Defesa do voto impresso por Ciro é bolsonarismo sem Bolsonaro

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Foto: Ana Paula Paiva/Valor/Reprodução

A defesa pelo PDT de Ciro Gomes da impressão do voto eletrônico é o que de mais próximo já se produziu de um bolsonarismo sem Jair Bolsonaro. Ciro, que é pré-candidato à Presidência da República pelo PDT, tenta, com a proposta, atrair setores do eleitorado bolsonarista temoroso das “forças ocultas” que ameaçam o Brasil. Em 1961 esse discurso foi de Jânio, em 2018, de Jair Bolsonaro e, em 2022, Ciro Gomes quer que seja o seu.
É um movimento inverso àquele que moveu o almoço entre os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso. Se o petista e o tucano se aproximaram por descrer da capacidade de que uma terceira via se imponha na disputa eleitoral e passaram a defender uma união em nome da preservação da democracia, Ciro quer exatamente o contrário.

Ele acredita que possa ser o nome desta terceira via, mas, ao contrário de outros que postulam esta condição, como o governador de São Paulo, João Doria, ou o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta, Ciro parece querer tirar o lugar de Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais de 2022, adotando o seu discurso e seu desprezo pela transparência.

E qual é o problema do voto impresso? Primeiro que a proposta é ruim e perigosa para a democracia. Ciro diz que a impressão do voto permite que se audite as eleições. Mas a votação eletrônica já é auditável. As eleições de 2014 foram alvo de um pedido de recontagem dos votos pelo então candidato do PSDB, Aécio Neves. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) processou o pedido e constatou a lisura dos resultados.

Um dos melhores estudiosos de sistemas eleitorais do Brasil, o professor Jairo Nicolau (FGV-Rio), lembrou nesta sexta-feira no Twitter que as eleições de 1994 foram anuladas no Rio de Janeiro e em Alagoas por conta do volume de fraudes. Ao passo que, nenhum dos relatos de fraude nas urnas eletrônicas jamais foi comprovado. E o sistema, que já é muito seguro, evoluiu ainda mais com a biometria.

Trata-se de uma tentativa clara de fazer o Brasil retroagir numa conquista importante, que completa 25 anos e talvez uma das mais importantes que uma democracia pode ter: um sistema de votação confiável e seguro. O que Bolsonaro quer e Ciro agora subscreve é tumultuar o processo eleitoral, como, aliás, o ex-presidente americano Donald Trump tentou fazer em 2020 com a contestação do voto pelo correio.

A impressão do voto daria margem a inúmeras brechas para invalidar os resultados eleitorais. O comprovante poderia servir desde à venda do voto até à contestação de que o comprovante impresso não corresponderia àquele que foi registrado pelas urnas. Se não houver como contornar a descrença na urna eletrônica, Nicolau sugere que se adote uma amostra de 1% das urnas em que o eleitor pudesse ver a lista de seus candidatos através de um vidro não fotografável em que o voto cairia numa urna indevassável.

O pedetista se vale de seu histórico de democrata para dizer que sua bandeira não pode ser confundida com o obscurantismo. Trata-se, de fato, de um democrata, mas que resolveu mexer com fogo. A proposta de emenda constitucional que trata do tema já começa a ganhar adeptos no Centrão, esse bloco que descobriu no bolsonarismo uma forma de perpetuar no poder interesses privados não auditáveis. Foi isso que fizeram com a capitalização da Eletrobras a ser blindada com o amordaçamento das instituições de controle. Agora querem fazer o mesmo com o sistema eleitoral. Foi com esta trupe que Ciro resolveu se juntar.

Valor Econômico