Pazuello não quer ir para a reserva
Foto: Adriano Machado
Integrantes do Alto Comando do Exército pressionaram o general Eduardo Pazuello para que ele tomasse a iniciativa de pedir a transferência da ativa para a reserva e ouviram do ex-ministro da Saúde que ele não tem essa intenção no momento.
A resistência, segundo relatos feitos por Pazuello, deve-se ao fato de ele ser hoje o foco principal da CPI da Covid no Senado.
Generais do Alto Comando, todos eles da mais alta patente, de quatro estrelas, tiveram conversas com Pazuello, um general de três estrelas.
As conversas foram no sentido de buscar a transferência do militar para a reserva, após a participação do ex-ministro em um ato político no domingo (23), ao lado de Jair Bolsonaro. O general fez um discurso em que exaltou o presidente.
Até o fim da tarde desta terça-feira (25), as conversas haviam sido infrutíferas. Pazuello disse a interlocutores que não pretendia pedir a transferência para a reserva.
O general teme ficar em desvantagem na relação com os senadores de oposição ou independentes da CPI da Covid. Esses congressistas são maioria no órgão e devem aprovar nova convocação de depoimento de Pazuello.
Isso não significa que a ida à reserva esteja descartada. A pressão prossegue, diante do entendimento de que a participação em um palanque político foi uma evidente transgressão disciplinar, com o pior recado possível a militares de patentes inferiores.
Um procedimento formal foi instaurado pelo Comando do Exército para apurar a conduta do ex-ministro. Pela lei, ele tem três dias úteis para apresentar uma resposta por escrito.
A punição pode ser uma advertência, repreensão, prisão ou exclusão dos quadros, de acordo com gravidade e atenuantes do caso, previstos em lei.
A decisão sobre punição é do comandante da Força, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. Se ele não agir, também pode ser enquadrado como transgressor, conforme o regulamento disciplinar do Exército.
Segundo integrantes do Alto Comando, Pazuello não pode ser mandado compulsoriamente para a reserva. Esse gesto deveria partir dele, conforme esses generais.
Mesmo depois de Pazuello ter subido em um palanque político, ter tomado posse do microfone e ter feito um discurso em que exaltou o presidente, o Ministério da Defesa e o comando do Exército permaneceram em absoluto silêncio sobre a transgressão disciplinar do militar.
O gesto de Pazuello foi semelhante ao do general Walter Braga Netto, ministro da Defesa. Oito dias antes, ele também subiu em um palanque de Bolsonaro e discursou para apoiadores do presidente em Brasília.
O ato de Braga Netto é raro para quem ocupa o cargo de ministro da Defesa, a quem estão vinculadas as Forças Armadas. O ministro, em seu discurso, chegou a usar o nome das corporações ao se dirigir aos apoiadores.
Seu antecessor, general Fernando Azevedo e Silva, demitido por Bolsonaro em março, chegou a sobrevoar um ato de apoio ao presidente e contra a democracia.
A diferença é que Pazuello está na ativa, e Braga Netto e Azevedo, na reserva. O decreto de 2002 que institui o regulamento disciplinar do Exército prevê como transgressão disciplinar a manifestação política por militar da ativa.
Trata-se da transgressão de número 57: “Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”.
O Estatuto dos Militares, uma lei em vigor desde 1980, veda “quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político”.
No fim da manhã de domingo, Pazuello subiu sorridente ao carro de som onde estava Bolsonaro, no Rio de Janeiro. Pouco antes houve um passeio de moto com apoiadores, do Parque Olímpico ao aterro do Flamengo. O percurso teve 40 km. Ao fim, houve discurso aos apoiadores.
O gordo, como Bolsonaro se referiu a Pazuello, retirou a máscara assim que atingiu o topo do palanque. E fez um discurso curto aos apoiadores.
“Fala, galera”, introduziu o general da ativa. “Eu não ia perder esse passeio de moto de jeito nenhum. Tamo junto, hein. Tamo junto. Parabéns pra galera que está aí, prestigiando o PR [presidente]. PR é gente de bem. PR é gente de bem. Abraço, galera.”
O ato político foi imediatamente classificado como descabido por generais que integram o Alto Comando do Exército. Eles passaram a trocar impressões por telefone e a cobrar uma punição rápida ao ex-ministro da Saúde, respeitando os prazos para a defesa formal.
O domingo inteiro ficou sem posicionamento do Ministério da Defesa e do Comando do Exército. Na segunda-feira (24), o ministro se reuniu com o comandante. Ficou acertado ali que o ministro continuaria submerso. E que caberia ao Exército apresentar uma manifestação pública sobre o episódio.
Generais do Alto Comando foram avisados de que haveria a divulgação de uma nota pública, atendendo a um anseio desses militares, que entendiam existir a óbvia necessidade de explicação e posição sobre o que ocorreu no domingo.
A nota seria divulgada entre o fim da tarde e início da noite de segunda. O plano foi abortado. E o Comando do Exército optou pelo mesmo silêncio do Ministério da Defesa. Até o começo da noite de terça, não houve divulgação de nenhuma nota.
Pazuello seguiu na ativa tanto durante o exercício do cargo de ministro quanto após sua demissão, em março. Ele voltou ao Exército para uma função burocrática.
O propósito do regulamento disciplinar, conforme a lei, é preservar a disciplina militar. Existe disciplina quando há “acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições”, como consta do decreto.
Para julgar uma transgressão, são levados em conta aspectos como a pessoa do transgressor, a causa, a natureza dos fatos e as consequências.
Se houver interesse do sossego público, legítima defesa, ignorância ou atendimento a ordem superior, a transgressão pode ser desconsiderada, o que não parece se enquadrar no caso de Pazuello.
POSSÍVEIS TRANSGRESSÕES DE PAZUELLO
O regulamento disciplinar do Exército, instituído por decreto em 2002, se aplica a militares da ativa, da reserva e a reformados (aposentados). Um anexo lista 113 transgressões possíveis
A transgressão de número 57 é a que mais compromete Pazuello: “Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária.” Não há informação, até o momento, de que Pazuello tivesse autorização de seus superiores no Exército para a manifestação política a favor de Bolsonaro
Outras transgressões listadas são “faltar à verdade ou omitir deliberadamente informações que possam conduzir à apuração de uma transgressão disciplinar”; “portar-se de maneira inconveniente ou sem compostura”; e “frequentar lugares incompatíveis com o decoro da sociedade ou da classe”
O comandante do Exército, a quem cabe aplicar a punição, pode cometer uma transgressão disciplinar se deixar de punir o subordinado transgressor, segundo o mesmo regulamento
O propósito do regramento, conforme a lei, é preservar a disciplina militar. Existe disciplina quando há “acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições”;
Para julgar uma transgressão, são levados em conta aspectos como a pessoa do transgressor, a causa, a natureza dos fatos e as consequências. Se houver interesse do sossego público, legítima defesa, ignorância ou atendimento a ordem superior, a transgressão pode ser desconsiderada, o que não parece se enquadrar no caso de Pazuello
O acusado tem direito a defesa, manifestada por escrito. O bom comportamento é um atenuante. As punições vão de advertência e repreensão a prisão e exclusão dos quadros, “a bem da disciplina”
O caso de Pazuello pode se enquadrar ainda no Estatuto dos Militares, uma lei em vigor desde 1980. O artigo 45 diz que “são proibidas quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político”