Marvel e DC lançam super-herois gays
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Símbolo patriótico desde que nasceu, há exatos oitenta anos, o herói dos quadrinhos Capitão América apareceu na capa da primeira edição, em março de 1941, derrubando Adolf Hitler com um soco. O gibi vendeu quase 1 milhão de cópias, foi replicado em inúmeras imitações e fincou o patriotismo no universo das HQs. Na história original, criada por Joe Simon e Jack Kirby, um soro milagroso faz do franzino Steve Rogers, um homem dos mais comuns, um soldado invencível durante a II Guerra. De lá para cá, vários outros indivíduos sem destaque vestiram o uniforme e escudo com as listras e a estrela tiradas da bandeira dos Estados Unidos e — tcharan! — assumiram a identidade e a patente do super-herói da Marvel. Agora, um Capitão América como nunca se viu se prepara para salvar o mundo: em junho, será encarnado nos gibis por Aaron Fisher, jovem gay com piercings e tatuagens por todo o corpo. Ele não será o único integrante da comunidade LGBT a se instalar no panteão dos fortões dos desenhos — tanto a Marvel quanto sua arquirrival, a DC Comics, anunciam estreias do gênero (com trocadilho) neste ano.
Aaron Fisher é o personagem principal da primeira edição da série limitada Os Estados Unidos do Capitão América, na qual Rogers, o América original, junto com capitães de outros períodos, empreende uma espécie de road trip em busca de pessoas que, como ele, defendem os fracos e oprimidos. Entra Fisher, o Capitão América das Ferrovias, que se dedica a proteger moradores de ruas, quase invisíveis para a sociedade (ferrovias abandonadas são tradicionais refúgios dos sem-teto americanos). O texto da história é obra do gay Josh Trujillo e os desenhos, da artista trans Jan Bazaldua. “Enquanto desenhava, pensava que o Capitão América que conhecemos está sempre salvando o mundo. Já Aaron ajuda os que andam pelas ruas, solitários e enfrentando problemas diariamente”, diz Bazaldua. “É muito gratificante ver gente de todo o mundo abraçando o novo personagem”, completa Trujillo a VEJA.
Outros homossexuais frequentam HQs há anos, mas sempre no segundo escalão da pirâmide super-heroica. O primeiro foi justamente da Marvel: Jean-Paul Beaubier, o Estrela Polar, surgiu em 1979, como parte do Tropa Alfa. Na época, sua sexualidade era apenas sugerida, por ordem dos editores — ele só saiu do armário em 1992, assim mesmo com o obrigatório selo Adults Only. Também estão fora da lista VIP de heróis Wiccano e Hulkling, integrantes dos Jovens Vingadores da mesma Marvel, que apareceram se beijando em um painel da Bienal do Livro do Rio de Janeiro, em 2019 — imbuído de fúria moralista, o prefeito Marcelo Crivella quis recolher todos os exemplares do livro, mas eles se esgotaram antes disso.
A indústria dos quadrinhos vem se mexendo nos últimos anos para atender à demanda por maior representatividade em seu universo branco e masculino — daí a introdução do Pantera Negra e da Capitã Marvel no cardápio de heróis. Uma pesquisa de 2017 analisou todos os então 34 476 personagens da Marvel e da DC e concluiu que apenas 26,7% eram mulheres (sendo a mais poderosa a curvilínea e decotada Mulher-Maravilha). Outro levantamento, de 2015, apontou que 79% dos profissionais dos quadrinhos eram brancos. Os consumidores também se encaixavam no grupo, até os gibis migrarem dos mercados e farmácias para lojas especializadas e caírem nas graças de um público mais variado.
A DC Comics, do Super-Homem e do Batman, igualmente planeja para junho, o mês do orgulho LGBT, o lançamento da DC Pride, uma coletânea escrita e desenhada por simpatizantes e integrantes da comunidade LGBT. Nela fará sua estreia como protagonista a super-heroína trans Dreamer, em uma história escrita por outra trans, a atriz Nicole Maines — uma incomum transposição para a revista impressa de um personagem saído da TV e interpretado pela própria Nicole em papel de apoio na série Supergirl. Faz parte da coleção DC Pride nove capas artísticas com referências LGBT, tenha ou não o herói envolvido alguma relação com a comunidade. Na lista contam, entre outros, Super-Homem e Mulher-Maravilha, que não têm, o Asa Noturna, que pode ter mas não assume, e Hera Venenosa e Arlequina, que já viveram um romance.
Embora a reação do público ao novo capitão tenha sido majoritariamente positiva, houve os previsíveis protestos em redes sociais e canais da internet. A rede conservadora Newsmax, que sonha em se tornar a nova porta-voz dos trumpistas americanos, em segmento sobre os novos quadrinhos lançou a pergunta “Onde o mundo foi parar?”, concluindo que os Estados Unidos estão “ficando malucos”. Para essa ala, é mais fácil aceitar comprovações enviesadas e absurdas de que a Terra é plana e de que a cloroquina funciona do que um herói gay. A torcida é para que o Capitão América consiga abrir os olhos para a bonita diversidade de nosso tempo.
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