Brasil pode dar ao mundo mutação do vírus resistente a vacinas

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Foto: CDC/Alissa Eckert

Desarticulação das políticas sanitárias, quarentenas que alcançaram pouca eficiência pela pressão do poder econômico, imunização nacional pulverizada e baixa cobertura relativa ao tamanho da população. Após quatro meses do início da vacinação contra a covid-19 no Brasil, em 17 de janeiro, técnicos fazem balanço e avaliam que o “jeito brasileiro” de responder à pandemia impõe agora a desconfortável posição de ter que lidar com um risco em perspectiva. Segundo três especialistas que já passaram pelo Ministério da Saúde, um deles no comando da pasta, se corrigidos meses atrás, muitos erros afastariam temores como o que já tira o sono de alguns: o país ser o berço de uma cepa do coronavírus resistente às vacinas.

Não se pode afirmar determinantemente que vá ocorrer, ponderam. De um patógeno que vem apresentando o comportamento imprevisível do Sars-Cov-2, inclusive passando a matar mais jovens, pode-se esperar o pior — mesmo que sua agressividade se atenue. Mas o surgimento de uma super cepa não é impossível, admitem sanitaristas. E o Brasil vem apertando todos os botões de comando para se pronunciar nessa direção, sob risco até de gerar mutação tão ou mais hostil que a indiana.

“Não temos como afirmar categoricamente que uma variante que resista a vacinas vá surgir no Brasil. Vírus mutam o tempo todo. Algumas dessas mutações podem nos ser favoráveis, outras não. Mas, em tese, a possibilidade existe, e precisamos trabalhar com diferentes cenários de risco”, afirma José Gomes Temporão, médico sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ex-ministro da Saúde.

No campo das dúvidas que uma pandemia descontrolada lança mesmo os mais renomados técnicos, eles não arriscam negar que a temida cepa da Índia chegou ao Brasil. “A falta de exigências para entrada de estrangeiros e de medidas preventivas nas fronteiras já podem ter aberto essa passagem”, diz Adriano Massuda, professor e pesquisador do Centro de Estudos em Planejamento e Gestão de Saúde da FGV-EAESP. Somente na sexta-feira, a Casa Civil da Presidência da República informou que prepara portaria para incluir voos com origem na Índia na lista de restrição para pouso no Brasil.

A grande frustração do médico sanitarista e de colegas, no entanto, é que o Plano Nacional de Imunizações (PNI), reconhecido mundialmente desde sua criação, em 1973, vem sendo subaproveitado. Aliado a medidas orientadoras e ações coordenadas de distanciamento social não tomadas nacionalmente, o programa poderia ter sido instrumento para que o país tivesse alcançado posição de destaque na resposta à crise de saúde.

Para Massuda e Temporão, a imprevisibilidade sobre como a vacinação vai avançar no país nos próximos meses se deve a falhas intencionais na resposta federal à pandemia e ao desprezo de Brasília por ofertas de laboratórios. “Vão deixar uma cicatriz no tecido social brasileiro que nunca vai ser removida”, afirma o ex-ministro.

Eles citam para ilustrar os 70 milhões de doses da Pfizer ignoradas pelo governo de Jair Bolsonaro. O tema, que na semana passada escandalizou parlamentares na CPI da Covid e a comunidade científica, está no centro da desordem na vacinação, já que a dificuldade de acesso do país a insumos e doses causa interrupções frequentes nas campanhas municipais.

Para dar conta de cobrir grupos prioritários, cidades e Estados fazem adaptações. E some-se à escassez de imunizantes, problemas que podem surgir com o avanço dos estudos. Na semana passada, por exemplo, São Paulo remanejou vacinas Coronavac e da Pfizer para assegurar a proteção de grávidas e puérperas com comorbidades, já que a vacinação desse grupo com o produto da Astrazeneca foi suspensa após intercorrência clínica que casou um óbito.

