Bolsonaro se aproveita de responsabilidade da oposição e convoca comícios eleitorais
Foto: ANDRE BORGES / AFP
A retomada, depois da instalação da CPI da Covid, dos atos públicos semanais, organizados por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e com sua presença, instalou um impasse na oposição: como organizar manifestações em reação sem repetir as aglomerações e os maus exemplos dados pelos bolsonaristas em relação ao comportamento exigido pela pandemia?
O tema tem sido cada vez mais discutido entre movimentos sociais e políticos, partidos e segmentos da sociedade contrários ao presidente, que se incomodam com o fato de que a rejeição a Bolsonaro é amplamente majoritária na sociedade, mas o respeito ao distanciamento social acaba por impedir que isso fique evidente.
Esses grupos têm consultado especialistas da Ciência a respeito de como promover manifestações, para além dos tuitaços ou panelaços, cujo efeito já se dissipou, em sua avaliação, sem contribuir para a disseminação do coronavírus nem deseducar uma população já bastante confusa em relação a que comportamento adotar diante de uma pandemia que não dá sinais de arrefecer.
Em um fio no Twitter, a epidemiologista Denise Garrett, enumerou medidas para se organizar manifestações ao ar livre em segurança: usar boas máscaras (de preferência PFF2), evitar interagir com pessoas de fora do seu grupo, levar álcool em gel, evitar colocar a mão no rosto etc.
Quem já participou ou já cobriu manifestações sabe que é impossível proceder como esses especialistas recomendam. Alguma das regras será facilmente infringida, se não a maioria.
A imprensa, que tem sido crítica aos atos de Bolsonaro, será cobrada, com razão, pelos bolsonaristas, a adotar o mesmo tom nos protestos contra o presidente: verificar a existência de pessoas aglomeradas e sem máscara e noticiar isso.
Outro risco: se forem seguidas à risca, as regras para evitar aglomerações levarão à impressão, nas imagens, de manifestações vazias, o que pode reforçar o discurso bolsonarista de força do presidente na sociedade.
Por fim, sempre existe a possibilidade de confrontos entre grupos de opositores e apoiadores do presidente, o que coloca os defensores da Ciência no dilema: como defender a realização de atos que contrariam todas as recomendações dadas até aqui, ainda mais diante da iminência de uma terceira onda em todo o país?
Bolsonaro sempre ignorou as curvas epidemiológicas da pandemia. Ele e seu governo seguem alheios à chegada da terceira onda, como ficaram na segunda. Mesmo com uma CPI instalada e evidenciando a cada depoimento as omissões e ações erradas de seu governo, desafia o país com demonstrações entre infantis e truculentas de uma força política que já não tem para além dos radicalizados e convertidos.
O correto, do ponto de vista científico e democrático, seria esperar que as autoridades e as instituições se encarregassem de conter essa escalada populista do presidente. Mas os fatos não parecem apontar nessa direção.
1. Parece pouco provável que o Exército puna Eduardo Pazuello, general da ativa que subiu sem máscara num carro de som ao lado de Bolsonaro;
2. O STF tem há mais de um ano um inquérito sobre atos antidemocráticos promovidos por Bolsonaro e bolsonaristas, sem que alguém tenha sido punido até agora;
3. Nada aponta para que o governo do Rio ou a prefeitura vão multar a Presidência da República ou os demais organizadores do ato do último domingo, que infringiu várias medidas sanitárias vigentes. Pelo contrário: a Polícia Militar foi destacada para dar tranquilidade aos manifestantes, inclusive escoltando representantes da imprensa para fora do ato, em vez de assegurar sua integridade física para que pudessem continuar seu trabalho;
4. Por fim, a CPI pode até tentar convocar os participantes de atos como o do último domingo, ou autoridades que não puniram sua realização, mas isso certamente ficará para o fim da fila dos requerimentos já apresentados.
Tem-se, assim, um impasse democrático: existe latente em vários setores da vida política e civil o desejo de responder às manifestações de Bolsonaro, mas isso esbarra em dilemas sanitários e institucionais. O debate está aberto em vários grupos, ainda sem consenso.