Banco Mundial, FMI, OMC e OMS pedem democratização das vacinas
Foto: ALVARO VIDAL / AFP
Os líderes mundiais devem assumir um “novo compromisso” para uma distribuição global mais equitativa das vacinas contra a Covid-19, afirmaram nesta terça-feira quatro das maiores organizações internacionais do planeta. Sem um esforço coletivo para facilitar o acesso às doses, afirmam, será difícil pôr fim à crise sanitária e impulsionar a recuperação econômica em ampla escala.
Em um texto publicado no jornal Washington Post, os diretores da Organização Mundial da Saúde (OMS), da Organização Mundial do Comércio (OMC), do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, instam os líderes do G7, que se reúnem em uma cúpula a partir do dia 11 de junho, a aumentar a coordenação estratégica e o financiamento para acelerar a vacinação em escala planetária.
Eles pedem especificamente fundos para pôr em prática uma proposta de US$ 50 bilhões apresentada pelo FMI durante a Cúpula Global da Saúde, em 21 de maio, que almeja garantir a vacinação de 40% da população mundial até o fim do ano e de 60% até o primeiro semestre de 2022.
“Está muito claro que não haverá uma ampla recuperação econômica da Covid-19 sem que a crise sanitária chegue ao fim. O acesso às vacinas é fundamental para ambos”, afirmam. “Acabar com a pandemia é possível e requer uma ação global hoje”.
Os representantes dos organismos internacionais apontam para os progressos que permitiram a comercialização de vacinas contra o novo coronavírus menos de um ano após seu surgimento, mas ressaltaram que há uma diferença de acesso muito grande entre os países ricos e pobres: até o momento, nações de renda baixa receberam menos de 1% das doses.
“Alguns países afluentes já discutem doses de reforço para suas populações, mas a vasta maioria da população em países em desenvolvimento, até mesmo profissionais da saúde na linha de frente, ainda não receberam a primeira dose”, afirmam a diretora do FMI, Kristalina Georgieva; o diretor-geral OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus; o presidente do Banco Mundial, David Malpas; e a diretora da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala.
A desigualdade, argumentam, cria um ambiente propício para o surgimento e a circulação de novas variantes mais letais que dificultam o controle da pandemia até mesmo onde a vacinação está avançada. Um exemplo é o Reino Unido que, apesar de ter aplicado a primeira dose em 74,8% da sua população adulta, vê novos surtos localizados provocados pela cepa indiana.
Enquanto a imunização em escala global não ganhar fôlego, diz o texto, haverá consequências negativas para todos e riscos de restrições sanitárias e de locomoção serem reimplementadas. Os autores, contudo, afimam que essa lacuna pode ser reduzida com o apoio à proposta do FMI. Ao facilitar a vacinação, a expectativa é que o plano recém-apresentado gere cerca de US$ 9 trilhões até 2025, com 60% dos ganhos em mercados emergentes e 40%, nos desenvolvidos.
Ao menos US$ 35 bilhões dos US$ 50 bilhões viriam de subsídios das nações ricas, organizações multilaterais e doadores privados. De acordo com os diretores do FMI, da OMC, da OMS e do Banco Mundial, o G-20 já “reconheceu a importância de fornecer US$ 22 bilhões adicionais para o acelerador ACT”, o mecanismo da OMS para catalisar a distribuição de vacinas e medicamentos contra a Covid-19 que tem o consórcio Covax como um de seus pilares.
Os US$ 15 bilhões restantes seriam financiados por governos nacionais com empréstimos de bancos multilaterais de desenvolvimento, sem juros ou com taxas reduzidas.
O texto publicado no Washington Post defende também o fim de barreiras protecionistas para vacinas e princípios ativos, além de novos investimentos para aumentar a capacidade produtiva em ao menos 1 bilhão de doses, diante da possibilidade de injeções de reforço serem necessárias. Para isso, é preciso “diversificar a produção em regiões que atualmente têm pouca capacidade produtiva, com o compartilhamento de tecnologia e know-how”.
O grupo defende ainda que os 164 países-membros da OMC acelerem os debates para “soluções pragmáticas” ao redor das propriedades intelectuais, mas não faz menção direta às discussões para suspendê-las temporariamente.
A suspensão ganhou impulso no último dia 6 após o endosso do presidente americano, Joe Biden, mas desde então a Casa Branca não avançou muito em sua proposta. O assunto segue travado na OMC, onde uma reunião na segunda sobre o plano apresentada pela Índia e pela África do Sul terminou sem grandes avanços. O projeto tem o apoio de 63 Estados, mas precisa de apoio unânime para ser aprovado.
A versão mais recente do texto indiano e sul-africano sugere um prazo de “pelo menos três anos” para a suspensão da propriedade intelectual de “vacinas, tratamentos, diagnósticos e dispositivos médicos, equipamentos de proteção, materiais, componentes e métodos de fabricação necessários para a prevenção, o tratamento ou a contenção” da pandemia. Ao fim dos três anos, caberia ao Conselho Geral da OMC prorrogar ou pôr um fim à concessão.
A proposta, contudo, enfrenta a oposição de países ricos, onde estão sediados algumas das principais farmacêuticas do mundo, como a Alemanha, a Suíça e a cúpula da União Europeia. Na reunião de segunda, eles “continuaram a exppressar dúvidas” e pediram “mais tempo” para avaliar a proposta indiana e sul-africana.
O Brasil também é contrário à suspensão, defendendo ao lado de outros sete países uma “terceira via” que facilite “acordos de licenciamento para a transferência de tecnologia, expertise e know-how”.
Para especialistas e organizações defensoras dos direitos humanos, o licenciamento compulsório é um passo importante para combater a desigualdade. As farmacêuticas e os governos contra a quebra das patentes, por sua vez, argumentam que a produção de doses demanda tecnologia, conhecimento e infraestrutura inexistente em boa parte do planeta, e que suspender as propriedades, portanto, não aceleraria a produção a curto ou médio prazo.
Grupos favoráveis à manutenção da propriedade intelectual com frequência afirmam que os mecanismos já previstos pelo Acordo Trips (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio, na sigla em inglês) são suficientes para acelerar a produção.
Um deles e é o “compartilhamento” de patentes, em que as farmacêuticas decidem voluntariamente compartilhar as licenças de seus produtos com países pobres e em desenvolvimento. Há um ano, a OMS criou um mecanismo para tentar simplificar o processo, chamado de C-TAP, mas a adesão é aquém do esperado, especialmente entre os países ricos.