A inconstância no cumprimento do cronograma também leva muitos ao desalento e até a negligenciar a segunda dose. Associada à falta de sincronia intercidades na execução do PNI e priorização dos grupos, as paradas também prejudicam a meta de alcançar imunidade coletiva, o que especialistas calculam que só deverá ocorrer ano que vem. Para Temporão, se tudo tivesse sido feito como “manda o figurino”, já poderíamos ter hoje de 30% a 40% da população vacinada com duas doses.

O Brasil contabilizava, até este sábado, 16,7% da população vacinada com ao menos uma dose. O percentual posiciona o país em 9ª lugar entre 10 países, segundo o site Our World in Data (Oxford). Já no quadro que mostra a vacinação completa, o país tem 7,9% das pessoas imunizadas e permanece na mesma colocação. Para Massuda, a posição poderia ser muito melhor para uma nação que tem o PNI.

“Na medida em que não protegemos grupos mais vulneráveis como o esperado, eles desenvolvem a doença, continuam a transmitir, e isso propicia o surgimento de variantes, que podem ser mais perigosas”, alerta o médico sanitarista, que também atuou no Ministério da Saúde, como secretário executivo adjunto e secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos.

Segundo ele, uma cepa resistente às vacinas poderia se beneficiar do ambiente brasileiro. “Em geral, mutações virais são mais transmissíveis e menos patogênicas, produzindo casos menos graves. Mas com a variante P1 [amazônica] não foi assim, e ainda impactou faixas etárias mais jovens. Há um custo social e econômico alto que vai entrar nessa conta”, pontua.

Entre as fragilidades que levaram a uma vacinação fragmentada, uma falha na proteção contra essas ameaças, o ex-ministro da Saúde destaca o retardo na produção de imunizantes devido à falta dos princípios ativos que vêm da China — principal fornecedor mundial. Tanto o Instituto Butantan, de São Paulo, quanto a Fundação Oswaldo Cruz, do Rio, ainda dependem do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) importado.

Temporão classifica como sabotadora a postura da cúpula de Brasília em seus sucessivos ataques contra o país asiático. “Todo mundo sabia que o bem mais escasso do mercado na pandemia iriam ser as vacinas, que haveria uma corrida mundial”, diz ele, ressaltando o peso que a diplomacia tem nesse cenário. O ex-ministro adiciona outra complexidade que era prevista, a judicialização do acesso à vacina, que começa a ganhar amplitude e impacta o PNI.

Epidemiologista e cientista social, Carla Domingues, que coordenou o programa do governo entre 2011 e 2019, chama atenção para outra dimensão mencionada pelos colegas — a vulnerabilidade social e econômica da população brasileira como obstáculo à adoção de um lockdown. Para a pesquisadora, o governo deveria ter sido mais diligente e generoso ao conceder auxílio emergencial à população.

“É um valor irrisório. Quem pode sobreviver hoje com R$ 350 mensais, se um botijão de gás custa R$ 100?”, questiona. O benefício, que na primeira onda da pandemia foi fixado em R$ 600, hoje varia de R$ 150 a R$ 350.

Carla observa que, sem a mão forte do Estado dando garantias para que as pessoas fiquem em casa, resta aos mais pobres buscar sustento fora. “E ainda temos que lidar com essa irresponsabilidade da classe média, que em tese teria mais condições de colaborar, e aglomera”.

Para a epidemiologista, embora as taxas de transmissão tenham se reduzido nas últimas semanas, novas variantes, talvez mais agressivas, podem surgir, pois o Brasil oferece ambiente ideal para isso. Na avaliação de Carla, o país está virtualmente em risco de viver uma terceira onda. “Nosso ritmo de queda da curva [dos indicadores de casos] é muito lento, assim como o avanço da vacinação”.

O Ministério da Saúde foi consultado sobre seu posicionamento acerca da vacinação no país e sobre as medidas de combate à pandemia. A pasta, contudo, não respondeu dentro do prazo e até a publicação desta reportagem.

Valor Econômico

 

 

 

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