Capitã Cloroquina tentou fraudar seleção em universidade

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Foto: Reprodução

A secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Isabel Correia Pinheiro (foto em destaque) – conhecida como “Capitã Cloroquina“, por ser uma das principais defensoras, dentro do Ministério da Saúde, do chamado “tratamento precoce” contra o novo coronavírus –, já foi desclassificada de um processo seletivo por ter colocado, em seu currículo Lattes, um artigo que não era de autoria dela.

O processo ocorreu em 2008. Mayra havia se candidatado para ser professora de neonatologia do curso de medicina da Universidade de Fortaleza (Unifor), mas foi desqualificada logo na primeira etapa da seleção, após a suposta irregularidade ter sido descoberta. A atual secretária da pasta federal da Saúde disputava a vaga com mais quatro candidatos, e alegou “erro de digitação”.

O Metrópoles teve acesso ao relatório de análise curricular feito pela universidade fortalezense. A banca examinadora considerou se tratar de uma “inveracidade de natureza grave”.

No currículo, a médica se apresentou como autora do artigo “A Reanimação do Prematuro Extremo em sala de Parto”, que teria como coautores, segundo ela, Maria Fernanda Branco de Almeida e Ruth Guinsburg, publicado em 2005 no Jornal de Pediatria.

A autoria da publicação, na realidade, é de Maria Fernanda Branco de Almeida e Ruth Guinsburg – que foram indicadas pela candidata como coautoras. Mayra não teve nenhuma participação na produção do artigo. O nome dela não é nem mesmo citado pelas pesquisadoras ao longo do texto acadêmico.

“A banca constatou que, de fato, o artigo citado pela candidata não é de sua autoria”, assinalou o relatório, assinado pela professora Olívia Andrea Alencar Costa Bessa, coordenadora do curso de medicina da Unifor, à época dos fatos.

Na ocasião, a professora Olívia Bessa procurou a candidata, por telefone. Mayra informou, em carta enviada à coordenação do curso após a ligação, que teria havido “falha grave de digitação do currículo Lattes”.

A médica sustentou ter sido “colaboradora em parceria” com Maria Fernanda Branco de Almeida e Ruth Guinsburg em um outro artigo, intitulado “Ensino da Reanimação Neonatal em Maternidades Públicas das Capitais Brasileiras” (leia aqui), que havia sido publicado na mesma edição do Jornal de Pediatria.

De fato, o nome de Mayra Isabel aparece nos agradecimentos do texto científico – por, segundo os autores, “ajudar a viabilizar a concretização de todo o projeto de pesquisa, no qual se insere este artigo”.

A explicação não foi suficiente, no entanto, para evitar a desclassificação da candidata. No relatório de análise curricular, a banca examinadora destacou considerar a autoria, em uma produção científica, “elemento de mais alta relevância, especialmente em um ambiente acadêmico”.

“O uso indevido da citação de autoria de um artigo científico, quando da documentação da produção acadêmica de um candidato no processo seletivo em curso neste meio de registro, por si só, não atende aos critérios propostos neste processo de seleção, e que são utilizados indiscriminadamente para todos os candidatos, desta área de conhecimento, e de quaisquer áreas do processo em curso”, ressaltou a banca.

“Considerando, finalmente, que a veracidade do documento analisado é critério indispensável para o julgamento do currículo e que, neste sentido, o documento apresentado (currículo Lattes) não atende a este critério, a banca examinadora resolve desclassificar a candidata do processo”, prosseguiu.

Em 2009, Mayra Pinheiro entrou com uma ação no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) contra a Universidade de Fortaleza, para ser indenizada por danos morais devido à desclassificação. Na petição, ela alegou que membros da banca examinadora afirmavam para outros profissionais médicos que a autora era fraudadora de processos seletivos.

A atual secretária se disse bastante prejudicada com a decisão “abusiva e desarrazoada” da universidade.

“Requer que a ré [Unifor] seja compelida a expedir Carta de Retratação endereçada à autora e aos demais participantes do processo seletivo, informando que nenhuma fraude foi praticada pela suplicante, tendo ocorrido somente um equívoco na digitação do currículo, impondo multa cominatória em caso de inobservância dessa ordem; pede também publicação de retratação no jornal da Unifor e em jornal de grande circulação e, ainda, no mérito, reparação por danos morais no valor de R$ 15 mil”, assinalava a ação.

O juiz Luiz Roberto Oliveira Duarte, em 2013, considerou a petição “totalmente improcedente” e arquivou o processo. O magistrado asseverou que a responsabilidade pelos dados contidos no currículo é inteiramente da autora.

“Uma vez que se inscreveu para participar da seleção, utilizando-se de curriculum que continha imprecisão, atribuindo equivocadamente à promovente artigo que não era de sua autoria, a sua desclassificação do certame é, prima facie, exercício regular do direito da ré, sendo a decisão da Banca Examinadora condizente com as regras do processo seletivo, aliás, conforme a autonomia universitária”, disse.

“Todavia, o cerne da questão não está atrelado à decisão da universidade promovida em face do equívoco confessado pela própria parte autora, mas sim aos prejuízos de ordem moral sofridos pela requerente em virtude de divulgação do equívoco ocorridos na elaboração do seu curriculum”, complementou Luiz Roberto Oliveira Duarte, para concluir:

“O art. 5º da Lei nº 9.099/95 permite ao juiz dar especial valor às regras de experiência na apreciação da prova, e tais regras evidenciam que não há dano moral decorrente dos fatos acima comentados e consequentemente nem o que reparar no caso em exame.”

Procurada, Mayra Pinheiro esclareceu, na tarde de segunda-feira (17/5), em conversa com o Metrópoles, que um funcionário dela havia digitado o currículo apresentado na plataforma Lattes.

“Eu pedi para uma pessoa digitar o meu currículo. Na mesma revista, eu tinha um artigo, e foi digitado o artigo errado. Então, quem que vai ter interesse de, na mesma revista, ter um artigo e digitar o artigo de outra pessoa tendo o seu com o mesmo valor científico?”, ponderou a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.

A médica ressaltou ter entrado na Justiça contra a Universidade de Fortaleza para cobrar indenização por danos morais. Ela disse não saber, no entanto, como havia terminado o processo.

“Os currículos Lattes são muito extensos, e eu não tive o cuidado de revisar o que foi feito. Mas não houve falsidade ideológica. Isso foi comprovado, e eu entrei na Justiça por não poder participar. O importante é que eu consegui mostrar que não houve nenhuma tentativa de falsificação”, alegou Mayra.

Por fim, ela pontuou que, após o processo seletivo, fez concursos para a Universidade Federal do Ceará e, depois, para a Universidade Federal do Rio Grande do Norte. “Hoje eu leciono na universidade privada”, disse.

Metrópoles