TRF1 tem perfil garantista e já absolveu Lula
Foto: Amanda Perobelli/Reuters
Destino possível de processos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1), de Brasília (DF), é considerado por advogados, procuradores e até pelos próprios desembargadores uma corte com perfil “garantista”, que costuma privilegiar os direitos dos réus, além de ser comprovadamente lenta para decidir.
Um relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontou que milhares de processos ficam parados nos gabinetes de desembargadores, sem previsão de julgamento. No ano passado, o tribunal também tomou duas decisões que beneficiaram Lula. Agora, poderá caber aos mesmos magistrados decidir sobre as ações do petista na Lava Jato – caso condenado, ele voltará a ser inelegível.
Lula foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa, em 2018, após ser condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em segunda instância no caso do triplex do Guarujá. A decisão foi do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), sediado em Porto Alegre, e de perfil mais “punitivista”, ou seja, que tende a privilegiar os acusadores no julgamento. Agora, após a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que anulou as condenações do petista definidas pela Justiça Federal em Curitiba, o epicentro jurídico dos processos contra o ex-presidente se deslocará para a capital federal. Os casos deverão ser avaliados por um dos juízes de primeira instância da 10.ª ou da 12.ª Vara da Justiça Federal do DF, e só então serão remetidos ao TRF-1.
Não será a primeira vez que a corte sediada em Brasília avaliará um caso do ex-presidente. Em setembro, os desembargadores da 4.ª Turma do tribunal atenderam a um pedido de habeas corpus da defesa do petista e trancaram o andamento de uma ação penal. O caso é um desdobramento da operação Janus, de 2016, na qual Lula é acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de ter influenciado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a favorecer a empreiteira Odebrecht em empréstimos para obras em Angola. Para o relator, o desembargador Néviton Guedes, o MPF não reuniu provas suficientes para justificar a continuidade do processo.
Guedes segue na 4.ª Turma do TRF-1 — os casos de Lula deverão ser julgados na 3.ª e na 4.ª Turma, responsáveis pelos casos criminais. O colegiado de Néviton é integrado ainda pelos desembargadores Olindo Menezes e Cândido Ribeiro. Na 3.ª Turma, atuam os desembargadores Ney Bello, Mônica Sifuentes e Maria do Carmo Cardoso. Ambas as turmas possuem perfil “garantista”.
Em abril, outra decisão benéfica a Lula: a mesma 4.ª Turma absolveu nove pessoas acusadas em uma ação penal derivada da operação Zelotes da Polícia Federal; eram acusadas de “vender” medidas provisórias (MPs) para beneficiar setores da indústria automobilística em governos do PT. Entre os absolvidos está o lobista Alexandre Paes dos Santos, o APS. O lobista era considerado pelo MPF o pivô da acusação contra Lula na Zelotes. Segundo os acusadores, APS teria intermediado o pagamento de propina ao ex-presidente para a edição de uma MP em 2009, e a absolvição do lobista enfraqueceu a tese.
O TRF-1 também decidiu favoravelmente aos réus ou investigados em outros casos de crimes do colarinho branco. Em outubro passado, o tribunal trancou uma investigação contra o ministro Paulo Guedes (Economia) na operação Greenfield, por exemplo. Decisões anteriores favoreceram políticos como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (um habeas corpus, em 2015), e o ex-ministro Geddel Vieira Lima (prisão domiciliar, em 2017).
“A impressão que eu tenho do TRF-1, enquanto profissional que trabalha junto a ele, é a de que o nível de aceitação de teses da defesa é maior que, por exemplo, no TRF-4”, diz o procurador regional da República Alexandre Camanho, que representa o MPF em processos na corte, referindo-se aos julgamentos de casos de corrupção. O TRF-4 é onde são julgados em segunda instância os processos da Lava Jato no Paraná.
