Por ser empresário, Pazuello não pode ser ministro
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Eduardo Pazuello oficializou sua participação em uma empresa no dia 15 de maio de 2020, véspera de ser anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro como ministro interino da pasta. Desde 22 de abril era secretário-executivo e número 2 de Nelson Teich. No dia 15 de maio, a junta comercial do Amazonas confirmou o processo de registro de entrada do militar com 25% da sociedade “J A Leite Navegação ltda”, de transporte marítimo e construção de embarcações. No dia 16 ele foi anunciado. A companhia, fruto de espólio do pai (falecido em 2018) do general, tem como demais sócios os próprios parentes.
Com sede em Manaus, a companhia onde consta o general Pazuello tem uma série de relações contratuais que envolvem entidades públicas.
A previsão do “Código de Conduta da Alta Administração Federal” é que agentes públicos do alto escalão, caso tenham ou venham a ter tal envolvimento, em qualquer nível de relacionamento com instituição privada, deverão fazer a comunicação do fato.
O mesmo código diz ser vedada “a participação acionária do agente público em empresa privada que mantenha qualquer tipo de relacionamento com órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de poder ou governo”.
E determina ainda que as informações sobre situação patrimonial, participações societárias, atividades econômicas ou profissionais devem ser comunicadas para a “comissão de ética pública”. A reportagem questionou ao general ministro da saúde se tal comunicação foi realizada diante da entrada na empresa quando já ocupava cargo executivo no governo, sem resposta.
No caso da empresa familiar do general Pazuello, existem vários pontos de possível conflito de interesse entre público e privado, passíveis de tráfico de influência em eventuais decisões.
A “J A Leite Navegação” é beneficiária de “contrato para instalação portuária”, que é uma licença de 25 anos da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), autarquia ligada ao ministério da infraestrutura, e que permite exploração de Estação de Transbordo de Cargas (ETC). A autorização possibilita instalação portuária fora da área do porto. O atualmente vigente entre a empresa de navegação e a Antaq foi assinado em 2016. O processo para tal autorização, estabelecido através do marco regulatório do setor portuário, é longo no Brasil, com poucas empresas beneficiadas.
O poder concedente de tal licença é a Secretaria de Portos da Presidência da República, que define a favor ou contra a concessão, renovação ou necessidade de nova emissão de licença, entre outras coisas, o que, de acordo com especialistas da área ouvidos pela reportagem que preferiram não se identificar, seria um claro conflito de interesses, como está no “Código de Conduta da Alta Administração Federal”.
Existem outras questões onde a presença de um ministro de estado também pode representar eventual conflito de interesse. A empresa de Pazuello por exemplo, tem um histórico de problemas em sua relação com a Receita Federal, com entradas e exclusões do Refis (Programa de Refinanciamento de Dívidas), criado para ajudar empresas que possuem dívidas tributárias com a União.
Em 2001, tiveram pedido no Refis indeferido por falta de garantias. Em 2006, foram excluídos e aceitos posteriormente novamente. Em 2009, excluídos de novo.
A empresa que tem hoje o ministro da saúde como sócio recebeu dinheiro público entre dezembro de 2014 e fevereiro de 2016: R$ 210.200,82 (duzentos e dez mil, duzentos reais e oitenta e dois centavos), pagos pelo ministério da infraestrutura na ocasião, originários de um “fundo da marinha mercante”, responsável por um “ressarcimento as empresas brasileiras de navegação”.
O ressarcimento do ministério da infraestrutura se dá em razão do artigo 17 da lei nº 9.432/97, que determina que não deve incidir o “adicional ao frete para renovação da marinha mercante” (AFRMM) sobre as mercadorias cuja origem ou cujo destino final seja qualquer porto localizado na região norte ou nordeste.
O título em si do quadro encontrável no Portal da Transparência que demonstra os pagamentos do estado para a J.A. Leite Navegação já explicita a existência de uma relação entre as partes: “Panorama da relação da empresa com o governo federal”.
A “J A Leite Navegação” também detém o controle da “Petropurus Representações e Comércio de Petróleo ltda”, da mesma forma situada em Manaus, e que tem como atividade principal o “comércio varejista de combustíveis para veículos automotores”. Em 2010, a Petropurus, foi intimada pelo Ministério Público Estadual da Amazônia para apuração de “atividade potencialmente poluidora sem inscrição no cadastro técnico federal”.
Nesse ramo de negócio, tendo objetos de atividades econômicas afins, acontece uma confluência na área de atuação entre a empresa dos Pazuello e a família do assessor especial do general no ministério, Aírton Antônio Soligo, o Cascavel, braço direito do ministro e personagem das duas primeiras reportagens da série “A teia do general” (1ª reportagem e 2ª).
Matheus Soligo, filho de Cascavel, aparece nas redes sociais como diretor comercial do Estaleiro Rio Amazonas (ERAM), e está citado em contratos da empresa como “procurador” da empresa e representante, além de ter se casado em 7 de abril de 2017 com Bruna Thays, sócia do estaleiro e filha de Adalberto Fernandes de Azevedo, majoritário. A reportagem enviou questões para o general e para Cascavel. Para saber sobre existir alguma relação comercial entre o negócio dos Pazuello com aquele onde o filho do assessor aparece, mas não obteve respostas.
Não é o primeiro empreendimento do general Pazuello que passa por relação estreita com a coisa pública. Em 20 de maio, a Agência Sportlight de Jornalismo publicou reportagem mostrando que o atual ministro da saúde, então apenas nos quartéis, manteve um clube de paraquedismo usufruindo das instalações do Aeroporto de Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro, durante 13 anos entre 1997 e 2010. Sob a fachada de “não realizar atividade comercial” e enquadrado como “entidade aerodesportiva”. No entanto, a reportagem encontrou inúmeros registros de bons lucros ao longo dessa quase década e meia.
Sem licitação e pagamento praticamente simbólico, o militar celebrou o primeiro contrato de concessão de uso do local com a Infraero, empresa pública, (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária) em 1º de setembro de 1997. Sem qualquer obrigação de investimento. Na Receita Federal, a empresa aparece como aberta três meses antes da assinatura, em 26 de junho de 1997.
Além de desobrigar qualquer inversão de capital, o contrato continha os seguintes pontos: dispensa de licitação, duração de 12 meses e um valor mensal fixo muito abaixo do mercado, estabelecido então em R$300,00 (trezentos reais) de então, equivalentes a R$1.640,15 de hoje (mil seiscentos e quarenta reais e quinze centavos, corrigidos pelo IGP-M). O preço da venda de dois saltos duplos, como mostrou a reportagem.
A relação entre o “Clube Barra Jumping Paraquedismo” e a Infraero chamou a atenção do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF-RJ) que, em ação na justiça, afirmou que “houve flagrante direcionamento no único processo licitatório realizado entre as partes”.
Em junho de 2006, o processo foi julgado no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2, Rio de Janeiro). A tese da defesa de que não houve realização de atividade comercial prosperou e tanto o general Pazuello, demais réus e Infraero saíram vencedores.
Assim como nas duas primeiras reportagens da série “A teia do general”, foram enviadas questões aos citados através da assessoria de imprensa do ministério da saúde, que não enviou respostas.
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