Novela bíblica da recorde dá bronca em “mulher que não se comporta”

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Edu Moraes/Rede Record

Primeiro livro da Bíblia, Gênesis é abundante em histórias e personagens que se propõem a narrar o início do mundo e da humanidade. Estão ali nomes e acontecimentos deveras populares, como Adão e Eva, os irmãos Caim e Abel, Noé e sua arca, e os patriarcas Abraão, Isaque e Jacó. Há quem leia o livro ao pé da letra, crendo que Deus levou exatos seis dias para criar o mundo — e tirou um cochilo no sétimo. Mas outras leituras se popularizaram recentemente entre cristãos, como uma visão poética, analisando as histórias por uma ótica mitológica, ou até um recente flerte com a ciência, adicionando nas entrelinhas o Big Bang, os dinossauros – e até vertendo os famosos sete dias da criação em alguns milhões de anos.

Dito isso, Gênesis, nova novela da Record, foi ao ar nesta terça-feira, 19, com o desafio de traduzir todo este imbróglio divino em cenas televisivas. É a primeira novela da TV brasileira a ser filmada e estrear na pandemia – por extensão, é também a única novela com conteúdo inédito disponível para os brasileiros na TV aberta neste momento. Para driblar a falta de aglomerações bíblicas, efeitos especiais serão abundantes nas três primeiras semanas da novela — com direito a anjos, cenários idílicos e até a uma serpente com aparência de lagarto de animação da Disney.

O roteiro bebe, com moderação, dessas novas leituras do criacionismo bíblico com certo pé na ciência. Já quando o assunto é o material humano, o enredo envergonha: diálogos e situações só reforçam o discurso de que Eva, ou seja, a mulher, é a fonte de todo mal sofrido por Adão, o homem. Sem dizer que, em pleno 2021, o casal que daria início a toda a humanidade é branco, de olhos claros, corpos esculpidos – e com aquele sotaque carioca, claro.

O folhetim começou divertido – que jogue a primeira pedra quem nunca se entreteve com uma novela bíblica da Record. Igor Rickli foi o encarregado de dar cara e asas a Lúcifer, o anjo que, ao tentar dar o golpe em Deus, acaba banido do céu juntamente com outros anjos que se transformam em demônios. Nesse momento, a Record fez da queda dos demônios uma chuva de meteoros, que levaria ao fim dos dinossauros. Apesar de parecer tosco, o reconhecimento de que os dinossauros existiram já é um passo e tanto pensando pela perspectiva de espectadores religiosos mais literais: afinal, o pensamento cristão fundamentalista roga que, se os dinos não estão na Bíblia, então eles não existiram. A criação do mundo, narrada por uma voz masculina de radialista, faz outro leve flerte com a ciência, quando uma forte luz — que pode ser entendida como o Big Bang — aparece ao fundo junto com a frase “haja luz”.

Se a emissora de Edir Macedo deu um jeito de atualizar a leitura bíblica com as descobertas científicas, o mesmo não pode ser dito do comportamento humano. Como dito, os branquérrimos Adão e Eva, vividos por Carlo Porto e Juliana Boller, reforçam a velha doutrinação religiosa, que coloca nas costas da mulher toda a culpa pelo sofrimento da humanidade. Afinal, Eva comeu do fruto proibido e levou o pobre Adão à condenação. O trecho, na Bíblia, é ínfimo perto do esforço que o roteiro faz para dar espaço de luxo ao machismo típico das novelas da Record. Adão briga com Eva, grita, a ameaça, quando ambos são expulsos do Paraíso. A coitada só chora e pede perdão.

Quando finalmente entendem que a mamata do Jardim do Éden acabou, eles levam poucos meses para construir casas, inventar a agricultura, aprimorar a caça e descobrir o fogo – o autor do livro Sapiens, Yuval Harari, choraria de desgosto ao acompanhar a sequência. Com uma barriga de quase nove meses, Eva ainda protagoniza o vergonhoso diálogo com Adão. “Sua barriga está grande”, diz ele. “Deve ser algo que eu comi”, responde ela. “A última vez que vi uma barriga assim foi quando a cabra estava prenha”, diz Adão. Os dois se olham, se emocionam, e Eva diz: “Será que eu estou grávida?”. É de doer nos ouvidos. Que bom que o núcleo vai durar pouco. Na sexta-feira, Noé entra em cena.

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