Congresso acaba com o Censo brasileiro
Foto: BBC
O Censo populacional, que seria realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) neste ano, perdeu mais de 90% de sua verba, conforme o parecer final do Orçamento federal, apresentado pelo relator-geral, senador Marcio Bittar (MDB-AC).
Segundo informação da Agência Câmara de Notícias, o parecer retira R$ 1,76 bilhão do Censo, ante previsão anterior de R$ 2 bilhões para realização da pesquisa.
Com isso, sobraram para o Censo apenas R$ 190,7 milhões já autorizados e outros R$ 50 milhões condicionados a proposta de crédito suplementar, o que ainda dependeria de autorização do Congresso.
Segundo o IBGE, em nota, se confirmado, o corte de verba inviabilizará a realização do Censo este ano. A pesquisa era prevista originalmente para 2020, mas foi adiada devido à pandemia.
“O país necessita das informações geradas pelo Censo, que são essenciais para subsidiar políticas públicas em diversas áreas, especialmente em um contexto de pandemia, onde esses dados são estratégicos para o avanço da vacinação e para o planejamento de infraestrutura em saúde”, afirmou o órgão estatístico, na nota.
“O IBGE conta com o apoio da Comissão Mista de Orçamento na próxima votação para que esse cenário seja revertido”, completou o instituto.
A BBC News Brasil tentou contato com o senador Marcio Bittar, mas sua chefia de gabinete informou que ele não deve se pronunciar sobre o parecer neste momento.
Essa é a quarta vez que o a edição atual do Censo tem seu orçamento reduzido.
Em 2018, a operação foi orçada pelo IBGE em R$ 3,4 bilhões, valor diminuído para R$ 2,3 bilhões no ano seguinte, em meio às dificuldades do governo em fechar as contas públicas.
Ao fim do ano passado, na proposta de Orçamento para 2021 enviada pelo governo ao Congresso, a verba destinada ao Censo foi novamente reduzida, para R$ 2 bilhões. Agora, no parecer final de Bittar, restaram apenas R$ 190,7 milhões.
Segundo especialistas, o Censo é fundamental para embasar as mais diversas políticas públicas do país, ao revelar com precisão e em nível municipal quantos são, onde moram e em que condições vivem cada um dos brasileiros.
A contagem populacional também define o repasse de verbas entre esferas governamentais, através dos fundos de participação dos Estados e municípios e dos fundos que destinam recursos à educação e à saúde.
Além disso, no atual contexto de crise sanitária, a pesquisa pode trazer informações preciosas para ajudar, por exemplo, na estratégia de vacinação dos municípios e nas políticas de assistência social para atender à população mais vulnerável.
O Censo visitaria os 72 milhões de domicílios brasileiros, em apenas três meses, com a participação de mais de 200 mil pessoas trabalhando na coleta e organização.
A pesquisa estava prevista para ir a campo entre 1º de agosto e 31 de outubro. Os concursos para recenseadores estavam planejados para serem realizados em abril.
Os funcionários do IBGE já reivindicavam o adiamento da pesquisa, devido ao temor quanto à segurança para sua aplicação em meio ao aumento no número de casos e mortes por coronavírus.
A Assibge (Sindicato Nacional de Trabalhadores do IBGE) se posicionou nesse sentido e coordenadores regionais de ao menos dez Estados reivindicaram à direção o adiamento para 2022. Também um abaixo-assinado de âmbito nacional foi organizado, pedindo a mudança de calendário.
Bruno Mandelli Perez, técnico do IBGE e coordenador do núcleo sindical da Assibge da unidade Avenida Chile (onde fica a sede do instituto, no Rio de Janeiro), conta que os funcionários ficaram sabendo do novo corte de verbas pelo site da Câmara.
Segundo ele, ainda não houve nenhum comunicado oficial da direção do instituto aos funcionários.
“Pela dimensão da redução do orçamento, o que entendemos é que, provavelmente, o Censo foi adiado”, afirma Perez. “Mas não recebemos nenhuma informação oficial do IBGE ainda.”
“A posição do sindicato é pelo adiamento, mas também defendemos o orçamento do Censo, então o pior cenário possível seria manter a pesquisa esse ano com orçamento reduzido”, diz.
Conforme o técnico do IBGE, a realização do Censo em meio à crise sanitária exigira aumento de verbas, e não redução.
“A realização do Censo num contexto de pandemia exigira orçamento ainda maior, por uma série de motivos, começando pela aquisição e EPIs [equipamentos de proteção individual], que não é trivial, porque são 200 mil recenseadores, que vão passar longos períodos em campo”, afirma.
“O orçamento já estava no limite do viável, qualquer redução para além daquilo torna muito difícil a operação.”
Diante dos cortes de verbas anteriores, a direção do IBGE já planejava recorrer a doações para adquirir parte dos materiais necessários para a realização do Censo.
Ao fim de janeiro, o Ministério da Economia abriu uma chamada pública para receber doações de chips de telefonia e minimodems para serem utilizados no Censo. O IBGE também planejava recorrer a doações para conseguir os EPIs para os recenseadores.
“Quando você depende de doação, você não tem a garantia de que vai dispor dos equipamentos de proteção individual para todos”, disse em fevereiro à BBC News Brasil a economista Wasmália Bivar, que foi presidente do IBGE entre 2011 e 2016 e atualmente é professora da PUC-Rio e da Ence (Escola Nacional de Ciências Estatísticas).
“É muito difícil quando o Estado não garante a realização de atividades que são exclusivamente dele. O Censo é uma atividade de Estado e a garantia do Estado é fundamental para fazer a dotação de recursos necessária para que essa operação aconteça.”
Na nota divulgada nesta segunda-feira (22/3), o IBGE reiterou que acredita ser possível realizar o Censo 2021 em meio à pandemia com segurança, caso haja a verba necessária.
“Além de um modelo misto de coleta (presencial, telefone e online), os profissionais envolvidos no Censo observarão, em todas as etapas da operação, rígidos protocolos de saúde e segurança adotados pelo IBGE, seguindo recomendações do Ministério da Saúde e as melhoras práticas de prevenção e combate ao covid-19”, afirmou o instituto.
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