Bolsonaro tem histórico de defesa pública de tratamento falso

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Foto: Reuters

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) usou postagens nas redes sociais para defender a cloroquina e o chamado “tratamento precoce” contra a Covid-19, em média, uma vez por semana desde o início da pandemia.

As ações do governo Bolsonaro em relação aos medicamentos sem eficácia comprovada entraram na mira da CPI da Covid no Senado.

Nas suas contas oficiais do Facebook, Twitter e YouTube, Bolsonaro usou o nome de instituições, médicos e do próprio Ministério da Saúde para defender o uso da cloroquina.

“Conselho Regional de Medicina do Estado do Amazonas acaba de publicar Resolução 101 recomendando que o médico possa indicar uso da cloroquina e hidroxicloroquina para pacientes com Covid-19, em casos LEVES, moderados ou graves”, retuitou o presidente em abril do ano passado.

Naquela época, mesmo com estudos em andamento sobre a cloroquina, as entidades médicas pediam cautela e criticavam Bolsonaro por desrespeitar regras sanitárias.

O chefe do Executivo passou a publicar também todos os passos do governo para conseguir ampliar a oferta de cloroquina. Insumos liberados pela Índia para a fabricação do produto, impostos zerados para a importação do remédio, aumento e retomada da produção do medicamento por parte do Exército são alguns exemplos.

“@exercitooficial retoma produção de hidroxicloroquina. Foram mais de 1,25 milhão em menos de um mês. Os insumos provenientes da Índia voltarão a ser fornecidos em junho”, postou em junho.

A Folha mostrou que o governo federal mobilizou pelo menos cinco ministérios, uma estatal, dois conselhos da área econômica, Exército e Aeronáutica para distribuir cloroquina, incluindo também a hidroxicloroquina doada pelos Estados Unidos no governo Donald Trump.

Bolsonaro defende o uso não só da cloroquina, mas da ivermectina, vitamina D e a utilização desses medicamentos no chamado “tratamento precoce”.

“Aos primeiros sintomas procure um médico e inicie o tratamento precoce. – Não espere sentir falta de ar para tomar essa decisão de PROCURAR UM MÉDICO e iniciar o TRATAMENTO PRECOCE. – O Brasil é um dos países que tem o maior número de recuperados da COVID-19”, postou em novembro.

A defesa dos medicamentos sem eficácia, nas redes sociais, transcorreu durante a permanência dos três ex-ministros da Saúde e do atual, Marcelo Queiroga. Muitas postagens costumam ser feitas até mesmo em momentos delicados para o governo.

No dia em que o ex-ministro da Saúde Nelson Teich pediu demissão, houve uma postagem nas contas oficiais do presidente sobre o tema. A divergência sobre o protocolo do uso da cloroquina no combate ao coronavírus foi considerada a gota d’água para a saída de Teich.

“3,4 milhões de unidade de Hidroxicloroquina enviadas para todo Brasil. Lamentavelmente alguns estados tem recusado tais procedimentos. Desenvolve-se maneiras de maior ampliação na produção e compra do medicamento, hoje utilizado em todo mundo”, postou ao pontuar algumas ações do governo.

Bolsonaro defendeu a cloroquina até mesmo em períodos em que o governo deixava de negociar vacina. Como a Folha revelou, no intervalo de um mês, de 14 de agosto a 12 de setembro de 2020, foram ao menos dez emails enviados pela farmacêutica Pfizer discutindo e cobrando resposta formal do governo da oferta de doses.

Nesse período, por exemplo, Bolsonaro fez uma postagem fazendo chamada para uma live em que um dos assuntos seria “a China recomenda o uso da cloroquina”.

Com a CPI da Covid ainda em curso, Bolsonaro respondeu a senadores da comissão que criticam medicamentos sem eficácia comprovada que “não encham o saco”. O tema está entre os principais assuntos abordados pelo colegiado até o momento.

“Resposta aos inquisidores da CPI sobre o tratamento precoce: 1- Uns médicos receitam Cloroquina; 2- Outros a Ivermectina; e 3- O terceiro grupo (o do Mandetta), manda o infectado ir para casa e só procurar um hospital quando sentir falta de ar (para ser entubado)”, publicou Bolsonaro neste mês.

