Trump e Bolsonaro viverão felizes no… isolamento total
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Jair Bolsonaro comprou 210 milhões de bilhetes a bordo do navio Trump e está determinado a navegar com seus conterrâneos por onde quer que vá — mesmo que seja até o fundo do mar. Essa é a conclusão inevitável da semana passada, que viu o presidente do Brasil, sua família e seu ministro das Relações Exteriores redobrarem o apoio ao que eles vêem como uma aliança pró-cristã e antiglobalista, cujo projeto de poder não será diminuído apenas por causa de uma eleição “roubada” (palavras deles). As implicações para a Amazônia, o lugar do Brasil no mundo e sua relação com Joe Biden ainda estão entrando em foco — mas são enormes.
Bolsonaro orgulhosamente chamou Trump de seu “ídolo”, e o relacionamento deles é genuíno e profundamente enraizado — embora um tanto unilateral. A eleição de Trump em 2016 foi fundamental para legitimar um certo tipo de conservadorismo arrogante, e outros ismos, que Bolsonaro copiaria abertamente dois anos depois. Os republicanos gostaram de ter um posto avançado para suas ideias nos trópicos, mesmo com dificuldade para entendê-lo.
Uma vez, um conhecido conservador americano me perguntou se Bolsonaro estava “controlando o problema da imigração”. Expliquei a ele que menos de 0,5% da população brasileira era estrangeira, e então ele me respondeu, com uma risada, que “bem, pelo menos eles não terão que se preocupar com isso.”
Trump sempre foi mais popular em certas capitais, especialmente na América Latina, do que seus críticos admitiam. Mas depois que o resultado da eleição de 3 de novembro ficou claro, mesmo os fãs mais fervorosos de Trump rapidamente encontraram uma saída. O presidente colombiano Iván Duque imediatamente parabenizou Biden por sua vitória. Benjamin Netanyahu, de Israel, e Viktor Orbán, da Hungria, fizeram o mesmo. O cálculo era óbvio: os interesses mais amplos de seu país com os EUA prevaleciam.
Não em Brasília. No momento em que Bolsonaro reconheceu a vitória de Biden em 15 de dezembro, a única resistência remanescente significativa era Kim Jong-Un na Coreia do Norte. Mesmo após a sangrenta insurreição do último dia 6 no Capitólio, e de todos os republicanos, exceto os mais linha-dura, abandonarem a tentativa de Trump de derrubar a eleição, o presidente do Brasil continuou a falar em “fraude descarada”.
Seu filho Eduardo, que também é o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, não só se reuniu com Ivanka Trump na semana passada, mas o fez dentro da Casa Branca com o embaixador do Brasil ao seu lado, levantando suspeitas em Washington.
Quando Donald Trump foi banido do Twitter, Eduardo Bolsonaro disse que estava “permanentemente” mudando sua foto de perfil para a do presidente dos EUA. O chanceler Ernesto Araújo foi aonde nem mesmo Ted Cruz ousou, condenando a violência, mas acrescentando ao mesmo tempo que os que questionavam a eleição eram “bons cidadãos” e “que não deveriam ser chamados de fascistas”.
O que tudo isso significa?
Todos sabem que um confronto está ocorrendo entre Biden e Bolsonaro sobre a Amazônia, onde o desmatamento atingiu seu pico em 12 anos, além de outras questões incluindo direitos humanos. Ainda em outubro, eu acreditava que a relação bilateral seria tensa, sem dúvida, mas com oportunidades de cooperação em questões como China, segurança regional e os US$ 105 bilhões em comércio anual que os dois governos recentemente buscaram expandir.
Com Bolsonaro já tratado como um pária em muitas capitais da Europa Ocidental, e cada vez mais rejeitado por seus pares latino-americanos, ele parecia estar procurando pelo menos laços cordiais com os EUA. Biden, por razões tanto de personalidade quanto de diplomacia, não iria guardar rancor — ou encurralá-lo.
Mas hoje Bolsonaro parece pronto — até ansioso — para aceitar o isolamento. Ele e seus seguidores mais leais realmente se veem como soldados visionários em uma batalha global contra o socialismo e outros males, e se Brasília deve se tornar o único posto avançado remanescente do hemisfério, tanto melhor.
— É fantástico — um apoiador me disse recentemente. — Ele agora será o líder global.
Na política interna, Bolsonaro aposta que o confronto o ajudará a reunir sua base em um momento em que continua relativamente popular, mas vulnerável, com um programa de ajuda emergencial que reforçou sua popularidade extinto em 1º de janeiro, casos de Covid-19 aumentando novamente e o Brasil ficando atrás de seus pares na implementação da vacina. No âmbito internacional, Araújo e outros têm defendido a construção de laços com Japão, Índia e, sim, Rússia.
A questão é se os compatriotas de Bolsonaro realmente querem acompanhá-lo nessa viagem. A economia do Brasil está estagnada ou encolhendo há mais de uma década e precisa de todos os mercados de exportação, investidores estrangeiros e boa vontade que puder obter. Um ano ainda mais barulhento de confronto sobre a Amazônia e outras questões, e rostos cada vez mais céticos em lugares como o Comitê de Relações Exteriores da Câmara, afastarão os investimentos enquanto afundam as esperanças de novos acordos comerciais e, potencialmente, da adesão do Brasil à OCDE.
Muitos líderes empresariais brasileiros, principalmente os do agronegócio que mais sofrem com os boicotes dos consumidores, estão assistindo a tudo isso com terror absoluto, na esperança de que eles ou os militares ainda possam convencer Bolsonaro a mudar de rumo. Mas a janela está fechando.
A maioria dos brasileiros elegeu Bolsonaro por três razões: para reativar a economia, reprimir a corrupção e reduzir o crime violento. Muitos não sabiam falar sobre Antonio Gramsci, a “Grande Reinicialização” ou qualquer uma das outras causas que mais animam Araújo e seus pares. Se o progresso nessas três áreas permanecer escasso ou inexistente, os eleitores brasileiros, incluindo a comunidade empresarial, podem muito bem decidir que todas as outras coisas não valem a pena e buscar uma face mais calma e menos polêmica em 2022.
Bolsonaro certamente não será o primeiro líder a entender mal por que foi realmente eleito — ou superestimar sua própria capacidade de permanecer no poder.
* Brian Winter é editor-chefe do Americas Quarterly e vice-presidente de políticas da Americas Sociedade/ Conselho das Américas. Autor de best-sellers, analista e palestrante, Brian vive e respira a política latino-americana nos últimos 20 anos.
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