). Por outro lado, a avaliação ótima ou boa é de 35% no Rio e em BH – o maior patamar. Nos demais, não chega nem a 30%: São Paulo (24%), Salvador (11%) e Fortaleza (27%).
As capitais expressaram um desejo de frear o avanço do conservadorismo cristão representado por Bolsonaro – assim como Trump nos EUA. Em 13 capitais, representantes da comunidade LGBT, feministas e do movimento negro, alguns com “mandatos coletivos”, ficaram entre os dez vereadores mais votados. Ao todo, 25 transexuais e travestis foram eleitos vereadores em todas as regiões do País. A maioria em partidos de esquerda, como PSOL.
Na atual disputa por prefeituras, Bolsonaro entrou na campanha por votos para seis candidatos a prefeito de capital. Dois avançaram ao segundo turno, e outros quatro nomes bolsonaristas foram derrotados já no primeiro, no Recife (Delegada Patrícia, Podemos), Manaus (Coronel Menezes, Patriota), Belo Horizonte (Bruno Engler, PRTB) e São Paulo (Celso Russomanno, Republicanos).
Das capitais ainda em disputa com aliados por quem Bolsonaro se engajou, há chances mais abertas de vitória apenas em Fortaleza, onde Capitão Wagner (PROS) passou em segundo lugar, mas com apenas 2,4 pontos porcentuais a menos que Sarto (PDT). No Rio, todas as projeções são de derrota para o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos). Ele avançou ao segundo turno com 15 pontos atrás do ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), favorito na disputa. A mais recente pesquisa Ibope coloca Paes com 53% das intenções de voto, contra 23% de Crivella.
Ele conseguiu eleger dois aliados em cidades médias: Gustavo Nunes (PSL) em Ipatinga (MG) e Mão Santa (DEM), em Parnaíba (PI). O interior, aliás, tem sido um bastião político do presidente, com propaganda política favorável a ele em painéis espalhado na entrada de municípios e estradas País adentro, às custas dos sindicatos rurais, como mostrou o Estadão.
Sem partido, Bolsonaro adotou uma estratégia de distanciamento durante a maior parte da campanha, o que contrasta com presidentes anteriores no cargo. Mas acabou cedendo a pressões diante do fato de que sua gestão viraria tema de debates e seria inevitavelmente avaliada. Além disso, seria um teste de sua capacidade de transferir votos a apadrinhados políticos e da imagem do governo. Dono do maior capital político-eleitoral do País, ele sofria com pedidos de ajuda de candidatos alinhados.
Embora discreto e com ajuda dos filhos, Bolsonaro gravou vídeos para campanhas e transformou o Palácio da Alvorada, residência oficial, em sede de uma “live eleitoral gratuita”, em que propagandeava a favor de seus escolhidos. Para observadores do mundo político, um erro. “Ele não tem partido, não precisava entrar na campanha”, disse Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, um dos partidos que mais cresceram e conhecido estrategista eleitoral.
Por outro lado, o PSD, o Progressistas, DEM e outros partidos de centro-direita com nomes na primeira linha do governo e na base congressual cresceram em número de prefeitos, vereadores e eleitorado governado. Ora dentro, ora fora do Centrão, essas legendas não têm ainda um plano definido para 2022 e estão no mercado de alianças. Mas o Palácio do Planalto comemorou, numa tentativa de minimizar as derrotas pessoais de Bolsonaro, que apoiou candidatos derrotados.
Bolsonaro pediu votos, individualmente, a candidatos desses três partidos, mas a maioria era de outras mais alinhadas à direita, como Republicanos, PSC, Patriota, PSL e PRTB. À exceção da última sigla, as demais também cresceram, num movimento de pulverização da direita. Dessas, só o Republicanos entrou no top 10 nacional do ranking de prefeitos, com 208 eleitos, mais do que os 179 do PT. A sigla, ligada à Igreja Universal do Reino de Deus, cresce a cada eleição desde sua fundação e abriga dois filhos de Bolsonaro – o vereador Carlos Bolsonaro, reeleito no Rio, e o senador Flávio Bolsonaro (RJ).
Os três maiores partidos do País, MDB, PT e PSDB, perderam prefeitos e vereadores.
Embora caciques partidários ponderem que o resultado de eleições municipais traduz mais a realidade local dos municípios, desejos e cobranças cotidianas das populações, as disputas podem indicar as ideias em debate, virtudes e entraves na organização de forças eleitorais – como a dificuldade de união na esquerda.
Além disso, nas cidades com segundo turno – médias e grandes, com mais de 200 mil eleitores – o debate se nacionaliza quando só há dois candidatos na disputa. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indica que haverá segundo turno em 57 localidades, sendo 18 capitais e 39 cidades.
“O segundo turno sempre é mais politizado e os temas nacionais comparecem com mais força. É muito difícil não ter candidatos associados ao presidente e outros menos associados. Poderemos vir a ter, a partir daí, uma mudança importante, o início do descolamento do presidente dessas populações urbanas nas capitais”, analisa o cientista político e sociólogo Antônio Lavareda. “Qualquer modificação do desenho de preferências em direção a 2022 tem que se expressar em primeiro lugar nas capitais, que são os centros irradiadores da opinião pública do País.”
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