CPI pôs Bolsonaro em pânico
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Jair Bolsonaro está em pânico com a CPI. A verdade é que não contava com ela. Sim, caros: CPIs, por si, não punem ninguém. Encaminham suas conclusões ao Ministério Público. Este que temos é o que é: Augusto Aras, procurador-geral da República, decidiu ser um escudo protetor do presidente. Seu braço direito na PGR, a subprocuradora-geral Lindora Araújo, próxima da família Bolsonaro, prefere voltar suas baterias contra os governadores. E a parte do MPF que não orbita em torno da dupla está empenhada em defender os próceres da extinta Lava Jato das ilegalidades que cometeram. É impressionante o que está em curso! O governo teme mais as consequências políticas da exposição de seus desatinos na comissão do que propriamente as consequências jurídicas— no curto prazo ao menos.
Afinal, o MPF, com notáveis exceções, parece ter esquecido o seu papel de defensor de direitos fundamentais. Ficou viciado no trabalho de polícia — aquele cantado em prosa e quase verso por Roberto Barroso no Supremo. Se não for para “caçar corruptos”, segundo interesses políticos determinados, não sabe o que fazer. E notem que esse papel de Polícia não está garantido pela Constituição. Decorre também dessa inércia a rotina aterradora a que estamos expostos: os absurdos de um dia são sempre superados pelos do dia seguinte. E vem a constatação: nada acontece. Nota: não! Isso nada tem a ver com o fato de que Bolsonaro escolheu o procurador-geral fora da lista tríplice; lista que não tem previsão constitucional, diga-se — a exemplo do papel de polícia exercido pelo MP, que é outra invenção. A instituição já havia perdido o rumo muito antes, quando decidiu fazer política. E pelas mãos de um procurador-geral que havia, sim, saído da tal lista inconstitucional. Mas volto ao eixo.
A CPI se transformou no único elemento de perturbação na paz dos cemitérios que marca o governo Bolsonaro. Não! O presidente não dará 400 mil mortos de presente às mães no dia que as homenageia, como eu havia antevisto. Essa fronteira do morticínio em massa será ultrapassada antes. A quantidade de aberrações cometidas pelo governo federal e seus valentes escandaliza qualquer pessoa com um senso de decência ainda que mínimo. E podem esperar: o presidente da República e seus Leporellos não passarão um só dia sem acrescentar alguma indignidade nova às anteriores.
Reportagem de Rubens Valente, no UOL, evidencia o buraco em que se meteu o país. O próprio governo, por iniciativa da Casa Civil, elaborou um roteiro com 23 questões/temas que considera que serão abordados pelos senadores na CPI. Distribuiu os itens entre 13 ministérios, cobrando que elaborem respostas. Não deixa de ser impressionante.
Ao fazer tal lista, o ministro Luiz Eduardo Ramos estabelece uma espécie de roteiro das incompetências e iniquidades do governo. O troço, em princípio, parece servir mais à oposição do que ao Planalto. Se a CPI ainda não tinha elaborado seu plano de trabalho, não precisa mais se dedicar a tal esforço. O trabalho de Ramos é menos uma estratégia de defesa do que uma confissão.
Aliás, fico imaginando a vergonha que não devem ter sentido — em havendo ainda capacidade de corar por lá — os procuradores da República ao tomar conhecimento da lista “Lista de Ramos”. Deveriam olhar-se no espelho, lembrar-se das atribuições do Ministério Público e constatar: “E isso tudo acontecendo bem debaixo do nosso nariz. Estamos tão ocupados em defender aqueles dos nossos que cometeram ilegalidades flagrantes; estamos com a cabeça tão enfiada no corporativismo atrasado; estamos nos dedicando com tal afinco em garantir o lugar de poder que conquistamos ao arrepio da própria Constituição, que acabamos deixando os brasileiros entregues à própria sorte. Vejam esta lista de Ramos. Ele está querendo o impossível: que se elaborem respostas para o irrespondível. E onde estivemos nestes dois anos e quatro meses?”
Pois é… Onde?
Transcrevo abaixo, leitores, a lista, conforme reportagem de Valente. Nem vou me dedicar a lembrar fatos que transformam em evidências aquilo que o general certamente considera acusações injustas. E, no entanto, uma das mais caras estruturas que compõem o Estado brasileiro — o Ministério Público Federal — está absolutamente ausente e inerme. O que se fez do caput do Artigo 127 da Constituição? A saber: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Vamos às culpas, que Ramos confessa, ainda que não tenha sido essa a intenção, em nome do governo:
1- O Governo foi negligente com processo de aquisição e desacreditou a eficácia da Coronavac (que atualmente se encontra no PNI [Programa Nacional de Imunização];
2- O Governo minimizou a gravidade da pandemia (negacionismo);
3- O Governo não incentivou a adoção de medidas restritivas;
4- O Governo promoveu tratamento precoce sem evidências científicas comprovadas;
5- O Governo retardou e negligenciou o enfrentamento à crise no Amazonas;
6- O Governo não promoveu campanhas de prevenção à Covid;
7- O Governo não coordenou o enfrentamento à pandemia em âmbito nacional;
8- O Governo entregou a gestão do Ministério da Saúde, durante a crise, a gestores não especializados (militarização do MS);
9- O Governo demorou a pagar o auxílio emergencial;
10- Ineficácia do PRONAMPE [programa de crédito];
11- O Governo politizou a pandemia;
12- O Governo falhou na implementação da testagem (deixou vencer os testes);
13- Falta de insumos diversos (kit intubação);
14- Atraso no repasse de recursos para os Estados destinados à habilitação de leitos de UTI;
15- Genocídio de indígenas;
16- O Governo atrasou na instalação do Comitê de Combate à Covid;
17- O Governo não foi transparente e nem elaborou um Plano de Comunicação de enfrentamento à Covid;
18- O Governo não cumpriu as auditorias do TCU durante a pandemia;
19- Brasil se tornou o epicentro da pandemia e ‘covidário’ de novas cepas pela inação do Governo;
20- Gen Pazuello, Gen Braga Netto e diversos militares não apresentaram diretrizes estratégicas para o combate à Covid;
21- O Presidente Bolsonaro pressionou Mandetta e Teich para obrigá-los a defender o uso da Hidroxicloroquina;
22- O Governo Federal recusou 70 milhões de doses da vacina da Pfizer;
23 – O Governo Federal fabricou e disseminou fake news sobre a pandemia por intermédio do seu gabinete do ódio.
Caramba!
Está tudo aí.
Basta fazer a lista de convocados.
E tudo isso aconteceu enquanto boa parte dos membros do Ministério Público ou estavam ocupados em defender a corporação ou se encontravam sentados na praça, dando milho aos pombos, como naquela música. E alguns, claro!, puxando o saco do bolsonarismo.
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