Fiocruz relata trapalhadas de Pazuello na Índia
Foto: Divulgação/Agência Brasil
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostra, em ofício publicado nesta quinta-feira, 4, como foi lamentável — para dizer o mínimo — a contratação de um avião da Azul pelo Ministério da Saúde — aquele que ficou parado mais de duas horas para ser adesivado e que depois foi dispensado — para trazer as 2 milhões de doses da vacina de Oxford a partir da Índia.
Eduardo Pazuello, o ministro da Saúde, além de fretar um avião para trazer vacinas que não estavam disponíveis, fê-lo sem o conhecimento de quem estava de fato comprando as vacinas, a diretoria da Fiocruz. Para piorar, a pedido do próprio Ministério da Saúde, Fiocruz já havia contratado o serviço de uma outra empresa de logística para fazer o transporte entre a Índia e o Brasil — a DMS Logística, que, inclusive, participava de reuniões com áreas técnicas do instituto indiano Serum, o fabricante das doses, para garantir a preservação das vacinas. É isso mesmo: Pazuello determinou a contratação de dois aviões para buscar a mesma carga na Índia. Na primeira vez, mandou a Fiocruz buscar, na segunda, o próprio Ministério.
A contratação do avião da Azul, que foi feita por meio de uma chamada de preço, portanto, nunca deveria ter acontecido. Não havia sequer um plano combinado entre a Azul e a Fiocruz, muito menos com a exportadora indiana Serum. Um dia após a midiática adesivação da aeronave, o Instituto Serum avisou à Fiocruz que as doses não estariam mais disponíveis para serem embarcadas no dia 16 de janeiro. Elas seriam embarcadas somente no dia 21 de janeiro, cinco dias depois. Com o avião da Azul parado, o Ministério da Saúde decidiu utilizá-lo para conter uma outra crise, a da falta de oxigênio em Manaus (AM).
Todo o desentendimento entre a Fiocruz e a Serum causada pela contratação do avião da Azul está explicitado na resposta que a fundação deu ao Ministério da Saúde devido a uma ação civil pública, movida por Fabio Reato Chede, que quer exigir que Pazuello e Jair Bolsonaro devolvam ao erário os gastos com o fretamento da aeronave.
Chede afirma que houve desperdício de recursos públicos na contratação do jato Airbus A330neo e obteve uma decisão liminar que suspendeu quaisquer pagamentos do governo federal à Azul relacionados a esse fretamento. A Advocacia-Geral da União pediu ajuda ao Ministério da Saúde para entender o caso e montar a defesa do governo federal. Por sua vez, a pasta pediu subsídios à Fiocruz. Talvez a resposta dada por Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz, ao Ministério da Saúde, não fosse a que o governo esperava.
O ofício da Fiocruz, endereçado ao chefe de gabinete da secretaria executiva do Ministério da Saúde, Paulo Marcos C. R. de Oliveira, você lê, abaixo, na íntegra.
Senhor Chefe de Gabinete,
Em atenção ao Ofício nº 291/2021/SE/GAB/SE/MS, informamos que em vista da situação de emergência sanitária no país, bem como da imprescindibilidade da implementação imediata do Plano Nacional Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 como mecanismo para frear o avanço da doença e seus efeitos, o Ministério da Saúde entendeu, do ponto de vista estratégico, que seria necessária a aquisição de 2.000.000 de doses de VACINA acabada (produto Terminado) para COVID-19, fabricada por SERUM INSTITUTE OF INDIA PVT. LTD. 212/2, Hadapsar, Pune 411 028, INDIA.
Para tanto, a Fiocruz previamente formalizou junto à ANVISA o pedido de autorização para a importação, em caráter excepcional, da vacina em comento. Consideradas a excepcionalidade e criticidade inerentes à pandemia, a Fiocruz obteve, por meio do Ofício nº 3321/2020/SEI/GADIP-CG/ANVISA, de 31/12/20, a referida autorização por parte da Agência Reguladora.
Em 04/01/21, a Presidência da Fiocruz, por meio do OFÍCIO nº 10/2021/PRESIDÊNCIA/FIOCRUZ, considerando a referida autorização, a urgência imposta pelo quadro sanitário e o esforço da Fiocruz em antecipar ao máximo a disponibilidade da vacina ao PNI, solicitou à Bio-Manguinhos/Fiocruz a imediata abertura de processo administrativo para a importação imediata das vacinas.
