Viagem de Bolsonaro a Israel por spray nasal fracassa

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Foto: Reprodução

O Itamaraty admite que a viagem do ex-chanceler Ernesto Araújo para Israel, em meio à pandemia, não resultou na assinatura de um acordo por escrito de cooperação com o hospital Ichilov para o desenvolvimento ou importação de um tratamento contra a covid-19 conhecido como spray nasal.

Tampouco houve a assinatura de um convênio final com outra entidade israelense, o Instituto Weizmann, responsável por diversas pesquisas no campo da pandemia. O governo brasileiro ainda decidiu classificar os telegramas diplomáticos entre Brasília e Tel Aviv como reservado ou secretos, impedindo alguns deles de serem consultados pelos próximos 15 anos.

Na prática, as informações completas sobre a viagem da delegação brasileira, que foi alvo de polêmica, serão conhecidas apenas em 2036.

documento secreto governo - Reprodução - Reprodução

As revelações fazem parte de uma resposta de mais de 40 páginas submetida pelo novo chanceler Carlos França à bancada do PSOL na Câmara, no dia 7 de maio. Os deputados tinham solicitado explicações sobre a viagem de uma delegação do governo brasileiro para Israel, na primeira semana de março.

Além de Ernesto Araújo, que chegou a levar um pito público durante a viagem por não usar máscara, o avião da FAB (Força Aérea Brasileira) transportou para Israel o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o deputado Helio Lopes (PSL-RJ), o assessor especial Filipe Martins, e o então secretário de Comunicações, Fabio Wajngarten, além de diplomatas.

Da área técnica, a delegação contava com apenas dois representantes: Hélio Angotti Neto, do Ministério da Saúde, e Marco Morales, do Ministério da Ciência e Tecnologia.

No total, o custo da missão foi de mais de R$ 88 mil, sem contar o transporte no avião da FAB e a parcela de gastos arcada pelo governo de Israel.

Antes da missão, Eduardo Bolsonaro e outros membros do governo justificaram a ida para Israel por conta, entre outros fatores, de uma perspectiva de cooperação no desenvolvimento de um spray que ajudaria a combater a covid-19.

O presidente Jair Bolsonaro também usou sua live nas redes sociais para tocar no assunto. O produto teria tido bons resultados contra a covid-19. Mas tinha sido testado em apenas 30 pessoas.

Ao escrever para os deputados do PSOL, o chanceler Carlos França confirmou que houve reunião com a direção do hospital Ichilov, responsável pelo desenvolvimento do spray, oficialmente denominado de EXO-CD24.

No encontro, foi acordado um programa de cooperação “com vistas à participação do Brasil no desenvolvimento conjunto do produto (fase 2 e 3 de estudos), caso a Anvisa e a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa autorizem ensaios clínicos no país”.

“Foi proposto que o Brasil integrasse a fase 2 do desenvolvimento do medicando EXO-CD24″, fazendo parte de pool internacional”, explicou o chanceler.

Mas, na mesma resposta, o Itamaraty também afirma que a cooperação em relação ao spray nasal não se concretizou por meio de um documento, apesar de a delegação ter preparado em inglês e português um modelo de carta de intenções que foi levada para Israel.

“No que diz respeito à carta de intenções entre o Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Saúde e OBCTCCD24 LTDA [empresa que desenvolve o produto] sobre cooperação em relação ao spray nasal EXO-CD24, cujo objetivo seria consolidar a intenção do governo brasileiro de dar continuidade ao diálogo sobre cooperação com aquela empresa, o projeto da carta não teve sua celebração completada, uma vez que não foi assinada pelo representante do Ministério da Saúde e não chegou à troca de instrumentos entre os signatários, conforme prática de negociações internacionais”, diz o texto assinado por França.

Aos deputados, o chanceler submeteu a proposta de texto do acordo. Ela traz as assinaturas de Ernesto Araújo e da parte israelense, mas a do Ministério da Saúde está ausente.

Sem assinatura - Reprodução - Reprodução

Procurada, a pasta hoje comandada por Marcelo Queiroga não explicou o motivo de o texto não ter sido assinado, mesmo com um representante do Ministério da Saúde na delegação em Israel. Seus assistentes chegaram a pedir à reportagem mais tempo para que a informação pudesse ser buscada pela pasta. Mas não deram mais retorno.

Ainda nas respostas dadas aos parlamentares, o ministro França insistiu que a viagem “não deve ser reduzida às iniciativas de cooperação no domínio da Saúde, muito menos às tratativas para potencial desenvolvimento do spray nasal”.

Procurada, a embaixada de Israel no Brasil explicou que “o trabalho da delegação brasileira que foi a Israel foi muito frutífero e positivo”. “Muitas discussões estão sendo feitas. Os hospitais Hadassah e Ichilov estão em contato com o Ministério da Saúde e o Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil”, disse.

“Uma série de acompanhamentos por videoconferência sobre o assunto está em andamento”, completou.

No hospital Ichilov, a coluna tentou em diversas ocasiões contato com os responsáveis pelo projeto após a viagem de Araújo. Mas os pedidos de informação não foram atendidos.

