Bolsonaristas das redes não sabem como agir ante troca de comando militar
Foto: Dida Sampaio / Estadão
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro que frequentam grupos de WhatsApp bolsonaristas estão “esperando um sinal” para saber com agir diante da troca comandantes das Forças Armadas e da demissão do ministro da Defesa. A avaliação é do professor de Estudos em Mídia David Nemer, da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos. Ele monitora dezenas de grupos bolsonaristas no aplicativo como objeto de pesquisa.
“Estão esperando o debate ser pautado para eles poderem engajar, porque eles não sabem se isso vai ser uma coisa ruim ou não. Porque são dois aspectos que eles sempre se sentiram próximos: Bolsonaro e as Forças Armadas. É como ver o pai e a mãe brigando. Que lado eles vão tomar? Sempre vão tomar o lado do Bolsonaro, mas estão esperando ver como é que isso vai se dar”, avalia o pesquisador.
Percepção semelhante é relatada pelo programador Guilherme Felitti, da empresa de análise de dados digitais Novelo Data, que foca suas pesquisas no YouTube. Para o especialista, os bolsonaristas estão com “dificuldade” em interpretar as baixas relacionadas aos militares. “Para as mudanças envolvendo o Exército, a base aparenta uma maior dificuldade em explicar o que aconteceu com a demissão do Fernando Azevedo e Silva”, diz.
“No YouTube, o Exército sempre aparecia como o executor das diferentes ‘intervenções militares’ pedidas sempre que um novo fantasma aparecia – o STF julgando Lula, Daniel Silveira preso, o lockdown contra covid-19… A demissão do Azevedo racha a crença de unidade entre Bolsonaro e o Exército e contradiz todas aquelas narrativas de ‘intervenção’ incentivadas, principalmente, desde o começo da pandemia”, aponta Felitti. O monitoramento da Novelo acompanha diariamente os 183 canais de extrema-direita de maior projeção no Brasil.
Nemer divide os grupos no WhatsApp (75, ao todo) em duas vertentes: os olavistas e os insurgentes. Entre eles, o comportamento apresentado na troca de mensagens a partir das mudanças no Ministério da Defesa e Forças Armadas têm sido diferentes. Há quem comemore a “crise” e quem critique as ações do presidente Bolsonaro.
“Os olavistas comemoraram essa suposta crise porque eles veem as Forças Armadas como antidemocráticas. Tem um outro grupo, que classifico como os insurgentes, que é uma ala mais radical. Eles fizeram uma forte crítica ao Bolsonaro, coisa que é difícil de acontecer no WhatsApp bolsonarista, porque eles não estão gostando dessa movimentação toda. Eles acham que Bolsonaro vai, novamente, tirar os militares do comando do País, então, tem uma crítica muito forte a isso”, relata.
Enquanto um direcionamento de cima não vem, nos últimos dias, tem circulado com frequência entre os grupos de apoio ao presidente uma convocação para manifestação em quartéis. O chamamento, que fala em “intervenção militar com Bolsonaro no poder”, é para comemorar o aniversário de 57 anos do golpe militar de 1964.
“DIA 31/03/21 quarta feira. A PARTIR DAS 11:00 HORAS EM TODO PAÍS; PAUTA ÚNICA INTERVENÇÃO MILITAR COM BOLSONARO NO PODER. CHEGOU A HORA!”, diz trecho da mensagem, que lista os horários e locais onde os atos serão realizados. Por enquanto, menções a um possível decreto de estado de sítio não aparecem no radar, segundo o pesquisador.
Celebrações desse tipo se tornaram praxe no governo Bolsonaro. Nos últimos dois anos, o presidente se referiu ao 31 de março como sendo um “grande dia” e uma “data histórica” Nemer ressalta que, no ano passado, nesta mesma época, uma convocação semelhante circulou entre as bases do presidente, sem que na rua houvesse uma adesão significativa de militantes. “Tem uma chamada para manifestações nos quartéis, que é uma celebração do golpe”, diz.
“Essa mesma coisa circulou no ano passado e não teve muita adesão. Teve pessoas lá fora celebrando. Mas eu não acredito que a dessa semana seja algo maior, principalmente já que já temos essa crise com as Forças Armadas. A gente não sabe direito como isso vai se dar. Apesar de ter a chamada, eu acho difícil ter algo muito grande”, avalia.
Segundo análise feita pela Agência Bites, desde segunda-feira, 19, data das seis trocas ministeriais promovidas por Bolsonaro, até às 10h de hoje, houve 650 mil citações ao assunto no Twitter. O volume é considerado “grande”. As repercussões tiveram foco principal nas mudanças no Itamaraty e no Ministério da Defesa.
Além do domínio narrativo no Twitter, as audiências bolsonarista e de direita também monopolizaram os cinco vídeos de maior repercussão no YouTube, desde ontem, citando o presidente. Todos os conteúdos da lista abordaram as mudanças ministeriais, e três vídeos vieram dos dois principais canais governistas na plataforma: Folha Política e Foco do Brasil, que, juntos, angariaram 747 mil visualizações, mostra relatório de monitoramento da Bites.
A possibilidade de Bolsonaro realizar um “autogolpe” é vista com preocupação, mas pelos perfis de esquerda. Isso porque, na reforma ministerial feita pelo chefe do Planalto, a mudança que causou mais surpresa foi a saída do ministro Fernando Azevedo e Silva da pasta da Defesa.
O general da reserva foi dispensado por não concordar com o plano de Bolsonaro de colocar os militares a serviço de uma estratégia de confronto.“Preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”, escreveu Azevedo ao comunicar sua saída.
“No Twitter, em um recorte considerando o debate sobre as Forças Armadas, a Defesa e os militares envolvidos nas trocas, foram 430 mil mensagens desde ontem. Entre as 10 mensagens, não houve prevalência significativa de narrativas”, aponta o relatório da Bites. Segundo a análise, duas mensagens abordaram o termo “golpe” fora do contexto político, “com caráter de entretenimento”.
“Alguns perfis de esquerda demonstraram preocupação com a possibilidade de o presidente flertar com um autogolpe, enquanto bolsonaristas repercutiram as trocas na Defesa e debateram o papel das Forças Armadas”, aponta o relatório.
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