Possível nova pandemia na China ameaça economia mundial
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A forte redução da epidemia de covid-19 nos EUA e na Europa está propiciando um início de normalização nesses países. Isso vem gerando uma onda de otimismo global. Mas há um risco importante, talvez subestimado: o avanço da doença na Ásia, que pode ter impacto econômico negativo significativo. Especialmente se a China for atingida.
A Ásia, em especial a região do Pacífico, saiu-se muito bem durante a epidemia, apesar de ter sido a primeira área a ser atingida. Juntos, Indonésia, Filipinas, Malásia, Coreia do Sul, Tailândia, Vietnã, Taiwan e Japão tiveram 4,36 milhões de casos confirmados de covid-19 até ontem. Isso é apenas 27,5% dos mais de 15,8 milhões de casos do Brasil. Juntos, porém, esses países asiáticos têm 763 milhões de habitantes. Em número de mortes, a diferença é ainda mais gritante. Esses países somam 85.240 vítimas fatais da epidemia, pelos dados oficiais de ontem, cerca de 19,2% das mais de 440 mil mortes no Brasil. A China, onde a epidemia começou, é um caso à parte, tendo mantido níveis baixíssimos de contágio desde a contenção do surto inicial.
Há várias explicações para esse sucesso da Ásia. Por ter sofrido com as epidemias mais recentes, como a de sars, a região estava mais preparada. Os orientais não têm o hábito de se tocarem, com apertos de mão ou beijos, e tendem a seguir com mais rigor orientações das autoridades. Além disso, já era comum em vários países as pessoas usarem máscara quando estão com alguma doença respiratória. Vários países barraram a entrada de estrangeiros ou adotaram controles muito rígidos de desembarque do exterior, com quarentena compulsória. Especula-se ainda que poderia haver algum tipo de imunidade na região devido ao contato com outros tipos de coronavírus.
A China, ademais, montou um sistema de reação rápida que inclui internação compulsória de casos suspeitos, um controle severo de deslocamentos, “lockdowns” rígidos de bairros ou cidades inteiras onde há surtos, com bloqueios de entrada e saída, uso de pessoal de empresas estatais etc. É uma mobilização de guerra dificilmente replicável num regime não autoritário.
De dois meses para cá, porém, a região do Indo-Pacífico começou a registrar aumentos importante nos número de casos de covid-19 e de mortes. O exemplo mais evidente é o da Índia, que já é o segundo país com mais casos confirmados, atrás só dos EUA, e o terceiro em número de mortes, atrás de EUA e Brasil. Especialistas alertam que os números da Índia são muito subestimados e que quadro real da epidemia lá é bem pior.
Em escala menor, outros países estão sofrendo também. A Malásia registrou ontem recorde de casos e mortes pelo terceiro dia seguido. Japão, Taiwan, Vietnã e Tailândia também vivem disparada de infecções. Este, sem dúvida, é o pior momento da Ásia na pandemia.
Não está totalmente claro por que essa nova onda está ocorrendo agora. Mas é possível que se deva a novas variantes do coronavírus, como a que surgiu na Índia, mais transmissível.
Isso obrigou os países da região a adotarem medidas de restrição de atividades e de isolamento social. A Malásia está de “lockdown” nacional. O governo da Índia reluta em decretar um “lockdown” nacional, mas a maioria dos Estados no país já adotou medidas equivalentes. Taiwan elevou ontem as restrições para o nível 3, numa escala que vai até 4. As principais áreas metropolitanas do Japão estão em estado de emergência, com várias atividades suspensas. Nas Filipinas, o presidente Rodrigo Duterte mandou prender quem estiver sem máscara em público. Cingapura teve de adiar a volta de voos do exterior devido ao aumento do número de casos.
Para dificultar ainda mais, como a epidemia estava até há pouco sob controle, a região adiou a compra de vacinas. Com isso, a vacinação está muito lenta na maioria dos países. Enquanto os EUA já aplicaram ao menos uma dose em quase metade da sua população, e o Brasil, em quase 18%, o Japão vacinou apenas 4,14%, a Indonésia, 5,11%, a Malásia, 4,36%, Taiwan, ínfimos 0,14%. Até gigantes produtores de vacina ficaram para trás. A Índia vacinou pouco mais de 10%. A China, que acelerou o esforço nas últimas semanas, cerca de 33%. Nas últimas semanas tem havido uma corrida à vacina em toda a região.
O resultado disso é um esfriamente econômico na região. O Japão teve uma contração do PIB de 5,1% (em termos anualizados) no primeiro trimestre, pior do que se esperava. E deve ter nova queda neste segundo trimestre, entrando em recessão. O mesmo pode acontecer com outros países. O PIB das Filipinas caiu 4,2% no primeiro trimestre. O da Malásia, 0,5%. O da Tailândia, 2,6%. Vietnã, Coreia do Sul e China continuam crescendo, mas o ritmo está desacelerando. No caso da Índia, terceira maioria economia asiática (atrás de China e Japão), o PIB deve cair neste trimestre, e as projeções de crescimento deste ano e de 2022 estão sendo rebaixadas.
Para o resto do mundo, a desaceleração econômica da região mais dinâmica do planeta traz uma série de riscos. O primeiro é o de uma redução da demanda no maior mercado global. Isso poderá ser em parte compensado pelo aumento de demanda nos EUA e na Europa, mas é incerto. Uma perspectiva de demanda menor na Ásia pode afetar o recente movimento de alta das commodities.
Além disso, há riscos no lado da oferta. A economia mundial já sofre com escassez de vários insumos, devido principalmente à disrupção das cadeias de produção causada pela pandemia. Essa escassez pode se agravar se a estrutura produtiva de países importantes da Ásia for prejudicada. Há sinais de que isso pode estar acontecendo. O Vietnã, para onde está migrando parte da produção que deixa a China, fechou nesta semana um importante “cluster” industrial devido a um surto de covid-19.
E, por fim, há a incógnita da China. O país se parece cada vez mais com uma ilha num mar de covid-19. Ontem Pequim relatou só 12 novos casos. A economia chinesa se recuperou da golpe de 2020, mas vem desacelerando neste segundo trimestre. A demanda interna continua fraca, num possível reflexo das restrições e do receio da população. Se a onda de covid-19 que está varrendo a região Indo-Pacífico conseguir superar o sistema de defesa chinês, as consequências para a economia mundial poderão ser severas. Esse é possivelmente o maior risco global hoje.