Com falta de médicos, Brasil deixa médicos cubanos experientes parados
Foto: Fábio Vieira/Metrópoles
A médica Dóran Pérez Mesa desembarcou no Brasil em 13 de novembro de 2013. Ela integrava um grupo de cubanos que chegava ao país para compor o programa Mais Médicos, idealizado para amenizar a má distribuição de profissionais da área nos municípios brasileiros.
Antes de trabalhar por três anos em Porto Vera Cruz, interior do Rio Grande do Sul, distante 546 km de Porto Alegre, Dorán, de 41 anos, com especialização em medicina intensiva e da família, atuou por um ano no Paquistão, dois anos na Bolívia e três na Venezuela.
Devido ao rompimento de Cuba com o Mais Médicos no fim de 2018, após a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República, a médica, que permaneceu no Brasil, não exerce mais a profissão. “Tenho muita experiência na medicina. Eu sou especialista em saúde da família, sou emergencista, trabalhei muito em UTIs, e isso não é aproveitado”, afirma Dóran.
A cubana mal consegue conter a angústia de não poder exercer a profissão neste momento de pandemia. “O meu sentimento é de impotência e tristeza, porque tem muita coisa acontecendo, e eu não posso estar na linha de frente. Eu sei que a política se inclui em tudo, mas a saúde não deveria ser politizada”, assinala.
Apesar de os médicos já terem trabalhado por anos no Brasil, a atuação deles hoje está condicionada à realização de uma prova de revalidação de diploma, o Revalida. Desde o rompimento, entretanto, o exame, aplicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), teve uma etapa somente em dezembro de 2020 – as inscrições para a segunda fase estão previstas para o dia 31 de maio e vão até 4 de junho.
Neste tempo de espera pela prova, os médicos tiveram que se reinventar. Nos últimos anos, para sobreviverem no Brasil, passaram a trabalhar como atendentes de farmácia, motoristas de aplicativos, recepcionistas em clínicas médicas e faxineiros, entre vários outros ofícios. Foi o caso da médica Daylis Odio Milhet, que atuou no município de Ribeirão Pires, em São Paulo, por três anos, e hoje é recepcionista em uma clínica médica.
“É difícil para uma pessoa que estudou por seis anos, que por um tempo foi reconhecida no Brasil como médica, agora não ser mais. Depois do Mais Médicos, trabalhei como balconista em uma farmácia. Agora, sou recepcionista em uma clínica médica”, conta Daylis.
A médica chegou a voltar para Cuba em 2016, quando o seu contrato se encerrou, mas retornou para o Brasil em 2019, e aguarda pela segunda etapa do Revalida. “Estão faltando médicos para ajudar a população. A gente se sente impotente. Mesmo que tenhamos diplomas e conhecimento para tratar os pacientes, nós precisamos dessa validação para trabalhar”, pontua a profissional.
O exame de revalidação de diplomas deve ser feito por médicos estrangeiros ou brasileiros que se formaram em medicina no exterior. Atualmente, no Brasil, há ao menos 16 mil profissionais da área nessa condição, de acordo com ofício entregue ao Inep pelas organizações da sociedade civil Associação Compassiva, Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC), Conectas Direitos Humanos, Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), Missão Paz e Visão Mundial.
No documento, as organizações pedem celeridade na aplicação do exame, que, por lei, deveria acontecer semestralmente desde 2019. As organizações apontam que é alarmante a falta de médicos em algumas regiões do país, o que tem custado “inúmeras vidas e danos irreparáveis a muitas famílias”.
Na última sexta (7/5), o Inep também comunicou a abertura da inscrição para a primeira etapa do Revalida referente a 2021. As inscrições serão do dia 31 de maio a 11 de junho. A prova será aplicada no dia 5 de setembro. O instituto informou ao Metrópoles que “o Ministério da Educação e o Inep estão preocupados em reforçar as equipes médicas no enfrentamento da pandemia, logo, não pouparão esforços na realização do exame”.
Quanto ao atraso da aplicação da prova, o Inep ainda disse que, “em função do pico de contágio da pandemia do Coronavírus, o cronograma de realização do Revalida teve de ser readequado. A necessidade de adoção de isolamento social e de protocolos de saúde pública tem impedido a realização da segunda etapa em ambulatório de hospitais, de modo a evitar aglomeração de candidatos e da equipe de cerca de 300 colaboradores por local de aplicação da prova”.
De acordo com o Inep, dos 15.580 profissionais inscritos em 2020, apenas 2.402 foram aprovados na primeira fase. “Apesar de a segunda etapa ter um percentual maior de aprovação, a tendência é de um número bem menor de diplomas revalidados em comparação ao total de aprovados na primeira etapa”, afirmou o órgão.
Uma das questões apontadas pelas organizações é o valor da taxa de inscrição do exame. A primeira etapa custa R$ 330, e a segunda, R$ 3.330. A Conectas publicou nota na qual afirma que “é primordial que o instituto não coloque mais empecilhos para que os candidatos sigam no processo, como o valor anunciado para a taxa da segunda fase do exame, que ultrapassa R$ 3 mil”.
