Extrema-direita israelense insufla morticínio em Gaza por WhatsApp

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Foto: Ahmad Gharabli – 12.mai.21/AFP

Em 12 de maio, apareceu uma mensagem em um novo canal no WhatsApp chamado “Morte aos Árabes”. A mensagem pedia que os israelenses participassem de uma grande briga de rua contra cidadãos palestinos de Israel.

Em algumas horas surgiram dezenas de novos grupos no WhatsApp com variações do nome e da mensagem. Os grupos logo combinaram a hora de início, 18h, para um choque na cidade de Bat Yam, no litoral israelense.

“Juntos nos organizamos e juntos agimos”, dizia a mensagem compartilhada. “Diga a seus amigos para entrarem no grupo, porque aqui sabemos defender a honra judaica.”

Naquela noite, foram transmitidas cenas ao vivo de israelenses vestidos de preto quebrando vidros de carros e percorrendo as ruas de Bat Yam. Eles puxaram um homem que acreditavam ser árabe de dentro do seu carro e o espancaram até que perdesse os sentidos —ele foi hospitalizado em estado grave.

O episódio foi um de dezenas registrados em todo o país que as autoridades ligaram ao aumento da atividade de extremistas judeus no WhatsApp, serviço de mensagens criptografadas de propriedade do Facebook.

Desde que a violência entre israelenses e palestinos aumentou, na semana passada, pelo menos cem novos grupos se formaram no WhatsApp, manifestando a intenção de cometer violência contra palestinos, segundo uma análise do jornal The New York Times e do FakeReporter, grupo de ativistas israelense que estuda a desinformação.

Os grupos do WhatsApp, com nomes como “A Guarda Judaica” e “As Tropas da Vingança”, ganharam centenas de membros por dia na última semana. As mensagens, que são publicadas em hebraico, também foram apresentadas em listas de e-mail e painéis de mensagens online usados por extremistas de direita em Israel.

Aplicativos de rede social e mensagens já foram usados para disseminar discursos de ódio e inspirar violência, mas esses grupos no WhatsApp vão além, segundo pesquisadores. Eles estão explicitamente planejando e executando atos violentos contra cidadãos palestinos de Israel, que formam aproximadamente 20% da população e em geral vivem integrados com vizinhos judeus.

Isso é muito mais específico do que ataques anteriores instigados pelo WhatsApp na Índia, onde os apelos à violência foram vagos e geralmente não dirigidos a indivíduos ou empresas. Nem os grupos “Parem o Roubo”, nos Estados Unidos, que organizaram os protestos que levaram à invasão do Capitólio em 6 de janeiro, em Washington, dirigiram abertamente ataques usando redes sociais ou apps de mensagens.

A proliferação desses grupos no WhatsApp alarmou autoridades de segurança de Israel e pesquisadores da desinformação. Nas comunidades, os ataques foram cuidadosamente documentados, com membros muitas vezes se gabando de participar da violência, segundo a revisão feita pelo NYT. Alguns disseram que estavam se vingando dos foguetes disparados contra Israel por militantes na Faixa de Gaza, enquanto outros citaram queixas diferentes. E muitos pediram nomes de empresas de propriedade árabe que eles pudessem atacar.

“É uma tempestade perfeita de pessoas empoderadas que usam seus próprios nomes e números de telefone para propor abertamente violência e tendo uma ferramenta como o WhatsApp para se organizar em bandos”, disse Achiya Schatz, diretor da FakeReporter.

Ele disse que sua organização denunciou muitos dos novos grupos no WhatsApp à polícia israelense, que inicialmente não adotou medidas, “mas agora começa a agir e tentar impedir a violência”.

Micky Rosenfeld, porta-voz da polícia israelense, disse que “a polícia está acompanhando as redes sociais e monitorando movimentos no local”. Segundo ele, os israelenses estiveram envolvidos em alguns ataques, mas estavam geralmente “se protegendo” de ataques de cidadãos palestinos de Israel.

Segundo autoridades de segurança de Israel, a polícia começou a monitorar os grupos no WhatsApp depois de ser alertada pela FakeReporter. Uma autoridade, que falou sob a condição do anonimato, acrescentou que a polícia não viu grupos semelhantes se formando entre palestinos.

Os movimentos islâmicos, incluindo o Hamas, que controla a Faixa de Gaza, há muito tempo organizam e recrutam seguidores nas redes sociais, mas não planejam ataques nas plataformas por medo de ser descobertos.

Uma porta-voz do WhatsApp disse que o serviço de mensagens está preocupado com a atividade de extremistas israelenses. Segundo ela, a companhia removeu algumas contas de pessoas que participavam dos grupos.

O WhatsApp não pode ler as mensagens criptografadas, ela acrescentou, mas tomou medidas quando as contas foram denunciadas por violar seus termos de serviço.

“Nós tomamos medidas para proibir contas que possam estar envolvidas em causar danos iminentes”, disse ela.

Em Israel, o WhatsApp há muito é usado para formar grupos para que as pessoas possam se comunicar, compartilhar interesses ou planejar atividades escolares. Conforme a violência cresceu entre os militares israelenses e os militantes palestinos em Gaza na última semana, o WhatsApp também foi uma das plataformas onde se disseminaram informações falsas sobre o conflito.

As tensões na área estavam tão elevadas que novos grupos pedindo vingança dos palestinos começaram a surgir no WhatsApp e em outros serviços de mensagens, como o Telegram. Os primeiros grupos no WhatsApp apareceram em 11 de maio, disse Schatz. No dia 12, sua organização havia encontrado dezenas deles.

As pessoas podem entrar nos grupos através de um link, muitos dos quais são compartilhados com grupos já existentes no aplicativo. Depois que elas aderem a um grupo, outros grupos são anunciados.
Os grupos desde então aumentaram constantemente de tamanho, segundo Schatz.

Alguns ficaram tão grandes que se ramificaram em seções locais dedicadas a certas cidades. Para não serem detectados pela companhia, os organizadores pedem que as pessoas selecionem bem os novos membros.

No Telegram, os israelenses formaram aproximadamente 20 canais para cometer e planejar violência contra palestinos, segundo o FakeReporter. Grande parte do conteúdo e das mensagens nesses grupos imitam o que está nos canais do WhatsApp.

No fim de semana, o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, visitou Lod, cidade de população mista de árabes e judeus na região central do país, que foi cenário de choques recentes.

“Não há ameaça maior hoje do que esses tumultos, e é essencial trazer de volta a lei e a ordem”, disse.

Em alguns grupos do WhatsApp, os pedidos de paz feitos pelo premiê foram ridicularizados.
“Nosso governo é fraco demais para fazer o que é necessário, por isso tomamos a questão em nossas próprias mãos”, escreveu uma pessoa em uma comunidade dedicada à cidade de Ramle, no centro de Israel. “Agora que nos organizamos, eles não podem nos parar.”

Folha de S. Paulo