20% dos septuagenários brasileiros não tomaram 2a dose da vacina
Foto: Douglas Magno – 1.mai.21/AFP
Uma em cada cinco pessoas com mais de 70 anos não completou a vacinação contra Covid-19 no país. As informações, extraídas do DataSUS (sistema de informações do Ministério da Saúde), mostram que há grupos prioritários ficando para trás na imunização para o controle da pandemia.
Entre os brasileiros acima dos 70 anos, 2,6 milhões nessa faixa etária começaram o processo vacinal, mas não concluíram a imunização com a segunda dose.
Na prática, 3,6 milhões de brasileiros com mais de 70 anos não estão completamente imunizados contra Covid-19 no país, já que cerca de 1 milhão não tomaram nem a primeira dose. Isso representa um quarto dos brasileiros nessa faixa etária —há 13,5 milhões de pessoas no Brasil acima dos 70 anos, de acordo com a estimativa populacional da Campanha Nacional de Vacinação contra a Covid-19.
As informações foram tabuladas com exclusividade para a Folha, considerando todos os vacinados contra a Covid-19 acima de 70 anos no país desde o início da campanha (em 17 de janeiro) até 30 de maio.
É importante que todos os vacinados tomem a segunda dose porque só assim é garantida a eficácia máxima dos imunizantes.
No Brasil, integraram os primeiros grupos prioritários na imunização os profissionais de saúde, os indígenas, as pessoas com deficiência institucionalizadas e os idosos (acima de 60 anos). Isso foi definido no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 .
Os idosos que vivem em espaços como casas de repouso foram os primeiros vacinados. Depois, a vacinação se deu em ordem decrescente por faixa etária. A maioria dos imunizados no país com mais de 85 anos recebeu a primeira dose em fevereiro. Já a maior parte dos vacinados com idade entre 70 anos e 85 anos no país começou o processo vacinal em março.
O problema é que as pessoas mais velhas que perderam a vacina estão ficando para trás —e a vacinação segue para os grupos prioritários seguintes (por exemplo, de adultos com comorbidades). Entre quem passou dos 90 anos, por exemplo, menos de 80% tomou a primeira dose da vacina contra Covid-19.
“Os grupos prioritários existem por um motivo: são pessoas com maior risco de exposição ou pessoas que, ao se exporem, correm maior risco de adoecer gravemente e morrer. Aqui se encaixam os idosos”, diz Natália Pasternak, microbiologista da USP.
Segundo estudo recente que olhou para a população de SP, o risco de internação e morte por Covid de pessoas com mais de 80 anos era cerca de quatro vezes maior do que nas pessoas com 60 anos ou menos.
“O buraco de um milhão de idosos que não tomaram nem a primeira dose —menos de 10% do total— pode ser impacto direto do negacionismo. Podem ser pessoas que não quiseram tomar vacina, não acreditam em vacina”, diz Pedro Hallal, epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas e colunista da Folha.
“Ninguém vira negacionista depois de tomar primeira dose. Então quem não voltou é impacto de desorganização do cronograma, de não ficar claro que é preciso voltar para segunda dose, de não ter um sistema de lembrete para segunda dose. Fica somente nas costas da pessoa que ela tem de voltar.”
A quantidade de pessoas com mais de 70 anos que não concluíram ou que ainda nem começaram a imunização contra Covid-19 varia pelo país. Três estados —Rio de Janeiro, Amazonas e Santa Catarina—, por exemplo, não atingiram 90% da população nessa faixa etária nem com a primeira dose. São os piores cenários do país.
Já no Acre, que vacinou 92% da sua população acima de 70 anos com a primeira dose, menos da metade (49,4%) desse grupo etário completou a imunização com a segunda dose.
Entre os vacinados acima de 70 anos, oito em cada dez receberam Coronavac, vacina que tem intervalo estipulado de 28 dias entre as doses. O restante foi imunizado com Oxford/AstraZeneca, que tem três meses de intervalo entre as doses. Os vacinados com Pfizer nessa faixa etária até 30 de maio não chegam a 0,1% do total.
Para Pasternak, é preciso buscar ativamente essa população, com campanhas publicitárias e serviços de acompanhamento. “Busca por aplicativo, por telefone, lembrando as pessoas de se vacinarem, de voltarem para a segunda dose.”
Isso é feito, por exemplo, nos Estados Unidos. De acordo com a epidemiologista Denise Garrett, do Instituto Sabin (EUA), vacinados saem da primeira dose naquele país com a segunda etapa agendada —e são notificados por mensagem com um lembrete. “Há busca ativa dos que não aparecerem para a segunda dose.”
Nos EUA, oito em cada dez adultos com mais de 65 anos (um universo maior de pessoas do que a análise feita no DataSUS) já está completamente vacinado. Do restante da população nessa faixa etária, metade já tomou pelo menos uma dose. Os dados são do CDC, Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.
Imunizar a maior quantidade de pessoas por grupo prioritário é importante no controle da pandemia como um todo. Recentemente, pesquisa do Instituto Butantan no município de Serrana (SP) mostrou que a pandemia começa a ser controlada com mais de 75% da população vacinada. Na cidade, 95,7% dos adultos foram vacinados.
O Ministério da Saúde informou que todas as campanhas sobre Covid-19 ressaltam a importância da vacinação e, também, que estuda fazer uma campanha específica para quem deveria ter tomado a 2a dose do imunizante mas, por algum motivo, ainda não a tomou.
Não há informação sobre campanhas específicas do Ministério da Saúde para idosos que ainda não tenham se vacinado ou completado a vacinação contra Covid-19. No seu site, o ministério informa que “o ritmo da vacinação está acelerando”.
O rastreamento dos vacinados contra Covid-19 nos dados do DataSUS é possível porque cada pessoa imunizada é registrada no sistema com um código individual de identificação, ao qual estão ligadas informações sobre idade, dose da vacina recebida e grupo prioritário.
Os dados de vacinação contra Covid-19 disponíveis no DataSUS têm sido monitorados pela Folha, que recentemente mostrou que quase dois milhões de vacinados tomaram a segunda dose fora do prazo. Antes, a Folha já tinha identificado mais de 16 mil pessoas que receberam doses de fabricantes diferentes na vacina contra a Covid-19, erro vacinal que pode prejudicar a proteção contra a doença.