1,3 milhão desiste de procurar emprego
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Quase 1,3 milhão de brasileiros deixaram de procurar emprego no primeiro ano da pandemia de Covid-19, apontam dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Esse contigente passou a integrar o grupo de trabalhadores desalentados no país –profissionais que estão sem emprego e que desistiram de procurar novas vagas por acreditarem que não terão vez no mercado de trabalho.
Na visão de economistas, o quadro reflete as dificuldades impostas pela pandemia à busca por trabalho.
As estatísticas fazem parte da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) e consideram o período do trimestre encerrado em fevereiro de 2020 –antes, portanto, do coronavírus se espalhar pelo Brasil– e o mesmo período de 2021.
Com esse acréscimo, o total de desalentados chegou a 5,952 milhões no trimestre encerrado em fevereiro deste ano, o maior da série histórica do IBGE, com dados desde 2012. Representa mais do que o dobro da população de Salvador (BA), de 2,9 milhões de habitantes.
Mesmo sem trabalho formal ou informal, o grupo não é considerado desempregado. É que, para as estatísticas oficiais, uma pessoa está desocupada quando segue em busca de recolocação profissional com ou sem carteira assinada. Isso não é feito pelos desalentados.
No trimestre até fevereiro, a população desempregada chegou a 14,4 milhões no país, outro recorde da série histórica.
“A pandemia expulsou parte das pessoas do mercado de trabalho, e elas não conseguiram voltar”, afirma o economista Hélio Zylberstajn, professor sênior da FEA-USP e coordenador do Projeto Salariômetro, da Fipe.
O pedagogo e educador físico Alexandre Cordeiro Figueira, 39, sentiu as dificuldades geradas pela Covid-19. Antes da pandemia, ele dava aulas de capoeira em escolas da rede privada e em projetos sociais em Porto Alegre (RS). Com a chegada da crise sanitária, as atividades foram paralisadas em 2020, e o trabalho de Figueira ficou inviabilizado.
Ele diz que, no momento, não faz busca ativa por emprego, devido à escassez de oportunidades em sua área. Para recompor parte da renda perdida, o morador da capital gaúcha chegou a participar de algumas aulas online e fez bicos com o sogro no setor de construção civil, mas tudo de forma “bem espaçada” durante a pandemia.
“A gente conversa com conhecidos sobre trabalho, mas a situação está bem difícil. Não existe aquela busca por emprego com esperança”, conta. “Desejo que a pandemia passe, e tudo volte ao normal. A melhor coisa é o contato com as pessoas”, acrescenta.
Professor do Insper, o economista Sérgio Firpo ressalta que o quadro provoca uma “depreciação do capital humano”. Segundo ele, além do fechamento de postos de trabalho, as restrições a deslocamentos na crise sanitária também favorecem a alta do desalento.
A paralisação de escolas é outro fator que pode afastar parte dos profissionais do mercado, pela necessidade de cuidar dos filhos em casa, completa Firpo.
“É como se estivéssemos jogando fora recursos humanos neste momento. O capital humano se deprecia porque não é utilizado. Isso tem efeitos perversos”, comenta.
Para especialistas, a alta do desalento reforça que o país ainda está distante de alcançar uma retomada consistente na economia e, especificamente, no mercado de trabalho.
“O mercado de trabalho reflete como lidamos com a pandemia. A vacinação tem demorado. Enquanto não vacinarmos a força de trabalho, vamos ter dificuldades”, relata Firpo.
Professora da Escola de Negócios da PUCRS, a economista Izete Pengo Bagolin vai na mesma linha. Ela salienta que a imunização é “básica” para a melhora do ambiente econômico. Conforme Izete, o governo federal também precisaria pensar em projetos que incentivassem a qualificação de trabalhadores e a saída do desalento no pós-pandemia.
“A mensagem até agora é a de que a recuperação ainda não ocorreu. Muitas pessoas foram severamente impactadas pela pandemia, com o afastamento do mercado de trabalho. Vivemos um período de incerteza. Esse ambiente contribui para a alta do desalento”, observa a professora.
Zylberstajn destaca que o nível de recuperação do emprego depende do avanço de investimentos produtivos, além da vacinação. Nesse sentido, o economista afirma que o país deve buscar novas concessões na área de infraestrutura. Projetos nessa área têm capacidade de espalhar estímulos em outros setores, lembra o professor.
“A primeira coisa é a vacina. E a segunda é o país voltar a crescer. Para isso, não tem jeito: é preciso atrair investimentos. O governo não consegue investir. A gente precisa de aportes privados para trazer o mercado de trabalho de volta para a vida”, argumenta.