A organização ainda afirma: “A Lei do Revalida estabelece que o custo será limitado pelo valor da bolsa vigente do médico-residente, ou seja, esse é o teto, e não o piso, podendo o Inep cobrar um valor menor e mais condizente com as condições dos candidatos”.
O valor também é um impeditivo para que os médicos cubanos voltem a atuar no país. Sem trabalho, muitos deles veem o sonho do retorno à medicina cada vez mais longe.
“Não podemos falar que no Brasil tem uma comunidade médica, porque na comunidade tem irmãos, e todos se ajudam. Lá em Cuba, nós recebemos muitos médicos brasileiros, eu estudei com muitos brasileiros, e todos se ajudavam, nunca deixamos um brasileiro de fora”, afirma Dóran.
A médica desabafa: “Eu tenho contato com brasileiros que estudaram em Cuba, eles não concordam com o que acontece aqui, com o que o CFM está fazendo. Nós cubanos sabemos quem somos e o quanto estudamos”.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) é incisivo sobre a realização da prova. Para o órgão, não há possibilidade de atuação de pessoas formadas fora do país sem que haja uma avaliação do que sabem. De acordo com o médico Júlio Braga, conselheiro federal pela Bahia e coordenador da Comissão de Ensino Médico do CFM, “muitos desses profissionais que estudaram no exterior não tiveram uma formação prática, com pouca experiência em atender pacientes”.
“Não é solução colocar médicos com formação duvidosa para atender pacientes que necessitam de médicos na maioria das vezes com algum grau de diferenciação. Experiência em tratar pacientes graves, experiência ou título de especialista em terapia intensiva. Na atenção básica, em algumas situações, seguindo os protocolos e fazendo o atendimento primário pode até ajudar, mas vai impactar pouco nesse momento de pandemia”, afirmou Braga.
Para Camila Suemi Tardin, advogada e especialista em revalidação de diplomas na Associação Compassiva, é inquestionável a qualificação dos médicos cubanos e do ensino médico em Cuba. “Os médicos que trabalhavam no Mais Médicos nunca tiveram seus diplomas revalidados, mas tinham a autorização e o reconhecimento do governo de que suas habilidades eram suficientes para trabalharem como médicos no Brasil, principalmente em regiões mais remotas, lugares em que muitos médicos brasileiros não gostariam de atuar”, afirmou a profissional.
Dois projetos de lei que visam à contratação de médicos estrangeiros durante a pandemia estão em discussão na Câmara. Um, de autoria do deputado Aliel Machado (PSB-PR), que altera a “Lei da Covid-19″ para autorizar a recontratação de profissionais estrangeiros que já atuaram no país durante períodos de calamidade pública. O outro, do deputado Bacelar (Podemos-BA), que sugere a contratação de médicos brasileiros formados no exterior mediante “revalidação temporária e emergencial dos diplomas”.
O Brasil possui em média 2,27 médicos por mil habitantes. A Região Norte tem taxa de 1,30 – 43% menor que a média nacional. Na Região Nordeste, a taxa é de 1,69. Juntas, as regiões Norte e Nordeste têm os piores indicadores – todos os seus 16 estados estão abaixo da média nacional, segundo o estudo Demografia Médica no Brasil 2020, da Faculdade de Medicina da USP e do Conselho Federal de Medicina.
O documento aponta que sete das 27 unidades da Federação têm as maiores concentrações de médicos, mais de 2,50 profissionais por mil habitantes. Sudeste e Centro-Oeste têm as taxas mais altas, 3,15 e 2,74, respectivamente. Entre as UFs, o Distrito Federal lidera a lista, com 5,11 médicos por mil habitantes, seguido por Rio de Janeiro, com 3,70, e São Paulo, com 3,20.
O Mais Médicos foi uma resposta à desigualdade de distribuição de profissionais da área pelo país. Os cubanos atuavam nas regiões em que o número de médicos era crítico. Foi o caso da intensivista Silenays Villalon Batista, que trabalhou por dois anos em Brejinho, no Rio Grande do Norte. Antes de vir ao Brasil, ela lecionou medicina em Cuba e atuou na Guatemala e na Venezuela.
Em Brejinho, Silenays atendia cinco comunidades rurais. Desde 2018, com o fim da cooperação entre Brasil e Cuba, ela não exerce a medicina. A médica chegou a se inscrever no Revalida 2020, mas foi acometida pelo coronavírus e não pôde fazer a prova.
“É muito frustrante. Aqui no município tem falta de médicos, eu preciso trabalhar e não posso fazer nada”, enfatiza Silenays, que hoje trabalha como assistente administrativa de uma unidade básica de saúde.
O Ministério da Saúde informa que, em 2021, foram publicados editais totalizando 2.904 vagas para o programa Mais Médicos, com o objetivo de ampliar e fortalecer a assistência nas unidades de saúde da Atenção Primária em todo o país.
Atualmente, 1.065 vagas encontram-se desocupadas, em decorrência do término da vigência dos ciclos ou por solicitações de desligamento por parte dos médicos. Entre as vagas abertas, 105 estão na Região Norte, 422 na Região Nordeste, 101 no Centro-Oeste, 294 na Região Sudeste e 143 na Região Sul.
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