Congresso pode aprovar privatizações
Foto: Minervino Júnior/CB/D.A Press
Após emplacar aliados nos comandos da Câmara e do Senado, o presidente Jair Bolsonaro busca, agora, colocar sobre a mesa das duas Casas legislativas suas pautas prioritárias, que consistem numa lista de 35 projetos parados no Congresso, alguns deles de governos anteriores. Algo que, na avaliação de analistas, ainda vai precisar de muita negociação para avançar a contento.
Durante reunião com os novos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), no Palácio da Alvorada, o chefe do Executivo entregou a eles a lista das suas prioridades. O Correio teve acesso ao documento. A relação é dividida em temas como pautas fiscais, retomada de investimentos e pautas de costumes. A dificuldade para a aprovação será grande, tanto que o dólar subiu, ontem, num sinal de que a desconfiança persiste, apesar de Lira e Pacheco defenderem, em carta entregue ao chefe do Planalto, a manutenção do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior, uma âncora fiscal que garante um controle mínimo na trajetória da dívida pública.
No Senado, na pauta fiscal, está a PEC Emergencial, a PEC dos Fundos e o Pacto Federativo, que são importantes para a manutenção do teto de gastos. Para estimular a retomada dos investimentos, Bolsonaro aposta no PL 3178/2019 — sobre a partilha no polígono do pré-sal —, petróleo e gás, na modernização do setor elétrico e em ferrovias. E, na Câmara, um destaque na área fiscal é a defesa do PL 6726/2016, que trata da regulamentação de um teto remuneratório do funcionalismo, tema que tramita há cinco anos no Congresso e que já foi aprovado pelo Senado.
A lista de prioridades de Bolsonaro, na pauta de costumes, inclui a facilitação para acesso a armamentos, como registro, posse e comercialização de armas de fogo; normas aplicáveis a militares em ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), incluindo o excludente de ilicitude, espécie de salvaguarda jurídica para policiais que, porventura, matarem em serviço. Também estão na lista a regulamentação do homeschooling (ensino domiciliar); o aumento da pena para abuso sexual em menores e a inclusão da pedofilia como crime hediondo.
Na pauta de retomada de investimentos, tem, também, a proposta de privatização da Eletrobras, projeto de 2019 que enfrenta resistência dentro do próprio governo.
Bolsonaro também adicionou, na relação, a revisão da Lei de Drogas. Já a proposta do voto impresso não foi incluída, por enquanto, nem mesmo a de revisão na tabela do Imposto de Renda, uma das principais promessas de campanha. Em adendo, o governo reforçou o interesse em acelerar projetos que tramitam na Câmara, como a autonomia do Banco Central e a Lei do Gás.
Munido dos pedidos do chefe do Planalto, Pacheco disse que as pautas encaminhadas pelo presidente terão a viabilidade avaliada pelos “respectivos colégios de líderes” dos parlamentares das duas Casas. Mais tarde, ao ler a mensagem durante a abertura dos trabalhos do Legislativo, Bolsonaro destacou a reforma tributária e a autonomia do Banco Central como algumas das prioridades deste ano, ao lado das PECs Emergencial e do Pacto Federativo, que, de acordo com analistas, são fundamentais para abrir espaço no Orçamento para a criação de um novo auxílio emergencial ou a ampliação do Bolsa Família.
Na avaliação do cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o governo saiu vitorioso da eleição no Congresso, mas precisará saber negociar muito bem com os parlamentares para obter avanços nas pautas econômicas e ideológicas da lista. “Agora, não tem mais aquela velha desculpa de que ‘o Congresso não deixava governar’”, apontou. O especialista ressaltou, no entanto, que o encaminhamento dessas pautas como prioritárias não significa que elas serão aprovadas, apesar da aproximação do Planalto com os novos presidentes das duas Casas. “É um elemento facilitador, mas não significa que o governo terá vitória em todas as pautas. Tudo precisará ser negociado”, analisou.
A lista de prioridades definidas pelo presidente Jair Bolsonaro foi vista por especialistas como muito extensa. Não à toa, ela não animou muito o mercado, apesar de a Bolsa ter avançado quase 1% logo após a declaração dos presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), de que estão comprometidos com a manutenção do teto de gastos, com as reformas e com a vacinação.
“Em parte, o dólar subiu por conta da desconfiança, porque ainda não está claro como será levada essa pauta prioritária”, explicou o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. Para ele, “ter 35 prioridades, no final, significa que não há muita”. “Em terceiro ano de mandato, com o Centrão comandando as Casas do Legislativo, fica difícil acreditar que muito dessas pautas vai avançar. Ainda há a pandemia, que impede a aceleração do processo decisório no Congresso”, argumentou.
Segundo Vale, se o país voltar a ter uma certa normalidade no segundo semestre, é provável que o Congresso volte a ficar mais ativo. “Contudo, vai faltar um ano para as eleições, e ninguém vai querer falar de reforma nesse período. Diria que vamos viver na expectativa de 2023 e torcer para que a agenda ruim do ministro Paullo Guedes (Economia), que pode envolver a volta da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), não volte”, emendou.
No entender do cientista político Carlos Pereira, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV Ebape), existe um pecado original na relação entre o Executivo e o Legislativo, que é a ausência de uma coalizão majoritária estável e que vai continuar dificultando o avanço dessa agenda prioritária apresentada por Bolsonaro. Ele destacou que o governo ainda vai colher os frutos da polarização que ele plantou junto à população contra os demais Poderes. “Agora, ele tenta construir um embrião de uma coalizão, mas os termos dessa aliança não estão claros. As maiorias que se formam se desfazem ao sabor do vento e da controvérsia quando não há uma estratégia. Sem ela, o governo não conseguirá avançar”, destacou.
O cientista político Carlos Pereira, professor da Fundação Getulio Vargas, não vê chances de progresso na pauta de costumes sugerida por Bolsonaro e lembrou que a paralisação da maioria desses temas foi resultado da incapacidade do governo de negociar com o Congresso.
Apesar de Bolsonaro ter citado a reforma tributária como prioridade, analistas também não veem muito avanço nesse assunto, apesar de necessária, porque ainda não há uma proposta clara do governo. A Câmara e o Senado já têm as próprias pautas, que ainda não foram consolidadas pela comissão mista. (RH e IS)
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na manhã de hoje, na Residência Oficial, tem encontro com o presidente da Câmara, Arthur Lira; o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), presidente da comissão mista da reforma tributária; e o relator, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
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