Documentos e fatos mostram que Ernesto Araújo está mentindo à CPI
Foto: MATEUS BONOMI/AGIF/ESTADÃO CONTEÚDO
O ex-chanceler Ernesto Araújo afirmou na CPI da covid-19, nesta terça-feira, que o Brasil foi o primeiro a receber vacinas da Índia e que o governo atuou desde a definição da Covax da aliança mundial de vacinas, em junho de 2020. Mas os dados se contrastam com a narrativa apresentada pelo ex-ministro.
A primeira reunião da aliança de vacinas ocorreu ainda no mês de abril de 2020, sem a presença do Brasil. No encontro, que foi realizado com a OMS e a UE, nenhum diplomata brasileiro fez parte. Naquele momento, a coluna questionou o Ministério da Saúde sobre a ausência e a explicação foi de que o governo teria “outras alianças” sendo avaliadas. Nunca houve uma explicação sobre quais seriam essas “outras alianças”.
Em abril, de fato, a aliança ainda não era conhecida como “Covax”. Mas as negociações já existiam, com a participação de governos, inclusive latino-americanos. A ideia do consórcio também já havia sido estabelecida, assim como as regras do que seria a aliança.
Em seu lançamento oficial, em abril, o consórcio contou inclusive com a presidente da Comissão Europeia, Ursula van der Leyen.
Já Araújo afirmou: “Manifestamos, desde junho de 2020, a intenção de aderir ao consórcio Covax, tão logo essa iniciativa foi definida. E dela participamos desde então”.
Foi, de fato, em junho que o Itamaraty enviou uma carta à OMS solicitando que a participação do país fosse considerada.
Numa outra carta enviada no final de agosto para as entidades internacionais, o governo indicava que tinha interesse em fazer parte do projeto para adquirir vacinas para o equivalente a 20% de sua população.
Até o início de setembro, porém, o governo não havia definido se aderiria ao projeto, mesmo depois de enviar cartas de interesse à cúpula da OMS. Na véspera do fim do prazo final para a adesão aos contratos, o governo brasileiro ainda avaliava se iria fazer parte da Covax.
Quando foi definida a participação do país, a opção foi por comprar o mínimo de doses autorizadas no mecanismo, o equivalente a 10% da população nacional. A aliança permitiria que governos solicitassem até 50% de cobertura.
O motivo da hesitação se dividia entre a falta de flexibilidade no sistema de compra de vacinas, o valor, a falta de transferência de tecnologia, a baixa adesão de outros países e o fato de o Brasil já ter fechado um acordo à parte para ter a vacina produzida sob supervisão da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e da indústria farmacêutica AstraZeneca.
Durante a CPI, Araújo também não foi transparente em relação ao recebimento de vacinas da Índia. “Graças a nossa qualidade de relações com a Índia, fomos o primeiro país a receber vacinas exportadas por aquele país”, disse Araújo na CPI.
Os dados, porém, não se referem à realidade. Ao longo de semanas, o governo indiano enviou doses das vacinas do Instituto Serum para diversos outros países da região asiática, entre eles Butão, Bangladesh e outros quatro país.