Em baixa, Bolsonaro veste até cocar de índio
Foto: Marcos Correa / via REUTERS
Em viagem a São Gabriel da Cachoeira (AM), o presidente Jair Bolsonaro ignorou na quinta-feira uma antiga superstição do meio político: a de que colocar um cocar pode trazer má sorte. Em seu governo, não foi o único. Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, agora na mira da Polícia Federal em uma investigação que apura exportação ilegal de madeira, também já usou o adorno.
Na lista dos políticos que preferiram não arriscar está o ex-presidente José Sarney, que sempre se recusou a pôr o adereço. Um dos episódios foi com o cacique e ex-deputado federal Mário Juruna. Quando era presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves (PSDB) também recusou o cocar que recebeu de presente de um cacique caiapó que protestava contra a proposta do Estatuto do Índio em tramitação na Casa. Seu avô, Tancredo Neves, que usou o adorno em 1984, é um dos casos que alimentam a superstição no meio político, assim como Ulysses Guimarães, fotografado com o adereço em 1988, durante a Constituinte.
Entre os supersticiosos, outro exemplo apontado é o da então primeira-dama Ruth Cardoso. A antropóloga usou um cocar de penas de águia em 1995, em um encontro de mulheres indígenas, e menos de um mês depois quebrou o antebraço direito ao escorregar e cair no salão térreo do Palácio da Alvorada.
A superstição ultrapassou o meio político. Então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Cármen Lúcia foi presenteada com dois cocares em 2017, mas se esquivou quando um dos indígenas tirou o adereço da própria cabeça e fez menção de colocá-lo na dela. Na ocasião, ela disse que guardaria os presentes.
— Esse negócio pode ser usado por brancos? Vou guardar —disse ela, saindo pela tangente.
A ministra aceitou usar apenas uma outra peça decorativa em torno do pescoço. Os indígenas tinham ido ao Supremo acompanhar um julgamento sobre a permissão para atividades de mineração em parte de uma reserva no Pará, mesmo sem a implementação de plano de gestão econômica e de medidas compensatórias para as comunidades locais.
Apesar do receio no meio político, outros presidentes, assim como Bolsonaro, ignoraram a “tradição”. Dilma Rousseff usou o adorno em 2011 ao inaugurar uma ponte no Amazonas — mesma situação de Bolsonaro anteontem. Ela estava acompanhada do ex-presidente Lula, que também colocou um cocar. Dilma foi vaiada no evento ao citar o então prefeito de Manaus, Amazonino Mendes, nos agradecimentos. Ele era alvo de protestos do setor de transporte alternativo, devido a uma polêmica envolvendo o preço da passagem.
Já Lula, em 2006, na Presidência da República, até tentou evitar, mas acabou colocando um cocar em uma cerimônia no Palácio do Planalto. A solenidade ocorreu a seis meses da eleição em que ele acabou reeleito. O petista já havia usado o adereço em 2004, em outra cerimônia no Planalto. Em 1994, porém, Lula ganhou um cocar em Campo Grande (MS) e depois perdeu a disputa eleitoral.