Jornalista bolsonarista apaga vídeos pró-cloroquinas
Foto: Reprodução
A jornalista Leda Nagle, 70, promoveu nos últimos dias uma limpa em seu canal no YouTube —o mesmo em que acumula entrevistas exclusivas com o presidente Jair Bolsonaro e seus três filhos políticos, o senador Flávio, o deputado Eduardo e o vereador Carlos.
Ela calcula ter deletado cerca de 60 vídeos de sua conta, que tem 1 milhão de inscritos.
“O YouTube me ‘pediu’ para apagar as lives que falassem de tratamento precoce, prevenção, hidroxicloroquina e ivermectina”, Nagle diz à Folha por mensagem de WhatsApp.
Ela põe “pediu” entre aspas porque diz ter visto a recomendação, segundo ela feita por vídeo e email, mais como ordem do que sugestão.
“Vou ser mega sincera contigo”, continua. “O YouTube me procurou e recomendou que eu seguisse as novas diretrizes da plataforma. Na verdade estou sendo muito injustiçada com estas reportagens e observações tentando me associar à CPI da Covid etc.”, diz a jornalista, admirada por circuitos bolsonaristas.
Entre o conteúdo apagado estão conversas com o toxicologista Anthony Wong, morto no início deste ano, a oncologista Nise Yamaguchi e a médica Lucy Kerr. Todos vozes ecoadas por bolsonaristas e defensores de remédios sem eficácia comprovada para tratar a Covid-19.
Em vídeo, Nagle diz que jamais deletaria uma entrevista com um convidado seu devido a um conteúdo polêmico.
“Mas tive que apagar, é mais ou menos assim. Quando você resolve crir um canal numa rede social, é como se você construísse uma casa num terreno alugado. E de repente o dono do terreno quer de volta um pedaço desse terreno, onde você já construiu algunss cômodos da caa, e você tem que demolir essas partes construídas.”
Se houve esse revés no YouTube, Nagle avisa ainda que colocará as “entrevistas mais polêmicas, proibidas” em seu site pessoal.
“Eu sou jornalista faz tempo. 48 anos. Passei pela ditadura. Nunca tive que tirar do ar nenhuma entrevista que fiz”, ela afirma à reportagem. “Me senti péssima, achei atitude muito desrespeitosa para comigo e para com meus entrevistados, todos eles muito qualificados. Sou a favor do jornalismo plural, que admite ouvir o contraditório.”
Nagle está recém-recuperada de uma “Covid pesada” e ainda não se vacinou, mas pretende. Conta também que não tomou nenhum medicamento de forma preventiva.
Popular na plataforma, ela faz parte de um programa de parcerias que permite monezitar o canal, ou seja, ganhar dinheiro com os vídeos. Parceiros são assessorados por um gerente, que pode ter sido o conselheiro que deu um toque na jornalista sobre materiais que ferissem a política do YouTube.
Em 3 de maio, Nagle teve um vídeo postado no ano passado removido à sua revelia, justamente por ferir a política do YouTube. A partir daí, passou ela mesma a excluir vídeos que julgasse sensíveis.
O site, junto com outras redes sociais, vinha sendo pressionado por ser permissivo demais com materiais falsos. Em abril, retirou do ar um vídeo no qual Bolsonaro dizia que a hidroxicloroquina e a ivermectina “têm dado certo” no tratamento à Covid.
No mesmo mês, a plataforma anunciou que derrubaria conteúdos que respaldassem tratamentos considerados ineficazes contra a doença pela ampla maioria da comunidade científica.
Em fevereiro, encerrou o canal bolsonarista Terça Livre, advertido em duas ocasiões por violar as regras da plataforma. O Terça é pilotado por Allan dos Santos, investigado pela Polícia Federal sob suspeita de propagar fake news.
Em abril, Nagle pediu desculpas por ter disseminado uma notícia falsa afirmando que o ex-presidente Lula tinha um plano para matar Bolsonaro. Disse que errou durante transmissão ao vivo para um grupo fechado que ela mantém batizado Clube da Notícia, no qual ela debate o noticiário com seguidores que assinam o serviço.
Várias lives do clube foram excluídas por ela na recente leva de vídeos apagados de seu canal.
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