Mega assaltos estão se espalhando pelo país

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Foto: Reuters

O assalto a uma agência bancária em Cricíuma, município de Santa Catarina sitiado por uma quadrilha na madrugada desta terça (1), rendeu uma série de menções ao conceito de “novo cangaço” na internet. A expressão remete à onda de violência no sertão nordestino entre os séculos XVIII e XX e passou a ser associada às ações de bandos itinerantes que roubam instituições financeiras e atacam quartéis policiais de cidades pequenas e médias.

Nesta quarta (2), a cidade de Cametá (PA), cidade localizada a 235 km de Belém do Pará, foi alvo de ação semelhante, com tiros pelas ruas promovido por um bando que, segundo a Secretaria de Segurança no Pará, atacou uma agência bancária.

O termo “novo cangaço” surgiu no final da década de 1990 e se consolidou no anos 2000 com os ataques promovidos por grupos criminosos que invadiam municípios no Nordeste para assaltar bancos e carro-fortes, muitas vezes tomando conta do local. O modus operandi foi logo associado ao dos cangaceiros que aterrorizavam a região com saques e brutalidades.

Para a socióloga Jânia Aquino, pesquisadora do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC), o paralelo faz sentido até certo ponto, já que está atrelado a ações truculentas e ao enfrentamento de grupos armados em uma localidade alvo. Por outro lado, o termo não abarca o nível de sofisticação dessas novas quadrilhas.

“A expressão ‘novo cangaço’ remete a uma dimensão de atraso, de um tipo de crime anacrônico, mas, quando a gente vai observar essas quadrilhas e o modus operandis, a gente vê um planejamento minucioso, investimento em armas pesadas e veículos potentes, além de serem grupos interestaduais. Há características de crime urbano. Embora o termo tenha sido cunhado para essa postura de afronta, como se fosse uma violência impulsiva, ela é altamente instrumental”, afirma Aquino.

Segundo ela, a denominação tem se estabilizado para se referir à modalidade criminosa que consiste em assaltos sobretudo a bancos de cidades menores, cujo efetivo policial é reduzido e a capacidade de armamento pode ser superada. Esse tipo de ação, em geral, dura algumas horas e emprega métodos que dificultam a identificação e prisão dos bandidos.

A mais recente Pesquisa Nacional de Ataques a Bancos, realizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro da CUT (Contraf-CUT), apontou que, em 2018, foram registrados 3.388 ataques a agências bancárias, correspondentes bancários, postos dos Correios e casas lotéricas. O número representou um aumento de 3% em relação ao ano anterior. Arrombamentos e explosões lideravam o ranking de modalidades mais frequentes.

“Elas envolvem planejamento minucioso, infraestrutura sofisticada e, na perspectiva técnica, uma mão de obra qualificada. Há uma divisão clara de tarefas e um direcionamento para que não sejam ações duradouras, de muitas horas. Ao usar pessoas como escudo humano, se ganha muito tempo e desencoraja a polícia a fazer perseguição. Sendo quadrilhas numerosas, que quase sempre cobre os rostos, fica muito difícil a identificação e a prisão”, explica a socióloga.

Enquanto o cangaço também era vinculado a uma perspectiva social do banditismo, com laços estabelecidos com comunidades mais pobres, isso desaparece na recente onda de ataques. Ações no Nordeste no final dos anos 1990 ainda contaram com uma dose de justiçamento e conflitos familiares, o que desapareceu nas ofensivas mais recentes vistas no interior de São Paulo e Minas Gerais, por exemplo, e agora em Criciúma.

“O novo cangaço que se observa hoje se diferencia por esse impacto psicológico nas pessoas que presenciam ou apenas escutam o barulho de armas pesadas e explosivos. O armamento tem um efeito visual e sonoro que abala os moradores”, afirma Aquino.

De acordo com o antropólogo e analista de segurança pública Paulo Storani, ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), o fato de essas quadrilhas serem grupos itinerantes que miram cidades que não estão preparadas para lidar contra esse tipo de ação dificulta tanto a prevenção como a capacidade de resposta.

“Como não têm vínculos com o local, dificilmente vão estabelecer uma relação com algum nativo, com um morador da cidade ou vão alugar um espaço. Há uma avaliação preliminar, que deve durar uns três dias, até desencadearem o fato. Depois de feito, eles fogem, o que torna mais difícil localizá-los, a não ser em um encontro fortuito, de uma patrulha que persegue, de alguém que identifica e presta informação à polícia”, disse.

A exemplo do que aconteceu em outros lugares, os criminosos costumam traçar uma rota que só é descoberta depois do fato consumado. Segundo Storani, isso propicia à quadrilha uma vantagem estratégica que inibe os sistemas de inteligência, principalmente por se tratar

“Esse tipo de crime acontece de forma pontual. Às vezes segue uma rota; às vezes, não. O crimininoso tem o privilégio estratégico de escolher onde, como e quando será. E vai se adaptar ao que encontrar em termos de resistência. Se você não tiver uma boa capacidade de resposta, ou seja, vir uma denúncia imediatamente, desencadear uma operação de cerco, por exemplo, juntamente com policiamento de outras cidades, é muito mais difícil de prender esses criminosos”, afirmou.

Após os ataques, explica, é comum trocarem placas de carros ou se livrarem deles e até se esconderem em cidades diferentes. Nesses caso, a maneira mais eficaz para localizá-los é que algum integrante movimente o dinheiro roubado.

Segundo o 9ª Batalhão da Polícia Militar (9º BPM), a ação da quadrilha começou por volta de 23h40 desta segunda. Munidos de armas de grande calibre, cerca de 40 criminosos efeturaram diveros disparsos em direção ao Batalhão e atearam fogo em um caminhão em frente ao local.

Cerca de 10 minutos depois, viaturas da Rádio Patrulha da PM cruzaram com um dos veículos usados pelos criminosos e houve troca de tiros. Um policial foi atingido e precisou passar por cirurgia. Ele segue internado na UTI do Hospital São José em quadro preocupante.

O bando se deslocou então para o centro de Criciúma, onde fechou ruas, abordou veículos e iniciou uma série de disparos. Pouco depois da meia-noite, os criminosos usaram explosivos para roubar uma agência do Banco do Brasil. Na ação, eles fizeram reféns, que tiveram de ficar sentados no meio da pista, e construíram barreiras para impedir o acesso da polícia.

Por volta de 2h da madrugada, a quadrilha escaparam em direção ao município vizinho de Nova Veneza. Durante a fuga, os bandidos deixaram parte do dinheiro para trás. Na manhã desta terça (1), quatro pessoas foram detidas por recolherem cédulas que somavam cerca de R$ 810 mil. Ainda não se sabe o valor total roubado pelos assaltantes.

A polícia também encontrou 10 carros de luxo abandonados em um milharal de Nova Veneza. Agentes do esquadrão de bombas de Santa Catarina localizaram quatro artefatos explosivos e os desativaram.

Em coletiva nesta terça, o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés, classificou a ação como “bem-sucedida” e disse que não havia qualquer informação prévia sobre o assalto. O prefeito de Criciúma chamou o ocorrido de “surreal”.

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