Bolsonaro cita “manifestações muito vermelhas” contra si
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O Palácio do Planalto avaliou as manifestações de sábado (19) em defesa do impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como “muito vermelhas” e quer usar a partidarização dos atos para reforçar a ideia de que quem está indo às ruas é, mais do que contra o governo, a favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Esse entendimento, para integrantes do Planalto, pode afastar dos protestos aquele público que, apesar de ser contra Bolsonaro, não é a favor de Lula. Além disso, reforça a polarização da direita contra a esquerda que o presidente vem trabalhando desde 2018.
O próprio Bolsonaro, que evitou se manifestar sobre os atos no fim de semana, aproveitou a interação com apoiadores na frente do Palácio da Alvorada na manhã desta segunda-feira (21) para associar as passeatas de sábado em todo o país aos “petralhas”, como apoiadores do PT são pejorativamente chamados por adversários.
O presidente também os relacionou ao consumo de mortadela, embutido que recheia sanduíches e que passou a ser associado a uma espécie de pagamento dado a participantes de manifestações de esquerda.
“Eu acho que eu vou acabar com as manifestações dos petralhas. Comam mortadela, pessoal, faz bem à saúde. Comam mortadela, que faz bem à saúde. Vai acabar com as manifestações. Entendeu a jogada? Porque tudo que eu apoio é o contrário, então, estou apoiando agora o consumo de mortadela no Brasil”, disse Bolsonaro a apoiadores na manhã desta segunda.
A conversa foi gravada e transmitida por um canal de internet simpático ao presidente e que tem acesso à área restrita aos apoiadores no jardim da residência oficial.
O presidente também se referiu pejorativamente a Lula e afirmou que o petista só vencerá a eleição em 2022 se houver fraude.
Em defesa da PEC (proposta de emenda à Constituição) do voto impresso, Bolsonaro voltou a afirmar nos últimos dias, sem apresentar qualquer prova, que os pleitos presidenciais mais recentes foram fraudados.
“Só na fraude o nove dedos volta. Agora, se o Congresso aprovar e promulgar [a PEC], teremos voto impresso. Não vai ser uma canetada de um cidadão como este daqui, que não vai ter voto impresso. Pode esquecer isso daí”, afirmou Bolsonaro em referência velada ao presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Luís Roberto Barroso, crítico da adoção do voto impresso.
De acordo com um auxiliar do presidente, a avaliação interna é que os atos ainda não decolaram na proporção que a oposição tenta vender.
Entende-se ainda que as manifestações estão ficando cada vez mais associadas ao PT, o que reforça o discurso governista e a polarização para 2022.
Isso deixa Bolsonaro em uma certa zona de conforto, já que ele vem sustentando desde a eleição passada o discurso anti-PT lastreado na tese de risco de implementação do comunismo no Brasil.
Como a Folha mostrou, em busca de recuperar a popularidade até a eleição, Bolsonaro tem diversificado os palcos para discursos radicais. Ele tem participado de motociatas pelo país e ido a cultos, além das tradicionais lives, interações com apoiadores no Alvorada e discursos inflamados em agendas oficiais.
Ao reforçar o discurso de que quem foi à rua no fim de semana é petista e que o PT está tentando converter as manifestações de “fora, Bolsonaro” em “pró-Lula”, o presidente e aliados dizem acreditar que os protestos devam perder força, uma vez que eleitores de centro-direita que estão se manifestando contra Bolsonaro não são necessariamente a favor da volta do ex-presidente.
Para não inflar o caráter eleitoral, que emerge em faixas e cantos pró-Lula, o ex-presidente decidiu não comparecer, mas incentivou apoiadores a irem às ruas. O petista busca ainda evitar aglomerações para se contrapor a Bolsonaro.
Mas os atos contaram com as participações de nomes como o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), os deputados federais Benedita da Silva (PT-RJ), Pedro Uczai (PT-SC), Gleisi Hoffmann (PT-PR, além de presidente nacional do partido), Jandira Feghali (PC do B-RJ), Orlando Silva (PC do B-SP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ), além de Guilherme Boulos (PSOL) e Juliano Medeiros, presidente nacional do PSOL.
Eu ainda não sei se vou na manifestação. Tenho uma preocupação. Não quero transformar um ato político em um ato eleitoral. Não quero os meios de comunicação explorando isso como o Lula se apropriando de uma manifestação convocada pela sociedade brasileira.
— Lula (@LulaOficial) June 17, 2021
O ato de sábado foi o segundo contra Bolsonaro em todo o país. O primeiro aconteceu em 29 de maio.
A Folha também mostrou que, hoje, a Campanha Fora, Bolsonaro é majoritariamente de esquerda —composta por frentes como a Povo sem Medo, a Brasil Popular e a Coalizão Negra por Direitos, que reúnem centenas de entidades, entre elas MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), UNE (União Nacional dos Estudantes), CMP (Central de Movimentos Populares) e Uneafro Brasil.
Partidos de esquerda, como PT, PSOL, PC do B, PCB, UP, PCO e PSTU, também integram a organização dos atos.
A segunda manifestação teve novas adesões —centrais sindicais, o Movimento Acredito e siglas como PSB, PDT e Rede, que dizem não estimular as aglomerações, mas não proibiram a presença de quadros. Já o Cidadania anunciou apoio oficial às manifestações.
O próprio PT e o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), até então mais discretos, resolveram endossar a segunda manifestação com mais afinco.
Uma reunião de avaliação dos atos anti-Bolsonaro e planejamento de possíveis novas manifestações está marcada para esta terça-feira (22). As ações de rua são vistas com cautela por parte dos organizadores em meio à pandemia do coronavírus.
No sábado, o país chegou a 500 mil mortos em decorrência da Covid, com o ritmo de óbitos e contaminações em alta. A grande maioria dos manifestantes usou máscara, mas houve aglomerações.
Mesmo isolado de Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) atacou as manifestações justamente pelo aspecto sanitário.
“Existe gente que não gosta do nosso governo, que é contra, oposição. Isso faz parte de qualquer sistema democrático. Agora, é uma aglomeração, né? É um risco [a] que essas pessoas se submeteram”, afirmou Mourão nesta segunda ao chegar à Vice-Presidência, um anexo do Palácio do Planalto.