Foram ao menos 67 postagens diferentes sobre o tema no Facebook, YouTube e Twitter desde 26 de fevereiro de 2020, quando foi notificado o primeiro caso de Covid no Brasil. No levantamento, só foi considerada uma vez a postagem, mesmo que ela tenha sido publicada nas três plataformas.

No YouTube, foram contabilizados somente os vídeos que continham nome ou descrição com menção aos medicamentos. No Twitter foram consideradas as postagens e os retuítes na página oficial do presidente.

O levantamento feito no Facebook e YouTube foi realizado em parceria com o estúdio de análise de dados Novelo Data.

Ao mesmo tempo que defende esses medicamentos, Bolsonaro resiste a se vacinar contra a Covid e não respeita medidas restritivas que podem reduzir a circulação do vírus, causando aglomerações e não sendo adepto ao uso de máscaras.

Apesar do discurso de Bolsonaro não mudar, esses medicamentos que são usados há décadas já foram descartados pela comunidade científica e médica para o tratamento da Covid-19 por não demonstrarem capacidade de barrar o coronavírus, prevenir a doença ou tratá-la.

Nesta semana, a Folha teve acesso a um documento elaborado pelo Ministério da Saúde após revisão de estudos e diretrizes com especialistas. O parecer não recomenda o uso de medicamentos como a hidroxicloroquina, cloroquina, azitromicina, ivermectina e outros para tratamento de pacientes hospitalizados com Covid-19. O texto ainda será colocado em consulta pública.

Mesmo após essa avaliação inicial, Bolsonaro tem falado sobre o tema. Na última quinta-feira (20), disse que voltou a ter sintomas de Covid e tomou cloroquina sem consultar seu médico.

“Pelo que fiquei sabendo agora, o Pazuello [ex-ministro da Saúde] foi muito bem. Mas a CPI continua sendo um vexame nacional. Não querem investigar o desvio de recurso. Querem falar sobre —não vou falar o nome aqui para não cair a live— aquele negócio que o pessoal usa para combater a malária e eu usei lá atrás”, disse Bolsonaro em menção à cloroquina.

Temendo sanções das plataformas de redes sociais por estar promovendo um remédio sem eficácia comprovada no tratamento da Covid, Bolsonaro não falou o nome da droga e, em alguns momentos, referiu-se ao medicamento como “o que eu ofereci à ema”.

Ao menos sete postagens diferentes, que também foram contabilizadas no levantamento, já foram excluídas das redes sociais oficiais do presidente, sendo cinco do YouTube, duas do Twitter, uma do Facebook e outra do Instagram.

Em filmagem que foi apagada pelas três últimas empresas, ainda em março do ano passado, Bolsonaro citava o uso de cloroquina para o tratamento da doença e defendia o fim do isolamento social. No YouTube foram cinco lives que abordavam o tema.

As postagens são apagadas por gerar desinformação e não condizer com as políticas adotadas por esses canais de comunicação. Eles informaram, em nota, que estão alinhados com as orientações atuais das autoridades de saúde globais, como a OMS (Organização Mundial da Saúde).

O YouTube, por exemplo, tem tomado medidas mais duras sobre esse tipo de conteúdo. Segundo a atualização de regras que ocorreu neste mês, se uma pessoa postar um vídeo e ele for excluído pela plataforma, o dono do canal recebe um alerta.

Na segunda vez ele recebe um aviso e fica uma semana sem poder publicar. Na terceira vez, outro aviso e duas semanas sem publicar. Se houver um terceiro aviso em 90 dias, por conta de mais uma violação, a conta é excluída.

“A menos que haja contexto educacional, documental, científico ou artístico suficiente, a plataforma passará a remover vídeos que recomendam o uso de ivermectina ou hidroxicloroquina para o tratamento ou prevenção da Covid-19, fora dos ensaios clínicos, ou que afirmam que essas substâncias são eficazes e seguras no tratamento ou prevenção da doença”, disse em nota.

O governo Bolsonaro prepara um decreto —considerado ilegal por especialistas— para limitar a exclusão de conteúdos das redes sociais e engessar decisões dessas empresas. O texto impede que as companhias retirem informações do ar somente por julgarem que as próprias políticas foram violadas pelos usuários.

Folha de S. Paulo