Exército diz que liberação de armas fragiliza segurança pública
Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo
Uma nota produzida por técnicos do Estado-Maior do Exército apontou que uma das medidas que facilitou o acesso a armas e munições de uso restrito poderá fragilizar a segurança pública no Brasil e aumentar a disseminação desse tipo de armamento no país. Apesar disso, o governo ignorou o alerta e manteve a proposta em um dos quatro decretos assinados pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 12 de fevereiro.
A nota foi produzida pela Assessoria de Apoio para Assuntos Jurídicos do Estado-Maior do Exército no mesmo dia em que Bolsonaro e os ministros da Defesa (Fernando Azevedo e Silva) e da Justiça (André Mendonça) assinaram os decretos. O documento faz uma análise sobre algumas das mudanças propostas pelo governo.
Entre elas está uma alteração no decreto nº 9.847 de 2019, também assinado por Bolsonaro e que já havia flexibilizado as normas para aquisição de armas de fogo. No item 4.1.2 da nota técnica, os militares avaliam a proposta que criou um prazo de 60 dias para que o Comando do Exército analisasse processos de corporações como PMs, Polícias Civis, Corpo de Bombeiros e Guardas Municipais que queiram comprar no Brasil ou importar armas ou munições de uso restrito.
A proposta previa que se o Comando do Exército não se manifestasse sobre esses processos dentro do prazo de 60 dias, as instituições que tivessem feito os requerimentos estariam “tacitamente autorizadas” a adquirir ou importar os produtos. Antes, as autorizações só poderiam ser concedidas após o aval do Comando do Exército.
No documento, os militares avaliaram que ainda que a medida fosse juridicamente viável, seus impactos poderiam ser negativos.
“Embora a previsão seja juridicamente viável, observa-se, apenas, que a previsão contida no §5-B proposto poderá ter como consequência uma fragilização para a segurança pública e para a política de Estado que foi inaugurada pelo Estatuto do Desarmamento, de controlar ou limitar a disseminação de armas de fogo no país”, diz um trecho do documento.
Em outro trecho, os militares afirmam que a mudança poderia favorecer a disseminação de armas no país.
“A aprovação tácita pretendida pelo dispositivo inserido no art. 34 do decreto 9.847/19 merecia maiores estudos sobre sua conveniência, haja vista constituir um ponto facilitador para a disseminação de armas de fogo no país”, diz a nota.
O documento pontua ainda que o Comando do Exército teria dificuldade em processar todos as solicitações no prazo criado pela proposta e solicita que o Comando Logístico (Colog) do Exército seja consultado sobre o assunto.
Os autores da nota destacam que o documento tem caráter “estritamente técnico” e “opinativo” destinado a “subsidiar unicamente as decisões das autoridades militares competentes”.
O documento foi assinado no dia 12 de fevereiro, mas não traz indicações sobre qual o horário em que ele foi finalizado. Uma análise de metadata do arquivo ao qual O GLOBO teve acesso indica que o documento foi criado às 9h28 daquele dia.
O ministro da Defesa assinou a exposição de motivos (explicações sobre o conteúdo e razões para o decreto) às 17h21. Nela, não há nenhuma menção ao alerta feito pela assessoria do Estado-Maior do Exército.
Ao contrário, a exposição de motivos diz que o decreto está de acordo com a vontade da sociedade.
“As inovações atendem-se ao interesse público de aprimoramento do ordenamento, manifestando os anseios da sociedade brasileira contemporânea, ávida por maior liberdade para exercício da autotutela da vida e de outros bens jurídicos caros à existência, quando ao Estado não for possível fazê-lo tempestiva e eficazmente”, diz o documento.
Na avaliação da Diretora-Executiva da organização não-governamental Sou da Paz, Carol Ricardo, o alerta contido na nota e o fato de ele ter sido ignorado mostram que o governo vem “atropelando” áreas técnicas de órgãos de Estado quando eles se posicionam contra a política armamentista defendida pelo presidente Jair Bolsonaro.
— O alerta contido na nota aponta o que a gente vem dizendo sobre os riscos de flexibilizar as normas para o controle de armas e munições no Brasil. O fato de o governo ter ignorado esse alerta indica um padrão. Sempre que a área técnica de um órgão de Estado se posiciona contra essa política, o governo atropela e ignora — disse Carol.
Para o coordenador do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas Direitos Humanos, Gabriel Sampaio, a nota técnica reforça preocupações da sociedade com o controle sobre as armas de fogo no país.
— A manifestação do Exército confirma as preocupações da sociedade civil em relação à desfiguração feita ao Estatuto do Desarmamento. Essa desfiguração compromete uma política de controle de armas, essencial para a proteção da população e para a interrupção do aumento de mortes violentas no Brasil, que afetam essencialmente a população jovem negra, principal vítima dessa violência — disse Sampaio.
A reportagem do GLOBO enviou perguntas à Presidência da República, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Comando do Exército e Ministério da Defesa. A Presidência e o Comando do Exército informaram que as questões seriam respondidas pela pasta da Defesa.
Em nota, o Ministério da Defesa afirma que a pasta e o Comando do Exército concordam com o prazo de 60 dias estipulado no decreto.
“Não seria apropriado ter uma solicitação aguardando indefinidamente, sem resposta ou decisão”, diz a nota.
A nota diz ainda que a mudança estaria alinhada com a Lei de Liberdade Econômica e que o Exército já estaria tomando medidas para atender os pedidos no prazo estabelecido pelo novo decreto.
O Ministério da Defesa diz ainda que a nota produzida pela assessoria do Estado-Maior do Exército tinha caráter somente “opinativo”.
“A nota técnica mencionada é interna, tem caráter exclusivamente opinativo […] sendo destinada tão somente a subsidiar decisões, que naturalmente levam em conta todos os demais aspectos envolvidos”, diz a pasta.
Os quatro decretos assinados por Bolsonaro em fevereiro vêm sendo questionados na justiça. Partidos de oposição moveram ações no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a anulação das medidas. A ministra Rosa Weber, relatora de um dos processos, pediu que o governo federal explicasse os critérios técnicos adotados pelo governo. O caso ainda está em tramitação.
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