Fachin cita “mentes autoritárias” como ameaças

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Foto: Andre Dusek/Estadão

O relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, disse nesta segunda-feira, 18, ao Estadão que duas pragas afligem atualmente o Brasil: de um lado, a pandemia do novo coronavírus e suas mutações; de outro, as mentes autoritárias e “suas variações antidemocráticas”. Após a aposentadoria de Celso de Mello, em outubro do ano passado, Fachin se tornou o principal contraponto ao governo do presidente Jair Bolsonaro no STF e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde também atua.

Ao longo das últimas semanas, enquanto Bolsonaro ataca a credibilidade da Justiça Eleitoral e tenta responsabilizar o Supremo pela sua gestão desastrosa para conter a proliferação da covid-19, Fachin tem sido um dos poucos integrantes da Corte a vir a público, fazendo declarações contundentes em defesa do Judiciário, das urnas eletrônicas, dos direitos humanos e da democracia.

Nesta segunda-feira, 18, com a imagem desgastada pela demora em iniciar a vacinação contra covid-19, Bolsonaro recorreu a um discurso ideológico e disse que são as Forças Armadas que decidem se o povo vive em uma “democracia ou ditadura”.

“Quem decide se o povo vai viver em uma democracia ou ditadura são as suas Forças Armadas. Não tem ditadura onde as Forças Armadas não a apoiam”, afirmou ele a apoiadores no Palácio da Alvorada. “No Brasil, temos liberdade ainda. Se nós não reconhecermos o valor destes homens e mulheres que estão lá, tudo pode mudar. Imagine o (Fernando) Haddad no meu lugar. Como estariam as Forças Armadas com o Haddad em meu lugar?”, questionou Bolsonaro, em referência a possível eleição candidato do PT, seu adversário no segundo turno nas eleições de 2018.

Na avaliação de Fachin, quanto à tragédia da pandemia, com a aprovação da “bem-vinda vacina”, dela devem se ocupar cientistas, pesquisadores e profissionais da área da saúde que “estão dando exemplo de seriedade, dedicação e de respeito à ciência”.

“Informação e conhecimento científico são os remédios contra a alucinada e perversa desinformação estimulada e patrocinada por mentes autoritárias, não raro visível em autoridades de elevadas esferas, portadoras de mau exemplo de cuidados de si e dos outros pelo comportamento incompatível com as altas funções que exercem”, afirmou Fachin, em manifestação enviada por escrito à reportagem, sem citar nomes.

E acrescentou: “não se impute ao STF a inapetência de gestão comprometida com o interesse público e com o bem comum”.

Em meio à corrida pela vacinação dos brasileiros, Bolsonaro tem travado uma disputa política com o governador de São Paulo, João Doria, que iniciou no último domingo a imunização no Estado. Além de permitir que governadores e prefeitos tomem medidas de isolamento social para combater a pandemia, o STF também já deu aval para que os gestores estaduais e municipais imponham restrições a quem recusar a ser vacinado – e impediu que a União requisitasse agulhas e seringas já adquiridas pelo Palácio dos Bandeirantes.

Sobre a segunda enfermidade, a do autoritarismo, Fachin destacou que o remédio está prescrito desde 1988. “Cumpre principalmente ao Supremo Tribunal Federal, nos termos da lei, defender a Constituição. A guarda da Constituição é o dever que impulsiona o Tribunal a responder às demandas que lhe são endereçadas. Não se trata de atuação maximizada”, disse.

“Nesse sentido faz a defesa da Constituição e de seus princípios fundamentais, sendo sua obrigação julgar alegações de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, infrações penais comuns do Presidente da República, infrações penais comuns e crimes de responsabilidade de Ministros de Estado, as causas e os conflitos entre a União e os Estados, e ainda reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões, dentre outros afazeres. Não há crise entre os poderes nem conflito institucional no país. Esfarrapada é a tentativa de criar conflitos e vilipendiar a Constituição”, afirmou o ministro.

As declarações de Fachin foram enviadas ao Estadão após levantamento do jornal apontar que partidos de oposição, alguns com pouca representatividade no Congresso, têm conseguido impor os maiores reveses sofridos pelo Palácio do Planalto no Supremo. Levantamento feito pelo Estadão nas principais ações que contestam decretos, medidas, nomeações e outros atos do governo federal aponta que, nos últimos dois anos, Jair Bolsonaro sofreu 33 derrotas no STF, a maioria delas na análise de casos movidos por adversários políticos.

Uma delas foi imposta pelo Supremo no mês passado, por decisão do próprio Fachin, que suspendeu resolução do governo Bolsonaro que previa imposto zero sobre revólveres e pistolas importados a partir deste ano. Até o dia 5 de fevereiro, a Corte vai decidir no plenário virtual se mantém ou não a decisão do ministro, que atendeu a pedido do PSB.

Ao contrariar Bolsonaro naquela decisão, Fachin frisou que não há um “direito irrestrito ao acesso às armas”, e que cabe ao Estado garantir a segurança da população, e não o cidadão individual. “Incumbe ao Estado diminuir a necessidade de se ter armas de fogo por meio de políticas de segurança pública que sejam promovidas por policiais comprometidos e treinados para proteger a vida e o Estado de Direito”, afirmou o ministro no mês passado, rebatendo uma das principais bandeiras políticas de Bolsonaro.

Agora, na mensagem enviada ao Estadão, Fachin frisou que o dever da Suprema Corte é “defender a Constituição, inclusive direitos, deveres e garantias da ordem tributária”.

“A Constituição brasileira vigente, lei para todos, é a antítese do estado autoritário e de exceção que impôs censura, promoveu tortura e semeou ainda mais a corrupção nas instituições públicas e privadas”, afirmou Fachin. “Democracia acima de tudo, Constituição acima de todos”, finalizou o ministro, em alusão ao slogan de campanha de Bolsonaro em 2018 (“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”).

Estadão 

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