Burocracia e filas retardam vacinação nas capitais
Foto: Fernanda Canofre/Folhapress
Demora de até duas semanas para um laudo que comprove a comorbidade, filas nos postos de saúde e até recusa de paciente por causa do fabricante. Esses são os principais desafios enfrentados por quem tem menos de 60 anos e tenta conseguir a primeira dose da vacina contra a Covid-19 em algumas capitais brasileiras.
Apesar do aumento de doses produzidas e repassadas a estados e prefeituras, o ritmo de vacinação ainda é lento no país, em um momento em que o Brasil ultrapassa os 450 mil mortos pela doença e que as UTIs permanecem lotadas nos estados com pacientes críticos.
Na atual fase da vacinação na maioria das capitais, quem é hipertenso, diabético, cardíaco, obeso ou possui algum outro tipo de comorbidade e tem menos de 60 anos precisa mostrar um laudo médico ao chegar aos postos de saúde para receber a primeira dose do imunizante.
No Recife, em alguns casos, a espera para marcação de consulta médica, que permite a elaboração do documento, chega a duas semanas.
A lentidão no atendimento tem provocado filas. Nesta quinta-feira (27), na USF (Unidade de Saúde da Família) Sítio Grande, no bairro da Imbiribeira, pacientes esperavam do lado de fora porque não havia mais espaço no local.
Edvaldo Luiz da Silva tenta marcar consulta no local há 15 dias. “Tenho uma doença pulmonar obstrutiva crônica. Preciso de um laudo para que eu possa tomar a vacina. Sempre dizem que o médico vem tal dia e não vem.”
A dona de casa Simone Cássia Ferreira, 47, esperava na chuva, do lado de fora da unidade de saúde, há mais de três horas para receber atendimento.
“Eu preciso de um laudo para comprovar que tenho diabetes e, assim, poder marcar minha vacinação. É uma dificuldade muito grande. Rico consegue logo”, disse.
A Secretaria de Saúde do Recife informou que um dos médicos que atende na unidade está de licença por problemas de saúde. Um profissional de outra USF foi deslocado para reforçar o atendimento no último mês.
Em nota, destacou que o acolhimento na unidade acontece diariamente a partir das 7h, sem distribuição de ficha, e com marcação de consulta após o paciente passar por uma triagem.
No Rio de Janeiro, um dos entraves tem sido a recusa de alguns em tomar a vacina da AstraZeneca/Oxford. A cidade tem reservado a Coronavac para a segunda dose, uma vez que o Instituto Butantan não entrega novos lotes desde o dia 14, e tem poucas doses da Pfizer disponíveis, assim como o resto do país.
“A grande maioria toma, claro, mas tem bastante gente que vem até aqui e volta quando falamos que só está dando a AstraZeneca”, diz um funcionário na portaria de uma Clínica Municipal de Saúde em Copacabana. Ali, um homem decidiu sair da fila: “Vou para a Suíça e lá não estão aceitando essa, só a da Pfizer”, justificou.
No posto do Planetário da Gávea, também na zona sul carioca, outra mulher foi embora sem se imunizar, dizendo que tem uma doença autoimune e foi orientada por sua médica a não tomar essa vacina. Um homem também discutia com uma funcionária: “Então eu sou obrigado a tomar essa vacina?”.
Em Salvador, a espera chega a sete horas, como ocorreu com o pedreiro Aderval da Silva, 57, em ponto da Universidade Católica de Salvador, no bairro de Pituaçu, para receber a primeira dose da Pfizer.
“Antes, estava com receio de tomar a vacina por causa dos efeitos colaterais, mas meu medo de morrer, como tem acontecido com muita gente, é maior”, disse Silva. “O ruim é o sofrimento que a população tem que passar, porque não tem vacina para todos.”
Depois de Salvador ficar desde segunda-feira (24) sem vacinas, a manhã de quinta foi marcada por longas filas para a primeira dose. Na espera em Pituaçu, haviam lactantes até o 12o mês de amamentação, pessoas com 57 anos, caminhoneiros e portuários da Companhia das Docas da Bahia.
Já a fila de veículos para o drive-thru era de cerca de 2 km, o que gerou queixas de quem esperava. “Esta já é a segunda vez que tento. Na primeira, a vacina acabou. A gente fica aqui exposto a assalto, sem banheiro, debaixo de chuva ou sol, porque o governo [federal] não comprou vacina”, disse o motorista José do Amor Divino Filho, 57. Ele chegou ao local às 2h, para garantir o primeiro lugar.
Por meio de nota, o prefeito Bruno Reis (DEM) justificou que a falta de vacinas não é “culpa do prefeito nem da prefeitura”. “As vacinas não estão sendo enviadas na regularidade que esperávamos.”
Para atender a alta demanda, Salvador ampliou o horário de vacinação até as 21h, nesta quinta-feira (27), em nove pontos da capital baiana. No horário convencional, das 8h às 17h, a aplicação das vacinas foi realizada em 29 pontos.
Em Belo Horizonte, também formavam-se longas filas na manhã desta quinta em unidade do bairro Pompeia, na zona leste. Eram candidatos a imunização do grupo com comorbidade enfrentando dificuldades para comprovar a situação.
Em um intervalo de uma hora, a reportagem presenciou quatro pessoas que tiveram a vacinação recusada pelo mesmo motivo: falta de documentação.
Entre elas estava a advogada Ana Luiza Soares, 25, que sofre de asma e bronquite. Ela voltou meia hora depois para se vacinar, com um laudo do médico dela que confirmava o quadro e trazia a lista dos remédios para o tratamento.
“Tinha o laudo explicando qual a comorbidade, mas exigiram também a receita que especifica os remédios que tomo.”
A Prefeitura de Belo Horizonte reconhece que a checagem dos documentos demanda mais tempo, mas afirma ter feito ajustes no quadro de pessoal dos postos para que a comprovação dos documentos seja realizada por profissionais que não sejam os vacinadores, para tentar reduzir o tempo em fila.
Em Porto Alegre, a fila na Unidade de Saúde Modelo, uma das 12 a oferecerem a primeira dose da vacina da Pfizer, na quarta-feira (26), dobrava o quarteirão e não diminuía com o avanço no atendimento. A espera por atendimento levava cerca de uma hora.
Asmática, a zeladora Rosa Corina Rodrigues, 47, conseguiu o laudo atestando a comorbidade na última segunda, dia do seu aniversário, e aproveitou a primeira data com doses disponíveis nos postos desde então. “É um alívio. Quando eu conseguir [a vacina], sair dali com o braço dolorido, vou ficar feliz.”
Na capital, trabalhadores da saúde checavam, na fila, a documentação de quem ia se vacinar. Havia quem não conseguisse se vacinar por usar comprovante de endereço em nome de algum familiar, ter documentos incompletos ou não preencher todos os requisitos.
Como mostrou reportagem da Folha, a chegada da vacina da Pfizer em São Paulo gerou uma corrida aos postos de saúde, onde as pessoas ficavam até uma hora nas filas para receber o imunizante.
No dia em que foi disponibilizado esse imunizante, o município vacinou 193.335 pessoas, o maior número do último mês. A média de vacinação foi de 51 mil pessoas por dia em maio.
Com o desabastecimento da Coronavac devido à falta de insumos para a produção da vacina, foram as doses da Pfizer e da AstraZeneca que garantiram que o ritmo da vacinação em São Paulo não mudasse.
Nos últimos 30 dias, mais de 1,5 milhões de doses foram aplicadas na capital paulista, sendo cerca de 900 mil da AstraZeneca, 392 mil da Pfizer e 206 mil da Coronavac.