Bolsonaro rifa mais um aliado

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Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, foi abandonado pela articulação política do Palácio do Planalto, segundo aliados do chanceler ouvidos pelo Estadão. Na visão desses interlocutores, o chefe da diplomacia bolsonarista acabou exposto de propósito pela base governista nesta quarta-feira, dia 24, ao dar explicações sobre atrasos na obtenção de vacinas contra a covid-19 no Congresso Nacional. Parlamentares de diversos partidos fizeram duras críticas e pressionaram o ministro a renunciar ao cargo, sem que quase nenhum deputado ou senador governista tenha assumido sua defesa.

O abandono foi interpretado como um sinal da perda de apoio político do chanceler dentro do governo Jair Bolsonaro. Ernesto já tinha contra si setores do empresariado, principalmente no agronegócio, políticos do Centrão e da oposição, militares e diplomatas de carreira. A carta de empresários e economistas, divulgada no fim de semana, também cobrava uma política externa “desidratada de ideologia ou alinhamentos automáticos”. O documento surpreendeu o governo e impulsionou a ofensiva do Congresso.

O entorno de Ernesto atribuiu ao ministro da Secretaria de Governo, o general Luiz Eduardo Ramos, a falta de uma tropa de choque bolsonarista empenhada em defender o ministro, sobretudo, no Senado. No xadrez interno do Planalto, Ramos é desafeto do grupo que apoia o chanceler, que o vê como adepto do movimento pró demissão. Para eles, Ramos não mobilizou os parlamentares.

No dia em que o País ultrapassou 300 mil mortos, o ministro passou 5 horas e 15 minutos exposto a dissabores, provocações, cobranças e bate-bocas no Senado e outras 3 horas na Câmara. Estava acompanhado apenas do assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, e do secretário de Comunicação e Cultura do Itamaraty, embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto.

Além das discussões sobre atrasos e problemas na obtenção de vacinas contra a covid-19, a sessão no Senado foi marcada por pedidos de renúncia do ministro e discussões sobre crises diplomáticas. Ele teve de ouvir dos senadores, pelo menos dez vezes, que deveria “pedir para sair” do governo. Essa cobrança partiu dos senadores Mara Gabrilli (PSDB-SP), Simone Tebet (MDB-MS), Jorge Kajuru (Cidadania-GO), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Jean Paul Prates (PT-RN), entre outros.

Ao contrário do que costuma ocorrer nesses casos, porém, a base governista não se mobilizou em defesa de Ernesto, seja para elogiar o trabalho do ministro, seja para introduzir no debate uma agenda positiva do governo, amenizando a saraivada. Essa é uma estratégia comum no parlamento, quando há audiências públicas de ministros. Em geral, o próprio governo mobiliza sua tropa de choque.

Na Câmara, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho “Zero Três” do presidente, influente na política exterior do pai e aliado de Ernesto, foi um dos poucos a sair em defesa do governo e do ministro. “O Brasil vai muito bem”, afirmou Eduardo. Já no Senado, nem sequer o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), o “Zero Um”, participou da sessão, tampouco os líderes do governo Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) e Eduardo Gomes (MDB-TO).

Um observador da equipe de Ernesto notou a ausência total dos senadores da base governista, à exceção de Mecias de Jesus (Republicanos-RR) – o senador foi o único a dizer que acreditava que o ministro era capaz de “mudar o rumo das relações internacionais para facilitar esse diálogo entre o Brasil e as demais nações”. Esse aliado do chanceler disse que, se os líderes ignoraram completamente a sessão de debates, é porque “concordam, tacitamente, com as críticas” ao ministro e à política externa do presidente.

Em entrevista exclusiva ao Estadão, na véspera das audiências no Congresso, o chanceler disse que se sente respaldado por Bolsonaro. Numa lógica similar ao “um manda, e o outro obedece”, notabilizada pelo ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o chanceler afirmou que tem muita “afinidade” com a visão de mundo de Bolsonaro e executa a política que o presidente deseja. “Meu trabalho não é meu, é a implementação de uma agenda de política externa que o presidente traz desde a campanha. Não é uma coisa acidental.”

O fogo amigo no Planalto é antigo, mas o ministro costuma desconversar quando indagado sobre quem o quer fora do Itamaraty. Desde o início do governo, militares tentaram diversas vezes tutelar sua atuação – e chegaram a assumir mais protagonismo na diplomacia.

Integrantes do núcleo conservador do governo, a chamada “ala ideológica” apoiada por militantes bolsonaristas, veem o chanceler como um ícone. A demissão teria um alto custo ao presidente junto a esses apoiadores, muitos dos quais são fiéis seguidores do escritor Olavo de Carvalho, o guru da direita brasileira de quem o ministro é admirador.

Eles dizem que Ramos deseja entregar o cargo de chanceler a um senador, fortalecendo a base do governo num momento de fragilidade, em que o Centrão ameaça abertamente aplicar “remédios políticos amargos e fatais”. Dirigentes do bloco, porém, têm mostrado desinteresse pela chancelaria.

No Itamaraty, onde Ernesto trava uma batalha interna com o corpo diplomático, há defensores de que o cargo de ministro seja ocupado por um político. Daí terem circulado, nos últimos meses, nomes como os dos ex-presidentes Michel Temer e Fernando Collor de Mello, ambos afeitos à política externa.

Lira cobrou Ernesto em reunião no Alvorada

Pouco antes da dupla sessão no Congresso, o chanceler já havia sido “fritado”. Ele foi cobrado em público pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), durante reunião com ministros, governadores e autoridades dos três poderes no Palácio da Alvorada.

Lira vocalizou insatisfações com a condução do ministro após ouvir reclamações de empresários e do embaixador da China, Yang Wangming, que disse não manter diálogo com o chanceler. A China é um país-chave na produção mundial de vacinas, medicamentos e insumos hospitalares.

Principal líder do Centrão, Lira vai dialogar agora com o embaixador Todd Chapman, dos Estados Unidos. Chapman tem trânsito junto a Araújo, numa relação construída ainda no governo Donald Trump, mas recentemente fez reparos à forma como autoridades do governo Bolsonaro se manifestaram em relação ao presidente Joe Biden. O Congresso e o Itamaraty tentam aval dos EUA para comprar vacinas excedentes, mas o ministro indicou que considera a liberação “difícil”.

Ele argumentou a deputados e senadores que o Itamaraty é apenas um braço do Plano Nacional de Imunização, cujo cérebro é o Ministério da Saúde. Ele disse que cabe à Saúde definir as estratégias, quais vacinas comprar e qual quantidade, e que a diplomacia apenas dá apoio nas negociações e busca de fornecedores. Ele, porém, disse ao Estadão que o planejamento foi “bem executado”, apesar dos atrasos e da escassez de imunizantes que retardam a vacinação no País e, na prática, expõem a população aos riscos da covid-19.

Principalmente no Senado, Ernesto enfrentou uma espécie de “cadeira elétrica”. Irritou-se com vários questionamentos e, acuado, reagiu atacando os antecessores. No ano passado, o ex-senador Major Olímpio (PSL-SP), ex-bolsonarista, mandou o chanceler “para o inferno”, da tribuna do Senado, ao rejeitar a indicação de um embaixador ligado a ele para representar o Brasil nas Nações Unidas. Morto na semana passada, em decorrência de complicações da covid-19, fato que chocou o Congresso e ampliou a pressão, Olímpio não presenciou o Senado ecoar sua “profecia”.

Estadão

 

 

 

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