Desta feita, Bio-Manguinhos/Fiocruz instaurou o processo 25386.000016/2021-07 visando à contratação do fornecimento de 2 milhões de doses da vacina COVISHIELD, fabricadas pelo Serum Institute of India Pvt. Ltd. dando a devida publicização da contratação através do SEI, Sistema Eletrônico de Informações da Fiocruz e do site https://idcg.fiocruz.br.
A definição da modalidade de transporte da carga foi oriunda das negociações iniciais entre o Ministério da Saúde, a AstraZeneca, a Fiocruz e o Serum Institute of India Pvt. Ltd., no qual caberia ao governo brasileiro o transporte da carga da India para o Brasil. Desta forma, por orientação do Ministério da Saúde, todo o processo de aquisição das 2 milhões de doses de vacinas tomou como base a modalidade incoterms, isto é, a isenção de responsabilidade do Serum Institute of India Pvt. Ltd. no transporte da vacina para o Brasil, sendo este de responsabilidade do governo brasileiro.
Formalizada a contratação e já definida a modalidade de incoterms, ocorreram diversas interações entre Bio-Manguinhos/Fiocruz e a empresa Serum Institute of India Pvt. Ltd. para a operacionalização da importação, tendo a mesma confirmado a data de disponibilização da carga para recolhimento em 16/01/20, informação esta devidamente formalizada entre as partes.
A princípio, seria disponibilizada uma aeronave do Governo Brasileiro para a realização do transporte, porém tal hipótese foi posteriormente descartada, tendo então o Ministério da Saúde solicitado à Fiocruz a contratação de voo fretado para a realização da operação India x Brasil.
Considerando que os trâmites administrativos para a aquisição das 2 milhões de doses da vacina já se encontravam em curso (processo 25386.000016/2021-07), com base na modalidade inconterms, e que qualquer alteração processual naquele momento implicaria em atrasos na operação, uma vez que a mudança de cláusula de comércio exterior geraria necessidade não apenas de retificações no processo administrativo de aquisição das doses em curso na Fiocruz, mas alterações de procedimentos já em curso junto à ANVISA. Desta forma, foi realizado um processo em separado de contratação do fretamento pela Fiotec.
A Fiotec é uma função de apoio da Fiocruz que vem apoiando à Fundação em diversas frentes de enfrentamento da pandemia da COVID-19. A Fundação realizou diversas operações de fretamento de carga ao longo da pandemia, com vistas a trazer insumos de saúde para combate e apoio às iniciativas da COVID-19, já dispondo de contratos estabelecidos com empresas agenciadoras de cargas qualificadas para a realização deste tipo de operação.
Cabe destacar que dada a peculiaridade da carga e a criticidade da operação, foram realizadas diversas reuniões entre a Fiocruz, o Serum Institute of India Pvt. Ltd., o agente de cargas e a empresa aérea subcontratada, além de interações entre a Fundação e o Ministério da Saúde, para mapeamento dos riscos desta operação logística e discussão do plano de voo, em função dos tramites regulatórias e alfandegários da India e do Brasil.
Ocorre, porém, que posteriormente a todos os procedimentos administrativos e logísticos em curso para a realização da operação, o Serum Institute of India Pvt. Ltd. comunicou em 15.01.2021 à Bio-Manguinhos que a data de 16.01.2021 programada para o recolhimento e transporte ao Brasil não seria mais factível e a carga não estaria mais disponível, tratando-se, portanto, de um fato superveniente, e que a continuidade da operação dependeria de uma nova data a ser anunciada pelo Instituto. Logo, a operação nos moldes contratados e na data avençada não foi realizada (fretamento para trecho India x Brasil).
Assim, em relação ao foco central da Ação Popular (realização do trecho SP X PE X Amazonas), cabe informar que a Fiocruz, assim como o operador logístico contratado pela Fiotec (DMS Logística) não tem conhecimento sobre quaisquer instrumentos autorizativos para a utilização da aeronave e a realização dos trechos SP X PE X Amazonas (transporte de oxigênio) no período citado na inicial (16.01.2021), tampouco sobre a adesivagem na aeronave, uma vez que a contratação realizada pela Fiotec versou única e exclusivamente sobre o fretamento da vacina no trecho India x Brasil.
Atenciosamente,
NISIA VERONICA TRINDADE LIMA, Presidente
A autenticidade do documento pode ser conferida no site http://sei.fiocruz.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o código verificador 0552390 e o código CRC BC3C8A5D.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que “desconhece haver em algum relatório oficial da Fiocruz encaminhado a esta pasta alusão ao suposto motivo do cancelamento” do envio das vacinas e que “a pasta não teve governança em temas referentes ao transporte aéreo”.
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