Em resposta à coluna, o Itamaraty explicou que, “em 9/3/2021, a delegação brasileira que foi a Israel reuniu-se com o diretor do Hospital lchilov/Sourasky, Dr. Ronni Gamzu, e com o chefe do Centro de Pesquisa Médica daquela instituição, Dr. Nadar Arber, e com representantes da empresa OBTCD24. O lchilov é o maior hospital de Tel Aviv, responsável pelo desenvolvimento do spray nasal EXO-CD24, para fins de tratamento da COVID-19”.

Mas a chancelaria confirma que o acordo não foi concluído. “Carta de intenções sobre cooperação em relação ao ”spray” nasal “EXO-CD24″ foi rubricada pelo então Ministro das Relações Exteriores, embaixador Ernesto Araújo, com o objetivo de consolidar a intenção do governo brasileiro de dar continuidade ao diálogo sobre cooperação com a empresa OBCTCD-24”, disse.

“O projeto de carta não teve sua celebração completada, uma vez que não foi assinada pelo representante do Ministério da Saúde e não se chegou à troca de instrumentos entre os signatários, conforme prática de negociação internacional”, disse.

“O projeto de carta de intenção, apenas rubricado, não continha elementos juridicamente vinculantes, nem previsão de gravames financeiros ou obrigações de qualquer espécie para as partes participantes naquela etapa das tratativas”, apontou.

Esse não foi o único assunto que não resultou num acordo por escrito. Diferentemente do que o site do governo dá a entender, o Itamaraty declarou em sua carta aos deputados que “não há registro da assinatura de instrumento com o Instituto Weizmann, apesar da propositura do Ministério da Ciência e Tecnologia”. Ou seja, a intenção do governo era de ter um convênio assinado.

O Instituto é um dos maiores centros de pesquisa do mundo. De acordo com a resposta da chancelaria, houve despachos telegráficos sobre o tema. No entanto, assim como todos os demais telegramas solicitados, os parlamentares apenas receberam o trecho em que diz que os documentos foram classificados como sigilosos ou secretos.

Segundo o Itamaraty, quatro telegramas diplomáticos se referem à cooperação com o Instituto Weizmann. Mas toda a informação está embargada por anos.

No texto da explicação assinado pelo chanceler Carlos França, ele confirma, porém, que houve um encontro com o presidente do Instituto Weizmann, Alan Chen, durante o qual foi debatido intercâmbio de acadêmicos e que, no curto prazo, “acordou-se que a prioridade da parceira será a cooperação em temas ligados à pandemia”.

Ao terminar a viagem, num comunicado de imprensa, o governo anunciou que a delegação de autoridades brasileiras “firmou cooperação, de curto prazo, com o Instituto Weizmann, para pesquisas de combate à covid. A longo prazo, foi estabelecida cooperação em outras áreas, entre elas, a bioeconomia.”

Em resposta à coluna, o Itamaraty explicou que, no dia 7 de março, a delegação liderada pelo então Ministro das Relações Exteriores, com a participação de Secretários do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações (MCTI) e do Ministério da Saúde (MS), “manteve produtiva reunião com o presidente do Instituto Weizmann, Dr. Alon Chen”. “O Weizmann é um dos dez maiores institutos de pesquisa do mundo, que dispõe de 65 linhas de pesquisa sobre o COVID-19, incluindo desenvolvimento de vacinas”, diz a chancelaria.

“Ao final do encontro, decidiu-se pela adoção simbólica, por consenso e sem assinatura, de um plano de trabalho entre o MCTI e o Instituto Weizmann”, completou.

Os deputados ainda solicitaram que todos os telegramas diplomáticos sobre a viagem fossem disponibilizados. Mas o Itamaraty enviou 28 Termos de Classificação de Informação, no qual apontava como todos os documentos passaram a ser impedidos de ter seus conteúdos revelados.

Alguns deles estão sob sigilo até 2026, enquanto outros até o ano 2036. O Itamaraty ainda colocou tarjas negras para impedir que se saiba até mesmo o motivo pelo qual os telegramas foram classificados como secretos

Entre as diversas respostas, o Itamaraty ainda indicou que a viagem era um tema que há meses vinha sendo tratado. O primeiro convite partiu do governo de Israel, ainda em maio de 2020 e, naquele momento, não tinha como principal objetivo buscar soluções para a pandemia, mas a manutenção e aprofundamento do laço preferencial com Israel. A pandemia, porém, foi adiando a possibilidade de uma viagem.

Segundo o governo, foi o “agravamento dos efeitos da pandemia e o surgimento de variantes do novo coronavírus no mundo” que deram um “sentido de urgência” à ideia de uma missão até Israel.

Entre as metas estava “conhecer in loco os notáveis resultados obtidos por Israel no combate à pandemia”. Além da “premência de colher frutos, sobre tudo em termos de cooperação técnica e científica, da parceira estratégica entre Brasil e Israel”.

Nas declarações emitidas ao final da viagem, porém, os dois governos deixaram claro que a questão da pandemia não era o único assunto. Naquele momento, o então chanceler deu apoio aos israelenses em suas críticas contra a decisão da procuradoria do Tribunal Penal Internacional de abrir investigações contra membros do governo de Israel por suas ações contra palestinos.

Na resposta aos deputados, porém, o Itamaraty adota uma postura mais equilibrada e diz respeitar a independência da corte, em Haia.

Uol