Retrospectiva da Netflix consegue fazer humor com 2020
Foto: Tasos Katopodis/Getty Images
Com um forte sotaque britânico, uma mulher comum, em quarentena no interior da Inglaterra, assiste uma nova série de TV, uma tal de América 2020. Ela diz que os primeiros episódios são cativantes, mas lá pelas tantas o programa perde a graça pois o enredo teria ficado inverossímil. A tal série, porém, não era ficção e, sim, um canal de notícias americano transmitindo os acontecimentos de 2020. De fato, o ano que se encerra foi tão inacreditável em áreas tão diferentes que num futuro distante, ou até num passado remoto, dificilmente alguém acreditaria em tudo que rolou nos últimos doze meses — há, aliás, quem esteja passando por tudo isso e ainda não acredita. Ah, os negacionistas!
Misturando cenas reais com falsos depoimentos de personagens fictícios, interpretado por astros como Hugh Grant, Samuel L. Jackson, Lisa Kudrow, entre outros, e com narração de Laurence Fishburne, a retrospectiva de 2020 feita pela Netflix, 2020 Nunca Mais (Death to 2020), consegue relembrar dos espetaculares fatos do ano de uma maneira leve e divertida. A atração foi escrita pelos criadores da distópica série Black Mirror, que assumem que o ano foi tão estranho que nem eles conseguiriam criar algo assim. “A história definitiva do ano mais histórico da história”, diz um trecho do filme, que tem apenas 1h10 de duração.
Estão ali personagens que nos acostumamos a ver nos noticiários: negacionistas (claro), cientistas, historiadores, políticos, jornalistas e os famosos “cidadãos de bem”. E, embora o filme recorde principalmente dos acontecimentos nos Estados Unidos, como a eleição presidencial e, claro, a pandemia, os brasileiros certamente irão se identificar com os personagens. O Brasil não é mencionado nenhuma vez, mas o presidente Jair Bolsonaro aparece em um flash de menos de 2 segundos quando falam sobre os líderes mundiais.
Em um ano duríssimo para a humanidade, talvez a melhor maneira de relembrar o que se passou seja mesmo com comédia. Num trecho, eles contam que as retrospectivas das emissoras de TV atrasaram porque o ano demorou para acabar. De fato, a famosa retrospectiva da Globo só vai ao ar nesta terça-feira, 29. As piadas, aliás, são afiadas. Eles chamam o Fórum Econômico Mundial de Davos de “Coachella de Ricos”; o general iraniano Qasem Soleimani, morto no início do ano pelos Estados Unidos, de “Beyoncé do Exército do Irã”; e que muita gente está preferindo o coronavírus em vez da polícia Minneapolis, onde George Floyd foi morto, porque, pelo menos, “o vírus não finge que existe para nos proteger”. Algumas omissões são bem-vindas. Como, por exemplo, a hidroxicloroquina. Em momento nenhum ela é citada, afinal, não pega bem fazer propaganda de um medicamento que não funciona.
Em outra cena, uma personagem faz graça com o apego de Donald Trump ao cargo e a insistência em não admitir que perdeu as eleições presidenciais para Joe Biden. “A única parte boa de Trump não admitir a derrota é que podemos vê-lo perder inúmeras vezes. Todas aquelas ações indeferidas? Foi como ver um homem cair de um arranha-céu e tentar processar a calçada antes de chegar ao solo”, diz ela.
Se não for para rir (de nervoso, talvez), a mensagem que fica é a do personagem de Samuel L. Jackson, um cético jornalista que questiona os produtores quando lhe dizem que querem relembrar o ano de 2020: “Por que vocês querem fazer isso? Sério. Por quê?” Realmente, 2020 é e será um ano duro de ser lembrado, mas, quem sabe, mantê-lo na memória, mesmo que com uma pitada de humor, ajude a humanidade a não repetir os mesmos erros.
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