Bolsonaro e Lula buscam o vice ideal

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Foto: José Carlos Daves/Futura Press

A figura do “vice decorativo” não é regra na política brasileira no período posterior à redemocratização. Michel Temer é o melhor exemplo disso. Autor da expressão, ele não apenas deixou de ajudar Dilma Rousseff na relação com o Congresso como passou a trabalhar ativamente para tirá-la do poder, como mostrou uma reportagem de VEJA publicada em novembro de 2015, um mês antes de Eduardo Cunha, então comandante da Câmara dos Deputados e aliado de Temer, determinar a abertura do processo de impeachment da petista. Itamar Franco não participou de conspirata, mas, antes da destituição de Fernando Collor, pregava abertamente sua renúncia. No governo atual, o general Hamilton Mourão vive escanteado — não por opção pessoal, mas por ser considerado uma sombra perigosa pela família Bolsonaro, que, desconfiada por natureza, acha que ele já cobiçou a cadeira de presidente. Decorativos mesmo só José Alencar, vice de Lula, e Marco Maciel, o discreto parceiro de Fernando Henrique Cardoso. Devido a esse histórico e a outras razões, a escolha para o posto de número 2 na hierarquia da República é estratégica.

Favoritos para a eleição de 2022, o presidente Jair Bolsonaro e seu antecessor Lula sabem da importância da função e já estão em campo prospectando nomes e cenários. Como ensina a cartilha, ambos querem um candidato a vice que agregue valor à chapa. Pode ser em votos. Ou pode ser na construção de uma imagem, por exemplo, mais ou menos moderada. Na busca de um companheiro de chapa, o desafio do ex-capitão, em virtude de sua personalidade, parece mais complicado. Adepto de teorias da conspiração, Bolsonaro prefere escolher para vice alguém de sua estrita confiança, um bolsonarista raiz que não tenha relação com o Congresso, o que dificultaria a vida do escolhido caso esse passasse a flertar com a ideia de derrubar o presidente reeleito. Parece um excesso de precaução, mas faz sentido na lógica de quem vê conspiradores por todos os lados e demitiu ministros com gabinete no Palácio do Planalto por suspeitar de traição. Bolsonaro pode optar por essa solução se a aprovação popular a seu governo melhorar e ele recuperar terreno nas pesquisas de intenção de voto.

Caso o cenário atual se mantenha até 2022, a tendência é ele optar por um plano B, como defendem desde já os líderes do Centrão. Para os políticos profissionais que aderiram ao governo, Bolsonaro tem de escolher para vice um quadro de um grande partido e que seja originário de uma região do país refratária ao presidente. Uma das opções é um parlamentar do Nordeste. Presidente do Progressistas e fiador da aliança do Centrão com o ex-capitão, o senador Ciro Nogueira (PI) se enquadra nesse perfil. Como a sucessão presidencial promete ser acirrada e Ciro está empenhado até o momento na campanha pela reeleição, há quem defenda um objetivo mais ousado: um vice de um partido de centro considerado independente e que, se aderisse à coligação, poderia dar a ela ares mais moderados. O sonho de consumo é o DEM. O presidente da legenda, ACM Neto, declarou publicamente que não apoiará Bolsonaro e que trabalha por uma candidatura própria da sigla à Presidência. Os bolsonaristas, porém, estão certos de que podem fazê-lo mudar de ideia.

Uma possibilidade é oferecer apoio a uma eventual candidatura de ACM Neto ao governo da Bahia, na qual enfrentará o PT, e convidar para vice outro quadro do DEM. De preferência, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Eleito por Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral do país, Pacheco entrou no radar de setores do PIB que trabalham pela construção de uma candidatura de centro na próxima sucessão presidencial e passou a ser cotado até como cabeça de chapa. O PSD de Gilberto Kassab pretende filiá-lo ao partido com a perspectiva de ser candidato a presidente. Os bolsonaristas dizem que Pacheco não disputará a Presidência, independentemente da legenda em que estiver, mas que ele pode aceitar o posto de vice. Afirmam ainda que, se Bolsonaro recuperar popularidade, o DEM e o PSD provavelmente apoiarão a reeleição. O fato é que hoje a chance maior é de Bolsonaro ter um político tradicional como companheiro de chapa. Ou seja: o pragmatismo tem de tudo para prevalecer no embate com o viés ideológico tão caro ao ex-capitão. O mesmo vale para Lula.

À frente de Bolsonaro nas simulações de primeiro turno, o petista pretende montar uma aliança eleitoral que ultrapasse as fronteiras da esquerda e seja considerada centrista, conciliadora de interesses, numa reedição da estratégia “paz e amor” de 2002. Inspiradas na primeira campanha presidencial vitoriosa do partido, em que o empresário José Alencar era vice de Lula, algumas estrelas do PT passaram a defender a escolha de um empresário para compor a chapa em 2022. Dois nomes surgiram nas conversas: Josué Gomes, filho de José Alencar e dono da Coteminas, e Luiza Trajano, proprietária do Magazine Luiza. Ambos, no entanto, não parecem interessados na empreitada. Gomes, que já foi candidato ao Senado por Minas, descarta nova incursão na política e disputará a presidência da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Luiza — que foi durante o governo Lula integrante do Conselhão, colegiado que reunia representantes de diversos setores para debater temas diversos com o presidente — já externou aos petistas que não pretende participar do processo eleitoral. Ela pode até contribuir com sugestões para a elaboração de medidas destinadas a estimular a economia e a geração de emprego, mas de maneira informal.

Diz um petista graduado: “Não vejo com muitas ilusões a possibilidade de reeditar 2002. A parceria do Lula com o Zé Alencar foi uma coisa única”. A declaração embute uma mistura de constatação e de queixa com o fato de vários empresários terem se distanciado de Lula após a derrocada econômica do governo Dilma e a prisão do ex-presidente. A vaga de vice pode servir para reaproximar as partes, mas outras possibilidades serão avaliadas, inclusive uma eventual composição com legendas que são do Centrão e hoje apoiam Bolsonaro no Congresso, caso do PL do mensaleiro Valdemar Costa Neto. A necessidade eleitoral, como de costume, definirá o nome do vice.

Em 2005, Lula quase enfrentou um impeachment em razão do escândalo do mensalão. Na época, a oposição desistiu do processo por acreditar que ele sangraria até o fim do mandato e perderia a eleição no ano seguinte (veja a matéria na pág. 34). Também ajudou o petista o fato de Alencar ter sido leal a ele nos momentos de maior tensão. Uma década depois, Lula chegou a conversar com Temer numa tentativa de impedir o impeachment de Dilma, mas fracassou na missão. Já Bolsonaro suspeita de Mourão apesar de o general nunca ter feito um gesto efetivo a favor do impeachment, o que ajuda a conter o ânimo dos defensores da deposição do ex-capitão. Com mandatos fixos outorgados pelas urnas, os vices são muito mais importantes do que sugerem suas participações nas campanhas de rua. Nelas — e talvez apenas nelas — eles são meramente decorativos.

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