Inquérito do STJ contra Lava Jato cita Dallagnol e mais cinco
Foto: Gustavo Lima/STJ
O inquérito aberto de ofício pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Humberto Martins para investigar supostas ilegalidades cometidas por investigadores da Lava-Jato cita nominalmente seis procuradores como alvos iniciais da investigação, com base apenas em notícias publicadas na imprensa e em informações de uma entrevista dada pelo hacker Walter Delgatti Neto. Foi ele quem invadiu o celular de autoridades públicas e obteve acesso aos diálogos entre procuradores. Segundo os documentos, não apenas procuradores da força-tarefa de Curitiba entraram na mira de Humberto Martins, mas também outros investigadores.
Além disso, detalhes da investigação indicam que Humberto Martins quer investigar as razões pelas quais ele e seu filho, o advogado Eduardo Martins, foram delatados pelo ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, cuja negociação teve início na força-tarefa de Curitiba.
Martins coloca como um dos alvos a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, uma das mais experientes do Ministério Público Federal na área criminal, com base apenas em declarações dadas pelo hacker. Em uma entrevista dada ao site “Brasil 247”, Delgatti Neto afirmou que Luiza mantinha contato com o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba, e citou genericamente que ela repassava informações à força-tarefa, sem abordar nenhuma irregularidade concreta e nem apresentar os diálogos.
O presidente do STJ cita uma reportagem sobre a abertura de procedimento preliminar na Corregedoria da PGR para investigar eventuais irregularidades nos supostos diálogos entre Luiza e Deltan, como justificativa para inclui-la como um dos alvos. Procurada pelo GLOBO, a corregedora-geral Elizeta de Paiva Ramos afirmou que esse procedimento já foi arquivado.
O GLOBO teve acesso a detalhes da abertura do inquérito, fornecidas pelo próprio Humberto Martins ao Supremo Tribunal Federal (STF) para justificar o prosseguimento da investigação. Além de citar Luiza Frischeisen, o presidente do STJ aponta como alvos o procurador regional Eduardo Pelella, que foi chefe de gabinete do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, e os ex-membros da força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba: Januário Paludo e Orlando Martello Júnior (procuradores regionais), Deltan Dallagnol e Diogo Castor de Mattos.
Todos os nomes aparecem acompanhados de alguma matéria publicada na imprensa com base nas mensagens hackeadas ou na própria entrevista do hacker, que são as únicas provas usada para justificar que esses procuradores sejam investigados.
A justificativa de Humberto Martins para abrir o inquérito foi apurar supostos diálogos em que procuradores da Lava-Jato tentariam investigar, de forma ilegal, os ministros do STJ. Mas o ministro cita reportagens para embasar o inquérito que inclusive tratam de outros assuntos, sem relação direta com esse fato. Essa longa lista de nomes assustou o procurador-geral da República Augusto Aras, que classificou o inquérito como “extremamente grave e preocupante” e designou um subprocurador-geral da República para atuar no caso.
Uma das reportagens citadas pelo presidente do STJ reproduz supostos diálogos ocorridos em 2017 a respeito da delação premiada do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro. Essas conversas ocorreram entre integrantes da força-tarefa de Curitiba e da Procuradoria-Geral da República (PGR), órgão com competência para investigar ministros do STJ, portanto não há indício de irregularidade no procedimento. Essas supostas conversas abordam o fato de Léo Pinheiro, na negociação da delação, ter citado pagamentos de propina a Humberto Martins.
A delação de Léo Pinheiro foi assinada pela então procuradora-geral da República Raquel Dodge em 2019 e homologada pelo ministro do STF Edson Fachin. De fato, um dos anexos da delação tratava de uma acusação de pagamento de propina ao filho do presidente do STJ, o advogado Eduardo Martins, em troca de influenciar no julgamento de um processo da OAS que estava com Humberto Martins. Dodge pediu o arquivamento desse anexo, sem abrir nenhuma investigação preliminar a respeito.
O fato de Humberto Martins ter incluído este caso no seu inquérito recém-aberto indica que um dos objetos da investigação é apurar as razões pelas quais ele foi delatado. Em um outro caso, seu filho foi denunciado pela Lava-Jato do Rio pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e exploração de prestígio. Segundo a acusação, Eduardo teria recebido R$ 80 milhões da Fecomércio do Rio em troca de prometer exercer influência junto a ministros do STJ em processos de interesse de Orlando Diniz, então presidente da entidade. Essa ação está suspensa por ordem do ministro do STF Gilmar Mendes.
Ao citar os nomes dos seis procuradores, Humberto Martins explica ao STF: “A relação de nomes de membros do MPF objetivou fundamentar a existência de pessoas supostamente envolvidas com os fatos noticiados, que possuem foro de prerrogativa de função junto ao Superior Tribunal de Justiça, no contexto de solicitação de compartilhamento de elementos investigatórios ao Procurador-Geral da República”.
A Procuradoria-Geral da República (PGR), entretanto, afirmou a Humberto Martins que não tinha nenhum elemento para compartilhar e que o inquérito é ilegal, porque foi aberto com base em provas ilícitas, obtidas por meio de um ataque hacker. A PGR pediu à ministra Rosa Weber que determine o trancamento do inquérito.
O presidente do STJ expediu um ofício ao juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, ordenando o fornecimento de “todos os arquivos apreendidos e periciados” na Operação Spoofing, para servir ao inquérito. O material foi compartilhado no último dia 11 de março. Isso significa que Humberto Martins já tem à sua disposição todo o acervo das supostas conversas da Lava-Jato e pode usar o material para embasar ações dentro de seu inquérito.
Como informou O GLOBO, Martins afirmou ao STF, para justificar sua investigação, que o eventual uso de prova ilegal seria possível para o exercício da “autodefesa” do Judiciário, por meio do prosseguimento dessas investigações.
Os procuradores da força-tarefa já enviaram ofício às autoridades negando terem realizado investigações ilegais de nomes com foro privilegiado. No documento, afirmam que “jamais praticaram qualquer ato de investigação sobre condutas de autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função, sejam ministros do STJ, seja qualquer autoridade”. Argumentaram ainda que o material das supostas conversas “tem origem criminosa, sendo fruto da atuação de hackers que invadiram contas pessoais mantidas no aplicativo Telegram por diversas autoridades. Trata-se de material ilícito”.
Em nota, o STJ afirmou que o inquérito está dentro da legalidade com base no regimento interno do STJ e citou que a ministra Rosa Weber indeferiu liminar para trancar a investigação.
“O STJ informa que a Portaria do STJ 58/2021, que determinou a instauração de inquérito para investigar supostos atos ilícitos praticados por membros do MPF que estariam investigando ministros do STJ sem a devida autorização prévia do STF, foi assinada com base no Regimento Interno do STJ, que está em consonância com o Regimento Interno do STF. Em julgamento da ADPF 572, o Plenário do STF decidiu pela constitucionalidade da instauração, naquela Corte, do chamado “inquérito das fakes news” (Inq 4871/STF). O entendimento aplica-se, por analogia, ao inquérito instaurado pela Presidência do STJ. Esclarecemos, ainda, que a ministra Rosa Weber, que está relatando o HC 199041 (impetrado pela Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR) e o HC de um procurador da República (impetrado individualmente), decidiu liminarmente de forma favorável ao STJ, negando a suspensão da portaria do presidente do STJ. Ou seja, até o momento, a Corte Constitucional confirmou a legalidade da medida. Agora, aguarda-se a análise do mérito”, diz a nota.