Para João Paulo Boaventura, também advogado criminalista, a comparação entre o papel do TRF-4 na Lava Jato e o TRF-1 nos casos da operação Zelotes mostra que a Corte sediada em Brasília teve “uma posição mais garantista”. “No geral, é um tribunal que evita chancelar o que decidem os juízes da 10.ª e da 12.ª Varas (da Justiça Federal do DF, que analisarão os casos de Lula), fazendo vista grossa para eventuais nulidades”, disse Boaventura.
Além de “garantista”, o TRF-1 também é considerado um dos tribunais mais lentos do País — o que pode acabar beneficiando Lula. O petista estará inelegível e não poderá disputar as eleições de 2022 se for condenado pela segunda instância antes de agosto do ano que vem.
“Não é nenhum segredo que o TRF-1 tem um problema histórico de organização. É, de longe, o tribunal mais lento do Brasil (…). Ao longo dos anos, vem somando problemas de acúmulo de processos, de falta de modernização. Por exemplo, enquanto no TRF-4 todos os processos são eletrônicos há mais de dez anos, no TRF-1 a maior parte dos processos criminais ainda são físicos”, diz o procurador Alexandre Camanho. Um dos motivos é a abrangência. Entre os tribunais regionais federais, o TRF-1 recebe os processos da Justiça Federal de 13 Estados e do Distrito Federal.
Um relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) identificou que gabinetes do TRF-1 contam com milhares de casos paralisados há mais de cem dias; não fazem controle efetivo de liminares concedidas; não monitoram o andamento de processos e não cumprem metas de produtividade fixadas pelo próprio CNJ.
O relatório diz respeito à inspeção realizada na presidência do TRF-1 e em quatro gabinetes escolhidos de forma aleatória em fevereiro do ano passado. Segundo o conselho, a demora do tribunal de iniciar um processo de digitalização “acarretou um visível prejuízo no avanço tecnológico do tribunal, além de perpetuar uma complexidade de sistemas judiciais para tramitar tanto processos físicos quanto eletrônicos”. O tribunal chegou a reduzir de 40 para 30 horas semanais a carga de trabalho dos funcionários terceirizados, alegando “dificuldades financeiras”.
No gabinete do desembargador Néviton Guedes, por exemplo, o CNJ apontou que “não há controle efetivo sobre as liminares” e que um número elevado de processos (3.755) estava paralisado há mais de cem dias. Segundo o conselho, processos já devidamente instruídos (quando todas as partes já foram ouvidas) aguardavam há mais de dois anos a elaboração de voto do desembargador.
Em outro gabinete, do desembargador Daniel Paes Ribeiro, a inspeção do CNJ constatou que 17.815 processos estavam paralisados havia mais de cem dias; que não era realizado controle de processos e que os casos com pedido de vista (mais tempo para avaliar) do desembargador há mais de 20 dias não eram fiscalizados pela própria equipe do magistrado.
Na época dos trabalhos avaliados, o desembargador Carlos Eduardo Moreira Alves comandava o tribunal. A inspeção do CNJ concluiu que não havia acompanhamento quanto a prazos e pendências existentes em processos do gabinete, que não era seguido o critério de ordem cronológica na análise de casos e que não havia metas de produtividade estabelecidas para os servidores.
O desembargador Néviton Guedes disse, em nota, que seu gabinete vem tomando medidas para melhorar o controle sobre os processos e aumentar a rapidez do trabalho. Disse ainda que muitos dos processos analisados são “de complexidade absolutamente acentuada”.
“Informo também que os componentes do gabinete, tanto o desembargador quanto seus servidores, trabalham com afinco e diuturnamente, avançando no horário noturno, muitas vezes aos finais de semana e feriados, e inclusive no período de férias, para dar conta de ações de grande importância e não menor urgência (como Habeas Corpus, mandado de segurança e apelações de réus presos)”, disse o desembargador, em nota.
A reportagem procurou também a presidência do TRF-1 ao longo desta semana para comentários, mas não houve resposta.
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