O novo “Não vai ter Copa”
Foto: Givaldo Barbosa/Agência O Globo
A decisão de fazer a Copa América no Brasil anunciada nesta segunda-feira surpreende por o país estar ainda em uma crise sanitária grave como a dos países vizinhos, com risco sério de uma terceira onda no mês que vem, quando está previsto o torneio. O tema vai para as ruas, como foi a Copa do Mundo, alvo de protestos com o slogan “Não vai ter Copa” quando a infraestrutura para o campeonato ainda era preparada, a partir de 2013?
O deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG) já anunciou que irá ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Copa América, por causa da pandemia. O governo de Pernambuco divulgou nota rejeitando jogos no estado, imediatamente após a escolha, e os da Bahia e São Paulo não querem jogos com público.
Os governadores dos três estados são opositores ao presidente Jair Bolsonaro, mas não é possível dizer que se trata de uma posição política, em vez de um cuidado obrigatório com a saúde da população. O problema é que em um país em que o enfrentamento contra a Covid-19 foi politizado por Bolsonaro, as linhas foram apagadas na percepção de parte do público.
Ainda que os jogos sejam realizados com os estádios vazios, pode-se esperar movimentação de delegações das equipes estrangeiras, em um país que apresenta falhas em rastrear e controlar a chegada de pessoas infectadas e novas cepas, como mostra o caso da variante indiana detectada no país na semana passada.
A oposição vai tentar um “Não vai ter Copa América” em novos protestos como os de sábado? Sempre há um risco de se antipatizar com boa parte da população. A fórmula do poeta romano Juvenal de que “pão e circo” garantem apoio popular virou um clichê na política porque os clichês servem para resumir e descrever realidades que se repetem.
Mas neste caso, Bolsonaro seria deixado livre para retirar dividendos políticos, como o governo Médici com o tricampeonato no México em 1970 ou mesmo o governo Dilma Rousseff em 2014? O presidente vai tentar. Mas as situações são muito diferentes. A Copa América não é uma Copa do Mundo. A repressão política da ditadura não era percebida como um problema pela maioria da população, ainda na onda do “milagre econômico”. E tanto Dilma como Médici nunca tiveram de lidar com uma pandemia que matou mais de 460 mil pessoas. O clichê do pão e circo vai servir para descrever a Copa América da Pandemia?