Compra de cloroquina em vez de vacina é 1o alvo da CPI
Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Senadores oposicionistas e independentes da CPI da Pandemia, maioria no colegiado, definiram como estratégia de atuação questionar falhas na aquisição de vacinas pelo governo federal e na aposta em medicamentos sem comprovação científica, como a cloroquina. Parlamentares governistas, por sua vez, querem destacar os repasses feitos a estados e municípios e possíveis desvios na aplicação desses recursos, tendo como um dos alvos o Consórcio do Nordeste.
Além dos ex-ministros da Saúde do governo Bolsonaro, em especial o general Eduardo Pazuello, um dos principais focos da oposição é convocar o ex-chanceler Ernesto Araújo, apontado como um ator que pode ter prejudicado a atuação do Brasil na aquisição de imunizantes no exterior por sua postura em relação a países como a China. E que só perdeu o cargo após pressão do Senado.
Segundo relatos feitos ao GLOBO, outra questão que será abordada é tentar provar que o governo, mais do que ter estimulado comportamentos contrários à prevenção da doença, agiu deliberadamente contra entes federativos e instituições na contenção da pandemia. O intuito é argumentar que a gestão Bolsonaro teria apostado na tese da imunidade de rebanho para agir.
Oposicionistas e independentes têm usado como base um boletim desenvolvido pela Universidade de São Paulo, em janeiro, que sustenta que o negacionismo do governo federal atrapalhou o combate à pandemia. O relatório feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a gestão de Pazuello é outro documento que deve ser solicitado.
Devem ser levantados, ainda, processos de compra de vacinas contra o novo coronavírus a fim de identificar aqueles em que o governo recusou ou demorou a firmar contratos, além de dados sobre a compra do chamado “kit covid” para verificar o quanto foi gasto com determinados medicamentos, como a cloroquina, o teor de contratos com farmacêuticas para a aquisição dos remédios e por que o Exército foi envolvido nessas ações. No último caso, o ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo pode ser ouvido.
Em fevereiro, o TCU cobrou explicações da Saúde e do Comando do Exército sobre a produção e distribuição de hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada contra a Covid-19. Além disso, deverá entrar na apuração o empréstimo de R$ 153 milhões do BNDES à empresa Apsen Farmacêutica para a produção de cloroquina.
— Temos que apurar, primeiro, por que a demora das vacinas no Brasil, por que um país com a nossa potência econômica está mendigando vacina, por que a gente não participou desses consórcios que foram formados. Em segundo lugar, vários fatos que aconteceram em vários estados, principalmente no Amazonas, sobre a falta de oxigênio — disse o futuro presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM).
O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) sugeriu aos colegas seguir uma ordem cronológica dos acontecimentos, começando pela gestão de Luiz Henrique Mandetta, passando por Nelson Teich e concluindo com Pazuello. Alguns parlamentares consideram ouvir também o atual ministro, Marcelo Queiroga.
Alessandro Vieira (Cidadania-SE), suplente na CPI, foi escalado para auxiliar o relator Renan Calheiros (MDB-AL) a montar o plano de trabalho. Segundo ele, existe uma ideia de criar sub-relatorias para ajudar a organizar os temas. O intuito, disse, é “montar um quebra-cabeça”, ouvir as pessoas que participaram do processo e assim ter um retrato do que o governo fez até aqui.
— Não comprou vacina, mas teve tentativa? Houve recusa? Isso tudo dá para materializar. Estamos fazendo esse passo a passo. E avaliar também as outras coisas que vão além da vacina, isolamento social, insumos, higiene pessoal, políticas econômicas adotadas, se foram suficientes ou se foram retardadas e contribuíram para que as pessoas se contaminassem ainda mais. Isso tudo junto leva a uma possibilidade de que o governo tenha optado por contaminar, para gerar a chamada imunidade de rebanho natural — disse Vieira.
Também integrante da CPI, Humberto Costa (PT-PE), avalia que o eixo principal “vai ser investigar se realmente o governo adotou uma tese de que era importante contaminar todo mundo para gerar essa imunidade coletiva”:
— De resto, vamos ver as ações do governo em torno disso, como a sabotagem de medidas de prefeitos e governadores, a não aquisição de testes, a perda de validade desses testes, a falta de equipamentos de proteção individual.
Entre os governistas, a ideia é tentar focar a atenção nos repasses dos recursos e tirar foco de eventuais omissões. O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) quer apurar possíveis desvios de recursos pelo Consórcio do Nordeste. Ele não descarta convocar governadores, secretários e até determinar a quebra de sigilo de envolvidos, se houver evidências para isso.
— Além das operações da Polícia Federal (em alguns estados), que a gente gostaria de se aprofundar, tem o Consórcio do Nordeste. É uma caixa preta, uma blindagem que ninguém sabe o que é. Eles compraram 300 respiradores em um momento delicado da pandemia e levaram calote — disse o senador.
Embora Girão se coloque como independente, a inciativa tem apoio dos senadores governistas.
— A questão toda é o recurso que saiu do governo foi aos estados e municípios, mas não foi aplicado. Já houve casos, em Santa Catarina e no Rio de Janeiro, que têm processos e afastamentos dos governadores. Têm outras pessoas também, e isso vai cair tudo nesse processo — disse o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), suplente na CPI.
Membros do governo temem que a CPI se debruce sobre declarações do presidente Jair Bolsonaro, que diversas vezes negou a gravidade da doença, se recusou a usar a máscara, causou aglomerações e incentivou o uso de remédios sem comprovação. Ministros tentam minimizar a repercussão dizendo que se trata de um julgamento político com o objetivo de expor o presidente e desgastar a imagem às vésperas da disputa eleitoral de 2022.
Em reunião no Planalto na última sexta-feira, Bolsonaro, em conversa com os ministros, demonstrou preocupação e alertou que vários poderiam ser convocados a prestar esclarecimentos.