Família de Bolsonaro manda no governo
Foto: Roberto Jayme / Ascom / TSE
No gabinete instalado no terceiro andar do Palácio do Planalto, em viagens e eventos, os três filhos políticos de Jair Bolsonaro, diante de olhares dos interlocutores, preferem chamar o pai de presidente. O gesto, que sugere uma separação entre a vida pública e a rotina familiar, se resume a uma mera formalidade. Na prática, o senador Flávio (sem partido), o vereador do Rio Carlos (Republicanos) e o deputado federal Eduardo (PSL-SP) se valem do DNA para influenciar na tomada de decisões em assuntos sensíveis — e vêm expandindo o alcance da atuação.
Flávio, principal articulador político da família, já tinha as digitais em nomeações no Judiciário e em ministérios como Saúde e Cidadania, e agora ampliou a influência para a área econômica, até pouco tempo atrás blindada por Paulo Guedes. O presidente do Banco do Brasil, Fausto Ribeiro, foi promovido com o aval do senador, que também atuou na recente troca no comando da Previ. Carlos, por sua vez, retomou o protagonismo na comunicação, enquanto Eduardo voltou a ser ouvido com frequência nas discussões do governo sobre 5G e, após uma derrota com a saída de Ernesto Araújo do Itamaraty, teve um papel decisivo para que o assessor da Presidência Filipe Martins não fosse demitido após o episódio em que fez um gesto associado a supremacistas brancos durante uma audiência no Senado.
Na última semana, documentos enviados pelo Palácio do Planalto à CPI da Covid-19 confirmaram a participação de Flávio e Carlos em pelo menos cinco reuniões que discutiram o enfrentamento à pandemia do coronavírus. A comissão no Senado investiga a existência de um “gabinete paralelo” que possa ter definido as ações durante a crise sanitária.
Uma viagem prevista para a próxima semana reitera como as decisões de governo passam pela família. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, parte para os Estados Unidos no próximo sábado para uma série de visitas com o objetivo de discutir a segurança da tecnologia 5G, área de especial interesse da militância bolsonarista. Flávio e Eduardo foram convidados para a comitiva — no caso do senador, mais um avanço sobre temas nos quais não costumava ter participação frequente. O papel de Eduardo no debate foi retomado, e integrantes do governo avaliam que deve ter um peso importante, ainda que o parlamentar, formalmente, não esteja ligado à área — assim como não tem atribuição oficial na política externa, mas já foi chamado de “chanceler paralelo” e acompanhou o pai na semana passada em visita ao Equador.
Além do convite para a viagem, também partiu do ministro da Comunicações um afago a outro filho: em um evento no Piauí, defendeu a assiduidade de Carlos Bolsonaro no Palácio do Planalto, após senadores da CPI da Covid cogitarem convocá-lo a depor.
— Eles fazem isso porque sabem que Carlos Bolsonaro foi responsável pela eleição de Jair Bolsonaro. Apareça, Carluxo. Não fique no Rio. Fique do lado do seu pai, em Brasília — disse Faria.
A declaração ocorreu justamente após os rumos da narrativa do governo terem voltado às mãos de Carlos. O Zero Dois indicou o coronel da Polícia Militar André Costa como novo secretário especial de Comunicação. O órgão está no guarda-chuva da pasta de Faria, mas, após a mudança, passou a seguir orientações diretamente do gabinete presidencial. Carlos, apelidado de “vereador federal”, também comanda as redes sociais do pai e é responsável por orientar os integrantes do chamado “gabinete do ódio”, que atua justamente na internet e mobiliza a militância digital.
No caso de Flávio, a participação em indicações tornou-se mais evidente. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, por exemplo, é amigo do sogro do senador. O secretário especial de Esportes, Marcelo Magalhães, é padrinho de casamento do Zero Um — ao assumir a pasta da Cidadania, em fevereiro, João Roma, segundo interlocutores, foi avisado de que esta área era de indicação de Flávio. Aliados do senador dizem que ele recebe diversas pessoas no gabinete para pedidos de apoio, como nomeações em tribunais — no ano passado, Kassio Nunes Marques teve o aval do filho mais velho do presidente para conquistar a vaga na Supremo Tribunal Federal (STF).
No Banco do Brasil, as definições sobre o restante da cúpula também passaram por sua revisão, como a manutenção de Carlos Motta na vice-presidência de Negócios de Varejo e a escolha de Renato Naegele, funcionário aposentado do banco que trabalhava no gabinete do senador Wellington Fagundes (PL-MT), como vice-presidente de Agronegócio. O vice-presidente de Governo, Antônio Barreto, foi outro a receber as bênçãos de Flávio — o executivo já assessorou o ministro Onyx Lorenzoni, hoje na Secretaria-Geral da Presidência.
O protagonismo dos filhos no governo Bolsonaro é criticado por especialistas por misturar a atuação pública com interesses privados.
— Com esse poder, com essa força e com essa quantidade de áreas de interferência, é como se eles (os filhos) tivessem repartido a República. Isso é o patrimonialismo e está abrindo algo que corrói as instituições e a democracia — afirma a historiadora Heloísa Starling, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O cientista político Guilherme Casarões, professor da Fundação Getulio Vargas, acrescenta que a dupla função traz conflitos também porque Flávio, Eduardo e Carlos são parlamentares:
— Há um problema fundamental, que é a questão impessoalidade da administração pública, quando se começa a fazer política pública influenciado por interesses e aconselhamento dos filhos, que assumem um papel duplo, já que são também membros do Legislativo.
Considerado o mais articulado do clã, o senador tem as digitais em indicações para o Judiciário e em nomeações em ministérios, como Saúde, Cidadania, Turismo. Mais recentemente, expandiu a influência para o Banco do Brasil. Também assumiu as negociações para conseguir um novo partido para o presidente e deverá ser um dos coordenadores da campanha de reeleição. Na CPI da Covid, foi escalado para fazer o contraponto ao senador relator Renan Calheiros (MDB-AL).
Chamado de “meu marqueteiro” pelo próprio pai e de “vereador federal” na internet, Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) controla as redes sociais do presidente, traça a estratégia para a militância digital e dá as cartas da comunicação do governo. É um dos principais conselheiros de Bolsonaro e mantém pessoas de confiança no Planalto. Zero Dois também é uma espécie de inspetor do Planalto que checa a fidelidade ao pai e aponta possíveis traições de auxiliares e aliados. Durante a pandemia, participou de reuniões paralelas sobre o enfrentamento à crise sanitária.
Já foi chamado de “chanceler paralelo” em função da influência nas Relações Exteriores. Busca a aproximação com lideranças da extrema-direita no mundo, opina em temos como a tecnologia 5G e já criou conflitos com a China, principal parceiro comercial do país. Tem bastante influência em decisões como medidas para a flexibilização de armas, na Cultura e em Educação. Tem viajado por diversas cidades para divulgar o Instituto Conservador-Liberal (ICL), criado por ele para difundir as ideias da direita.